Como Eu Era Antes de Você
"Ser atirada para dentro de uma vida totalmente diferente — ou, pelo menos, jogada com tanta força na vida de outra pessoa a ponto de parecer bater com a cara na janela dela — obriga a repensar sua ideia a respeito de quem você é. Ou sobre como os outros o veem."
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"Foi só quando trouxemos Will de volta para casa, depois que o anexo foi adaptado e arrumado, que encontrei algum sentido em tornar o jardim bonito outra vez. Precisava dar ao meu filho um lugar para onde olhar. Precisava dizer a ele, silenciosamente, que as coisas poderiam mudar, crescer ou fenecer, mas que a vida continuaria. Que todos nós éramos parte de um grande ciclo, algum tipo de arranjo cuja finalidade só Deus poderia entender. Eu não podia dizer isso a ele, é claro — Will e eu nunca fomos muito bons em conversar —, mas eu queria mostrar. Uma promessa tácita, se preferir, de que existe algo maior, um futuro melhor."
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"O maestro parou, deu dois toques na tribuna com a batuta e fez-se silêncio absoluto. Todos pararam e a plateia ficou atenta, à espera. Ele então baixou a batuta e de repente a sala foi tomada pelo som. Senti a música como se fosse algo físico que não entrava só pelos meus ouvidos, mas fluía dentro de mim, me cercava, fazia meus sentidos vibrarem. Estava toda arrepiada e minhas mãos ficaram úmidas. Will não tinha falado que era assim. Pensei que fosse ficar entediada. Mas aquela era a coisa mais linda que eu já tinha ouvido.
E ainda fazia a minha imaginação percorrer caminhos inesperados; sentada ali, pensei em coisas que não passavam mais pela minha cabeça havia anos, fui invadida por velhas emoções; novas ideias e pensamentos surgiam como se minha percepção se ampliasse. Era quase excessivo, mas eu não queria que parasse. Queria ficar sentada ali para sempre. Dei uma olhada em Will. Ele estava enlevado, distraído. Virei-me para a frente, com um medo inesperado de estar observando-o. Temia o que ele pudesse estar sentindo, o tamanho da entrega, a extensão dos seus medos. A vida de Will Traynor era tão diferente da minha. Quem era eu para dizer como ele deveria viver?"
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"— Ah, nunca fui à Disneylândia. Será que vale a pena? Nem à Eurodisney.
— Uma vez, comprei uma passagem para a Austrália. Mas nunca fui.
Ele virou-se para mim, surpreso.
— Acontece. Tudo bem. Talvez eu vá um dia — acrescentei.
— Nada de "talvez". Você precisa sair daqui, Clark. Prometa que não vai passar o resto da vida enfiada nesta cidade que mais parece uma maldita estampa de jogo americano.
— Prometer? Por quê? — Tentei fazer uma voz suave. — Aonde você vai?
— É que... não aguento pensar que você vai ficar aqui pelo resto da vida. — Ele engoliu em seco. — Você é muito inteligente. Muito interessante. — Ele desviou os olhos de mim. — Você só vive uma vez. É sua obrigação aproveitar a vida da melhor forma possível.
— Está bem — concordei, com cuidado. — Então me diga para onde eu devia ir. Aonde você iria, se pudesse ir para qualquer lugar?
— Agora?
— Sim, agora. E não me venha com Kilimanjaro. Tem de ser um lugar onde eu possa me imaginar — expliquei.
O rosto de Will relaxou e ele ficou parecendo outra pessoa. Naquele momento, um sorriso brotou em seu rosto, seus olhos apertados de satisfação.
— Eu iria a Paris. Sentaria numa mesa na calçada do Café Marais, tomaria uma xícara de café e comeria croissants quentes com manteiga sem sal e geleia de morango."
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"Se ele amar, sentirá que pode seguir em frente. Sem amor, eu já teria afundado várias vezes."
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"— Tenho muito, muito medo de como as coisas vão ficar. — Deixou a frase se assentar no ar entre nós e, então, em voz baixa e calma, continuou. — Sei que a maioria das pessoas acha que viver como eu é a pior coisa que pode acontecer. Mas poderia ser pior. Eu poderia não conseguir respirar sozinho, poderia não falar. Poderia ter problemas circulatórios que me obrigariam a amputar braços e pernas. Poderia viver hospitalizado indefinidamente. Isso não é lá uma vida, Clark. Mas quando penso em como poderia ser pior... há noites em que me deito na cama e realmente não consigo respirar.
Engoliu em seco.
