CHAPTER XV: Feel The Thunder
| L A N A |
13 de agosto de 2017
OS TROVÕES RUGIAM NO INFINITO SOBRE A VELHA CABANA CINZENTA COMO LEÕES CERCANDO SUA PRESA, anunciando de forma clara e ameaçadora, que a tempestade estava prestes a começar. Eu era apenas uma jovem com o pavio curto, me sentindo presa em uma pequena caixa entediante. Queria me libertar da monotonia, deixar que todo o cinza se perdesse ao longo do mar do tempo. Mas nunca imaginei que algo tão louco quanto essa situação, fosse a libertação multicolorida pela qual eu tanto ansiava.
Nunca fui de seguir os outros ou de abaixar a cabeça e obedecer, mas naquele instante — estando tão perdidamente confusa —, qualquer instrução ou conselho sobre o que fazer seria útil. Era como se houvesse uma grande tempestade naquela sala; com raios cegantes e trovões ensurdecedores tornando impossível o ato de pensar ou raciocinar sobre tudo o que acontecia à minha volta naquele dia.
Não...
A grande tempestade estava dentro de mim; dentro de minha cabeça. Eu tinha os raios... eu era o relâmpago antes do trovão... Eu era minha própria tempestade.
A conversa só começou quando todos os moradores da cabana acomodaram-se um a um na pequena sala de estar que até aquele momento nunca me parecera tão escura. A senhorita Dot permanecia imóvel, sentada no sofá, de pernas dobradas e joelhos juntos — ao lado de sua estranha acompanhante —, aparentando não ter o mínimo de pressa para iniciar o diálogo que há pouco solicitara.
Eleanor pôs duas cadeiras em frente à lareira — distante do fogo —, onde Sarah e eu nos sentamos tensamente como bruxas diante de um tribunal medieval, prestes a sermos julgadas por nossos crimes antes de partirmos para a fogueira.
Todos mantinham-se sérios enquanto a dama de azul nos estudava silenciosamente com um sorriso no rosto e uma xícara de chá em mãos. As garotas sentaram-se uniformemente de pernas dobradas e joelhos juntos — seguindo o exemplo da dama —, e os garotos, todos de pé, mantinham postura ereta, com as mãos juntas às costas. Madelyne — sendo a única garota que não encontrava-se sentada — também mantinha a postura ereta, mas com as mãos juntas na frente do corpo. Paul, Esme e Ana observavam de longe — parados próximos ao portal do corredor atrás do sofá —, evidenciando o fato de não pertencerem àquela conversa.
Após bebericar o chá que por pouco tempo fora esquecido, a mulher repousou a xícara sobre a pequena mesa de centro a qual nos separava, e indagou delicadamente:
— Como têm passado?
— Melhor impossível — Sarah respondeu em tom irônico.
— Acredito que estejam demasiadamente confusas em relação a tudo o que as foi dito posteriormente, afinal, ninguém que viveu perante a realidade humana por tanto tempo jamais poderia esperar algo assim...
— Definitivamente — Sarah murmurou.
—... mas imagino que seus irmãos e irmãs as tenham explicado de forma clara e precisa ao menos um pouco da nossa história nesse universo, no entanto, preciso que saibam que, o que quer que tenham contado, é só a ponta do iceberg — suas últimas palavras pairaram no silêncio do ambiente por longos segundos desconfortáveis quando a dama realizou uma pausa dramática antes de dar continuidade à sua narrativa. — Ambas terão de tomar a decisão mais importante de sua existência até hoje: escolher entre viver como humanas, ou viver com o resto de seu coven.
O desconforto em minha testa pareceu ter voltado com força total — mas não forte o suficiente a ponto de ser facilmente notado em meu rosto —, fazendo-me levar uma mão à cabeça impulsivamente.
— Está tudo bem, querida? — a senhorita Dot perguntou quando realizei o ato. — Parece um pouco pálida.
— Estou bem, é só... uma dor de cabeça que vem me incomodando há alguns dias.
— É compreensível, minha criança, não é uma decisão simples. Existem diversos perigos em ambos os caminhos, então terão de escolher com sabedoria. Têm até sexta para decidir.
— Por que sexta?
— É tradição — ela respondeu. — As colheitas devem ser sempre realizadas numa sexta-feira, pois é um dia com importância significativa para nosso povo, e é nessa sexta quando seus irmãos e irmãs deixarão esta casa para sempre.
