Asan Gorid
Do lado de fora do casebre nos arredores de Tarus, pequenas mãozinhas esmurravam a porta em desespero. Uma voz aguda e chorosa, podia ser ouvida, embora abafada. Ela repetia e repetia o mesmo clamor:
"Guardião! Guardião!"
Os olhos do homem se abriram, mas ele aparentava estar sonolento e confuso. A mulher ao seu lado também acordou com o barulho vindo do lado de fora, mas ela o ignorou de propósito.
Não estava irritada, apenas não se importava com nada mais além de seu amado. Levantou a cabeça e roçou seus lábios no pescoço dele, acariciando, ao mesmo tempo, as cochas do homem por debaixo do lençol, na esperança de convencê-lo a permanecer junto dela.
A parte superior de seus corpos, descoberta, permitia reparar no contraste interessante entre a pele pálida de Asan e a pele negra de Stal. Aquele homem não pertencia aquele lugar, era o que isso queria dizer. Ele também não pertencia a ela. Mas como pesava no coração da mulher a ideia de que um dia ele partisse dali.
E mesmo depois de ser envolvido pelo abraço de Stal, ele lhe virou a face, recusando a provocação da mulher e só então ela contraiu o rosto, demonstrando sua contrariedade.
‒ Não vá, querido! Não dessa vez!
‒ Você diz isso sempre, Stal. Eu devo ir, é o meu trabalho, não é?
A resposta dele era a mesma de sempre também. Mas não era fácil para Stal lidar com aquilo. Não importava quão rotineiras fossem as missões do guardião. Sabia que toda vez que seu amado partia para resolver algum problema, poderia muito bem ser a última vez que o veria.
Não lhe servia de nada saber o quão importante era o trabalho daquele homem para o povo da distante e esquecida Tarus, o fato de poder perdê-lo a angustiava até o cerne da alma.
A vozinha continuava a chamá-lo lá fora, a intensidade parecia ter diminuído pelo cansaço. A garotinha gritara tanto que sua voz mal se ouvia agora.
Ao se dar conta, Stal se sentiu culpada, embora não soubesse o que estava acontecendo de verdade. Sendo vencida por uma súbita comoção, compreendeu que estava sendo egoísta mais uma vez, ao querer detê-lo.
Naquele momento, havia uma criança lá fora que precisava de ajuda e seu amado era alguém forte e destemido, alguém cuja força não estava reservada somente para protegê-la.
Asan já estava de pé, de botas, com a espada em punho antes de pô-la na bainha. O tronco exposto, porque não vestira ainda a túnica, exibia incontáveis cicatrizes de velhas batalhas.
Era verdade que o admirava. Temia por ele, no entanto, como se fosse fácil alguém lhe tirar a vida. Não era. Aquelas cicatrizes serviam de prova da força incomparável do guardião.
Levantou-se também, pondo um vestido leve de cor azul-celeste sobre o corpo esguio, abraçou-o e aconchegou sua cabeça no peito dele, que acariciou de volta os cabelos curtos da mulher.
Brancos como a neve, traziam à memória seu país natal, o qual soçobrara nas geleiras do norte muito tempo atrás.
A seguir, ele a beijou. O cenho continuou franzido, como o de alguém que levava o peso do mundo nas costas.
As batidas na porta haviam cessado naquele momento, mas ele ainda ouvia o choro da garotinha do lado de fora e, por isso, se apressou em se apartar dos lábios de Stal. Não era um gesto de frieza, mas de urgência.
Lá fora estava a menina conhecida como Mayla, filha do conselheiro Davos. Asan a conhecia muito bem.
‒ Onde está seu pai, Mayla? Por que está aqui sozinha? Vamos, diga logo o que aconteceu!
‒ Os homens maus mataram meu pai, guardião! Os homens maus estão aqui! ‒ Dizia a menina, que não aparentava mais do que oito anos de idade, com o rosto coberto de lágrimas e ranho.
‒ Maldição! ‒ Esbravejou o homem, enquanto partia sem dizer mais nada em nome de seu dever de guardião.
Stal veio a seguir para acudir Mayla. Havia ouvido o breve relato da menina.
Seu coração estava partido agora, como se seu egoísmo fosse a causa do sofrimento da menina. Todas suas objeções ao trabalho de Asan caíram por terra neste momento, não conseguiu mais continuar indiferente aos seus paisanos, nem tão ciumenta em relação a seu amado.
Muitos sentimentos haviam se misturado em seu coração. Ela se odiava por ter desejado que ele não partisse para cumprir seu dever e pensado que ninguém mais tinha o direito de reivindicar os cuidados dele.
No fim das contas, nem mesmo ela fosse merecedora de tê-lo ao seu lado. Ainda assim, Stal precisava de Asan, todo o povo de Tarus precisava de Asan. Ela então levou Mayla para dentro do casebre, queria se redimir de algum jeito pelo sofrimento da pobre criança.
O pai de Mayla havia sido morto há pouco, dissera a menina. E naquele instante, Asan estava indo em direção aos inimigos.
Tentou se convencer de que não havia razões para se preocupar com ele, pois seu amado apenas iria lá fazer o seu trabalho.
Por isso, era seu dever agora cuidar da pequena Mayla, enquanto esperava que Asan voltasse para seus braços.
Assim ela pensava pelo menos.
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