— E sabe o quê? Ninguém quer ouvir esse tipo de coisa. Ninguém quer ouvir você falar que está com medo, ou com dor, ou apavorado com a possibilidade de morrer por causa de alguma infecção aleatória e estúpida. Ninguém quer ouvir sobre como é saber que você nunca mais fará sexo, nunca mais comerá algo que você mesmo preparou, nunca vai segurar seu próprio filho nos braços. Ninguém quer saber que às vezes me sinto tão claustrofóbico estando nesta cadeira que tenho vontade de gritar feito louco só de pensar em passar mais um dia assim. Minha mãe está por um fio e não me perdoa por ainda amar meu pai. Minha irmã se ressente pelo fato de que, mais uma vez, eu fiz sombra para ela — e porque minhas lesões significam que ela não pode me odiar propriamente, como ela faz desde que éramos pequenos. Meu pai só quer que tudo isso acabe. Nos últimos tempos, eles só querem ver o lado positivo. Precisam que eu também veja.
Ele parou.
— Precisam acreditar que existe um lado positivo.
Fechei os olhos no escuro.
— Eu também faço isso? — perguntei, baixo.
— Você, Clark — ele olhou para as mãos —, é a única pessoa com quem eu sinto que posso falar desde que eu acabei nesta porcaria."
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"— Alguns erros... apenas têm consequências maiores que outros. Mas você não precisa deixar que aquela noite seja aquilo que define quem você é.
Senti a cabeça dele balançar contra a minha.
— Você, Clark, tem a escolha de não deixar isso acontecer."
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"Clark,
Quando você ler esta carta, terão se passado algumas semanas (mesmo com a sua recém-adquirida capacidade de organização, não acredito que esteja em Paris antes do início de setembro). Espero que o café esteja saboroso e forte, os croissants frescos e o tempo ainda ensolarado o bastante para que você se sente na calçada numa daquelas cadeiras de ferro que nunca estão bem firmes no chão. O Marquis não é ruim. O filé também é bom, se você quiser voltar no almoço. E se olhar a rua, à esquerda, verá o L'Artisan Parfumeur onde, depois de ler esta carta, você deveria experimentar um perfume que eles chamam de algo como Papillons Extreme (não me lembro direito do nome). Sempre achei que ia ficar ótimo em você.
Certo, as recomendações acabaram. Gostaria de dizer algumas coisas e as teria dito pessoalmente, mas: a) você se emocionaria e b) você não me deixaria dizer tudo. Sempre falou demais. Portanto, eis aqui: o cheque que você recebeu de Michael Lawler no envelope anterior não é a quantia total, apenas um pequeno presente para ajudá-la nas primeiras semanas desempregada e para ir a Paris.
Quando voltar para a Inglaterra, leve esta carta para Michael, no escritório dele em Londres, e ele vai lhe entregar os documentos necessários para você acessar a conta que foi aberta, a meu pedido, no seu nome. Essa conta tem o suficiente para você comprar um bom lugar para morar, pagar seu curso e as despesas enquanto estiver estudando em tempo integral.
Meus pais serão comunicados de tudo. Espero que isso, e os serviços jurídicos de Michael Lawler, garantam que não haverá a menor dificuldade possível.
Clark, quase consigo ouvir daqui você hiperventilar. Não entre em pânico, nem tente desistir — isso não é o suficiente para você sentar o seu traseiro pelo resto da vida. Mas pode comprar a sua liberdade, tanto daquela claustrofóbica cidadezinha que nós chamamos de lar quanto das escolhas que você foi obrigada a fazer até agora.
Não estou lhe dando dinheiro porque quero que fique saudosa, em dívida em relação a mim ou para que isso seja uma espécie de maldita lembrança.
Estou lhe dando isso porque poucas coisas ainda me fazem feliz, e você é uma delas.
Sei que me conhecer lhe causou sofrimento e tristeza e espero que um dia, quando estiver menos zangada e chateada comigo, veja não só que eu só podia ter feito o que fiz, mas também que isso lhe ajudará a ter uma vida realmente boa, melhor do que se não tivesse me conhecido.
Durante algum tempo, você vai se sentir pouco à vontade em seu novo mundo. É sempre estranho ser arrancada de sua zona de conforto. Mas espero que fique animada também. Sua expressão, quando voltou da aula de mergulho naquele dia, me disse tudo: você tem ambição, Clark. É destemida. Mas escondeu essas qualidades, como quase todo mundo.
Não estou lhe dizendo para saltar de prédios altos, nadar com baleias ou algo assim (embora, no fundo, gostaria que você fizesse essas coisas), mas para viver corajosamente. Ir em frente. Não se acomodar. Usar aquelas meias listradas com orgulho. E se quiser mesmo se acomodar com algum sujeito ridículo, garanta que um pouco de tudo isso fique guardado em algum lugar. Saber que você ainda tem possibilidades é um luxo. Saber que lhe dei algumas me dá certo alívio.
É isso. Você está marcada no meu coração, Clark. Desde o dia em que chegou, com suas roupas ridículas, suas piadas ruins e sua total incapacidade de disfarçar o que sente. Você mudou a minha vida muito mais do que esse dinheiro vai mudar a sua.
Não pense muito em mim. Não quero que você fique toda sentimental. Apenas viva bem.
Apenas viva.
Com amor,
Will"
- Como Eu Era Antes de Você, de Jojo Moyes -
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