A dama levantou-se do sofá graciosamente, levando as garotas a fazerem o mesmo.
— Estou partindo para Moçambique com um grupo de outras bruxas; nossos irmãos e irmãs da África Oriental estão passando por maus bocados graças à nossa velha inimiga, Red Star. Vim aqui apenas para me despedir, já que não estarei em Celeste quando a colheita for realizada, e não sei se conseguirei superar com vida os desafios que me aguardam em minha jornada.
A Madame Dot andou lentamente até a porta, sendo seguida por sua misteriosa acompanhante, a qual observara inexpressiva e silenciosamente toda a breve conversa.
A bela garota, a qual parecia sugerir uma origem árabe, tinha cabelos negros alisados, com olhos escuros brilhando suavemente abaixo da franja que cobria metade da testa. Usava um suéter azul-escuro, mostrando a gola branca da camisa social que tinha por baixo, e uma calça igualmente azul, justa, que terminava no final das coxas; todavia, o que mais me chamara atenção em si, foi o que possuía no lugar das pernas — um par de pernas protéticas perigosamente afiadas como lâminas substituíam seus membros inferiores.
Cada passo que dava, reproduzia um ruído perturbador de faca se arrastando sobre a madeira, e eu tinha certeza absoluta — apenas pelo som das lâminas cortando o ar — que aquilo era letal. Um movimento rápido e a garota poderia, literalmente, partir alguém ao meio.
A dama parou de costas para a porta, nos encarando com seus gélidos olhos azuis por alguns instantes; ela olhou para cada um de nós com um sorriso fraco em seus lábios, aparentando estar sendo banhada por um orgulho caloroso naquele momento.
— Estou muito feliz por ver todos crescidos e juntos novamente — sua voz era firme mas seus olhos lacrimejavam. Venham aqui — ela abriu os braços, nos convidando para um abraço coletivo.
Todas as bruxas da colheita participaram do abraço — Inclusive Sarah e eu, mesmo não estando emocionalmente ligadas à situação —, enquanto Esme, Paul, Ana e a garota das lâminas apenas observaram em silêncio.
— Adeus, minhas crianças, que Destino esteja sempre à seu favor — abriu a porta, fazendo uma rajada de vento congelante invadir a casa. — Cuidem uns dos outros e, acima de tudo, nunca se esqueçam: quando bruxas não lutam — ela nos olhou com seriedade —, nós queimamos.
Paul e Esme seguiram rumo ao que parecia ser a estufa, no final do corredor, e Madelyne ajudou Megan a subir as escadas, já que esta claramente não aparentava estar em seus melhores dias.
— E eu achando que não tinha como o clima ficar mais pesado — Sarah comentou, voltando a se sentar no sofá. — Qual é a daquela garota bizarra, por falar nisso?
— É uma pérola — Elizabeth respondeu.
Sarah arqueou uma sobrancelha, dando sinal para uma explicação mais detalhada.
— As pérolas, ou sentinelas, são bruxas que tem o dever de proteger uma Mater — Liza esclareceu. — É a tarefa mais nobre entre os Melius.
— Então ela é basicamente uma guarda-costas? — Sarah concluiu.
— Bom, está na nossa hora — minha irmã anunciou, indo até porta. — Vamos pra casa.
Ana saiu sem se despedir, e Eleanor nos prendeu em um abraço apertado antes de a seguirmos.
— Nos vemos na escola — ela falou.
Seguimos nosso trajeto sob a chuva forte até o jeep que nos esperava a uma longa distância da casa. A ventania gélida e uivante bagunçava nossos cabelos e dificultava o diálogo, mas não foi o suficiente para me impedir de perguntar enquanto apressavamos o passo até o carro:
— E então... como foi seu passeio com o Ian?
Sarah esboçou um sorriso bobo, e logo pôs as mãos no rosto como se estivesse envergonhada.
— Ele é muito fofo e inteligente, sem falar que tem uma bunda maravilhosa... argh! Acho que estou apaixonada, Lana.
— Eu já sabia que estava no momento em que olhou pra bunda dele no karaokê.
— Mas e quanto à você? Não ficou de olho em ninguém?
— Não.
— Tem certeza? Eleanor é a maior gata e acho que Ethan estava te dando mole.
— Sabia que eu amo essa sua capacidade de ignorar toda a tempestade de problemas à nossa volta e focar apenas no pequeno pontinho brilhante diante do seu nariz?
