Capítulo 6 - Avô
Moreira sentia sua cabeça rodopiando. Achou que era cansaço ou confusão mental, mas notou que estava viajando novamente pelas imagens do seu passado. Agora estava diante de um rio, e lembrou de imediato daquele cenário.
Havia um pescador naquele cenário. As lágrimas brotaram dos olhos do Moreira. Era o seu avô. Pai de sua mãe. Pescador, madeireiro, marceneiro, eletricista, caçador e, por mais de vinte anos, marinheiro. Um homem grande, corpulento, seguro de si. Costumava dizer, como Moreira gostava de recordar: "não trago problemas para casa. Deixo-os do lado de fora, como se fosse uma chave pendurada. Quando saio de casa, pego a chave".
Moreira lembrava dele como um homem altivo, imponente e respeitador. Brincava muito, mas era trabalhador e sério.
Junto ao seu avô, havia um garotinho. Claro, era o jovem que um dia ele foi. Muito curioso, fazendo perguntas ao avô, que as respondia com paciência e sabedoria. Os olhos do rapaz brilhavam intensamente a cada resposta, a cada gesto. Os dois, neto e avô, saíram para um passeio de barco. E o neto continuava perguntando:
— O que tem lá no céu, vô?
— No céu? Neste céu azulado e claro que você vê agora? O que você imagina que tenha? Eu vejo algumas nuvens agora... mas poucas. Vejo o Sol. Você sabe que o Sol é uma estrela, né? Mas... cadê as outras estrelas?
— Elas só aparecem de noite, vô!
— E por que acha que elas aparecem somente à noite?
— Mamãe disse que elas dormem de dia!
— Se a mamãe disse, então está certo. Mas além de dormirem, o que mais acontece? A nossa estrela, o Sol, inibe as outras. Elas ficam invisíveis diante do poder da luz solar. Elas estão todas lá no céu. Não as vemos, mas estão lá. Dormindo, talvez, como sua mãe diz. Mas apenas invisíveis aos olhos.
— Ela também disse que os anjos e Deus moram lá.
— E eu digo que essa é a verdade de sua mãe. Eu nunca estive no céu para saber se existem anjos lá. Vai que existem mesmo, não é? O que eu sei, ou o que eu acho, é que existem muitos anjos e demônios em todos os lugares. Não precisamos ir tão longe, não. Em tudo o que vive e em tudo o que existe, há uma magia, a magia da vida. Sem castigos e julgamentos. Precisamos ser bons porque ser bom é uma demonstração de respeito ao próximo. Somos todos diferentes. Sua mãe acredita em algumas coisas, eu acredito em outras. Isso não me faz melhor que ela, e tenho certeza de que ela é tão boa quanto é possível ser. E eu me esforço pra ser o melhor homem que eu consigo. Quero que você também seja um grande homem, muito melhor que eu ou seu pai. Isso depende só de você. Seja bom, respeite a todos.
— Mas e Deus?
— O que tem? — perguntou ao neto, com um sorriso.
— Onde ele mora? É no céu mesmo?
— Onde você quiser, meu neto... pode ser no céu, pode ser em seu coração, ou pode ser em todo lugar, também.
O velho Moreira ouvia a tudo, com um ar aturdido. Não entendera seu avô na época, e ainda tinha dificuldades para traduzir o discurso. O Mestre de Um Novo Começo lançava-lhe um olhar divertido:
— Não espere entender tudo de uma vez só, meu prezado. Apenas alimente sua alma com as lembranças do que você foi um dia. Terá bastante tempo para refletir.
— Refletir sobre o que?
— Sobre o que você fez de sua vida. E sobre a possibilidade de voltar do coma. São muitas as possibilidades, e te darei a chance de escolher uma delas. Antes, porém, gostaria de mostrar mais um momento de sua vida.
Novamente, o rodopio, a sucessão de imagens, e agora não era uma criança, mas um jovem com um coração despedaçado, inconformado com a recusa de uma garota de sua idade. O jovem desferiu-lhe um chute no estômago, chamou-a de puta, virou as costas e saiu correndo, o ódio do mundo em suas costas. O velho Moreira sentia o peso nas costas e a dor do chute, amplificados pelo ambiente onírico em que se encontrava.
O pequeno Samuel, arteiro e inteligente, tornou-se mais sombrio ano após ano, e saiu da adolescência com raiva, baixa autoestima e deixando-se levar pela sujeira em sua volta.
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