— Isso foi sarcasmo?
— Não sei, foi?
Quando finalmente entramos no carro — ensopadas e congelando —, Ana retocava a maquiagem calmamente no banco do passageiro, como se estivesse tendo um belo dia comum.
— Onde diabos você se meteu?! — perguntei, levemente irritada.
— Mamãe e papai estavam surtando, então tive de ir até em casa para acalmá-los.
Naquele momento percebi que havia deixado o celular no carro, e rapidamente me estiquei por cima de Ana para puxá-lo do porta-luvas. Não me surpreendi quando me deparei com uma quantidade absurda de mensagens e ligações perdidas.
— Falando nisso, tem uma surpresa te esperando — ela acrescentou.
— Surpresa?
— Vai ver quando chegar em casa.
Durante a viagem de volta, Sarah pareceu um pouco mais animada, batendo os dedos no volante ao ritmo da música que tocava no rádio. Não perguntei se havia conseguido as respostas que tanto procurava, e resolvi seguir o conselho de Eleanor e não mencionar o que me contara, pois imaginei que só iria agravar sua ansiedade e acabar com o seu bom humor. Segundo Eleanor, Esme era quem mais sabia sobre a antiga vida de Sarah, e provavelmente a única pessoa capaz de fornecê-la todas as informações que procurava quando o momento certo chegasse.
Sarah parou o jeep em frente à minha casa, e àquela altura a chuva já havia diminuído consideravelmente, mas não o suficiente para evitar uma corrida até a porta.
Ana chegou primeiro, mas não entrou. Parou em frente a porta com as chaves da casa sobre a mão erguida, fazendo sinal para que eu as pegasse e tivesse a honra de enfrentar o furacão Miller primeiro. "Essa deve ser a surpresa" pensei.
A encarei com o olhar furioso enquanto girava a chave, e a porta logo se abriu com um ruído mais alto do que nunca, fazendo minha mãe rapidamente descer as escadas a passos pesados.
— Onde você esteve?! — ela perguntou de olhos arregalados.
— Ana não falou?
— Sua irmã disse que você estava "visitando uns amigos", mas se recusou a dizer onde e quem eram esses amigos.
— Acho que você não os conhece.
— São as crianças da Badham, não são? Seus antigos colegas.
Por alguns segundos fiquei em dúvida se realmente havia escutado aquilo.
— Sim — soou mais como uma pergunta do que como uma resposta.
— Oh, está acontecendo — ela declarou com pesar.
— Qual é o problema, mãe?
— Mary-Lanna Monica Miller — meu pai esbravejou enquanto descia as escadas —, por que não atende ao bendito celular?!
— Esqueci no carro; por que estão agindo dessa forma?
— Precisamos conversar — minha mãe apontou para cozinha. — Agora!
Sentadas à mesa da cozinha, Ana e eu ficamos de frente para nossos pais, os quais pareciam tensos e preocupados, enquanto minha irmã demonstrava certa indiferença, quase como se estivesse entediada.
— O que eles te disseram? — meu pai perguntou com autoridade.
Voltei-me para Ana à procura de algum sinal do que eu poderia responder, mas esta apenas me olhou indiferentemente, como se estivéssemos discutindo sabores de sorvete.
— Nada demais — respondi. — Só queriam nos ver.
— Sabemos que isso não é verdade, querida — minha mãe falou.
— Como assim?
— Essa coisa toda sobre bruxaria... sua avó nos contou, quando levou Ana.
— Está me dizendo que já sabiam de toda essa história?!
— Eu sempre quis te contar, Lana — Ana ergueu a voz —, desde o primeiro dia que pisei naquele lugar, até ontem. Mas a vovó nunca deixou que eu dissesse nada a respeito. Ela disse que ainda não era a hora.
— No fundo torcíamos para que sua avó estivesse enganada. Torcíamos para que você fosse normal, como nós — a voz de minha mãe agora era fraca e calma.
— "Normal" não existe, mãe — Ana pareceu ofendida. — É uma ilusão. O que é normal para uma aranha, é o caos para uma mosca.
— Querida, você precisa entender — meu pai segurou minha mão. — Esse caminho que sua irmã escolheu é algo que nos preocupa muito, e faríamos qualquer coisa para que você não precisasse seguí-lo também.
— Nós deixamos que Ana estudasse naquela escola de... naquele lugar, porque sua avó nos alertou que aqui era perigoso; disse que haviam pessoas ruins caçando jovens como vocês, e agora vamos ter de vê-la partir da mesma forma... — lágrimas brotaram dos olhos de minha mãe, o que só fez com que eu me sentisse ainda pior sobre esse assunto.
— Quem disse que eu vou partir?
— Do que está falando? — Ana virou-se para mim, deixando a postura de indiferença e assumindo uma súbita preocupação. — Não pode ficar aqui, você precisa...
— Ana, eu realmente estou curiosa em relação a esse lugar, mas não pretendo abandonar toda a minha vida e o meu futuro para embarcar numa jornada de bruxa que volta e meia me traz o grande risco de ser morta por farmacêuticos.
— Red Star pode te encontrar onde quer que esteja, sua idiota — ela replicou —, a diferença é que se você ficar aqui, eu não vou poder te proteger.
— Não precisa se preocupar comigo, eu sei me cuidar — forcei uma falsa confiança. — E além do mais, como me encontrariam em Corbeaux?
— Não vai precisar se preocupar, Anastasia — uma voz rouca nos surpreendeu, vindo da entrada da cozinha —, pois ela não vai ficar aqui.
— Vovó?!
— Surpresa — Ana forçou um falso entusiasmo, mas o descontentamento em sua voz, causado pelas últimas palavras ditas por mim, ficou evidente para todos.
Corri para abraçá-la e pude finalmente sentir o forte aroma de perfume francês do qual tanto senti falta.
Rosa Miller vestia-se como se estivesse de luto, com seu longo vestido preto e um xale de mesma cor sobre os ombros — passou a sempre usar cores escuras desde que meu avô falecera há alguns anos —, e possuía cabelos grisalhos presos em um coque perfeitamente alinhado, envolto por um pequeno diadema dourado.
— Mãe — meu pai falou em tom desapontado —, você disse que nos deixaria falar com ela primeiro.
— Mas não foi isso que acabaram de fazer? — ela retrucou com rispidez.
— Quando você chegou? — indaguei.
— No ônibus das onze e meia, pequeñita; disse à sua irmã que queria lhe fazer uma surpresa.
— Imagino que partirão amanhã.
— Si, si, mi amor, sua irmã tem afazeres que não deve deixar de lado. Cuidar de você era um deles, mas agora já está crescida; vai escolher o que é certo.
— Abuela, me desculpe, mas eu não quero participar dessa loucura.
Rosa Miller me olhou silenciosamente por longos segundos, com a expressão que geralmente usava quando eu ou Ana fazíamos algo de errado.
— Roberto, Pauline, podem nos deixar a sós, por favor?
— Mamá — meu pai se levantou —, por favor, não faça...
— Vamos, Robert — minha mãe o puxou pelo braço enquanto enxugava uma única lágrima que escorria por sua bochecha.
— Anastasia, Mari-Lana, sentem-se — ela gesticulou para as cadeiras.
— Vovó...
— Mari-Lana, siéntate — ela não gritava, porém quando falava rispidamente, todos sabiam que deveriam obedecê-la.
Abuela passou quase um minuto me encarando enquanto o silêncio mortal dominava aquela cozinha, deixando apenas o leve gotejar da chuva predominar do lado de fora.
— Dime — ela começou —, por que faria uma burrice como essa?
Lutei internamente para decidir se aquilo havia sido uma pergunta retórica ou se ela realmente queria que eu respondesse.
— ¿Eres bura?
— Não.
— ¿Eres idiota?
— Abuela, eu não posso viver assim; não quero passar o resto da minha vida correndo perigo onde quer que eu esteja, ou tendo de me esconder em... "loops". Essa história toda só serviu para me fazer perceber que uma vida cinza às vezes é melhor do que viver uma grande loucura.
— Si, eres idiota.
— Lana, você vai estar correndo perigo de qualquer forma — Ana garantiu. — Nós poderíamos te ensinar a se defender; poderíamos te mostrar um novo mundo.
— E eu adoraria, mas não quero abandonar minha vida, meus amigos e o futuro que já planejei, por isso. É um preço muito alto.
— Mari-Lana, você não é como seus amigos e não é como tu papá o mamá. Eles não precisam ter medo de ser quem são, pero usted necesita. Mesmo que decida não ativar seus dons, os caçadores ainda podem te achar. Sabe o que acontece quando uma daquelas bestas fareja um de nós?
— Caçadores? — o modo como ela usara aquela palavra me deixou desconfortável.
— Si, si, cazadores. Bestas horrendas criadas por Estrela Vermelha com um único propósito: nos encontrar.
— Por que ninguém mencionou esse detalhe antes? — minha vista começou a escurecer, e mais uma vez, como se a todo momento esperasse por sua deixa, a dor de cabeça voltou, acompanhada pelo recorrente desconforto na testa.
— ¿Estás bien, pequeñita? Parece abatida. O que comeu hoje?
— Abuela, eu não estou gostando disso — minha voz falhava, e não pude conter as lágrimas de ansiedade que jorraram com força total quando comecei a falar tudo o que estava preso em minha mente. — Eu não quero morrer como um corpo cinza e irrelevante que nunca fez nada de importante nesse mundo; e com certeza não quero servir de rato de laboratório para uma empresa que supostamente quer meu sangue para fazer remédio pra dor de cabeça. Eu não nasci para ser uma bruxa, eu só quero que tudo isso... acabe.
Ana pareceu comovida e preocupada com minha reação, mas Abuela apenas me olhou inexpressivamente por longos segundos. Com certeza percebeu o quanto eu estava assustada e o quanto eu não estava bem. Ela poderia ter dito algo que fizesse eu me sentir melhor, mas ao invés disso, sua única reação foi abrir as mãos acima da mesa — como se estivesse segurando uma bola de futebol imaginária.
Não foi uma grande surpresa quando uma esfera de luz surgiu entre suas mãos. A esfera era quase como a de Ana — o centro era branco e com um brilho amarelado em volta —, mas possuíam diferentes tons de amarelo.
— ¿Sabes qué es eso, Mari-Lana?
— Ana falou, mas eu não me lembro.
— É uma aura. As auras são o reflexo da alma de um Melius; suas cores e o aspecto refletem nossa personalidade e nossos poderes. É lindo, não acha? É algo que os humanos não possuem, obviamente. E você sabe o porquê?
— Porque humanos não são Melius? — meu tom foi irônico, mas não propositalmente.
— Porque humanos não possuem nada para refletir. Eles não tem alma. Essa é a grande diferença entre nós e eles.
— Por que está me falando isso?
— Porque eu preciso que entenda — a aura se dissipou no ar. — Você passou toda a sua vida cercada por eles e limitada por esse mundo. Pode fazer coisas grandiosas — ela segurou minha mão. — Não precisa chorar, é você quem vai decidir. Só estou pedindo que dê uma chance à essa possibilidade.
— Tudo bem — falei, torcendo para que aquela conversa acabasse. — Prometo que pensarei sobre o assunto.
Ela sorriu ao enxugar uma lágrima de meu rosto com as costas do dedo indicador.
— Mas me conte, como andam seus irmãos e irmãs? Quem é a pobre bruxa da natureza que Victoria escolheu para cuidar daquela Casa de Plantio, dessa vez?
— Esme Montreūx — Ana respondeu, com certo desgosto em sua voz.
— Esme? — Abuela pareceu surpresa.
— Você a conhece? — não pude conter a expressão confusa em meu rosto.
— Si, si. Esme era a representante das bruxas brancas da natureza, na minha época — Abuela parecia focada em um pensamento distante. — Me surpreende que a tenham escolhido para cuidar de uma Casa de Plantio. Ela nunca foi boa com crianças...
— Pelo que ouvi — Ana comentou —, ela se ofereceu.
— Oh — as palavras de Ana pareceram tê-la ajudado a desvendar algo. — É claro que se ofereceu... Charles... — murmurou a última palavra com um leve tom entristecido.
— Espera — falei —, você realmente a conheceu? Qual a idade dessa garota, afinal?
— Dizem que ela era filha de um rei em Montreūx, então creio que mais ou menos... novecentos anos.
— É claro — balancei a cabeça, nem um pouco surpresa com a informação perturbadora. — Novecentos anos.
— Você parece cansada — Ana observou. — Deveria dormir um pouco.
"Cansada" não é exatamente a palavra que me descreveria naquele momento, mas tive de concordar.
— Claro — me levantei, seguindo rumo às escadas.
— Não vai comer, pequeñita?
— Não estou com muita fome, vovó, só preciso descansar.
— É claro, mi hija.
Fiquei pelo menos dez minutos sob o chuveiro, tentando clarear os pensamentos ao tempo que a água quente descia sobre minha pele, relaxando meu corpo.
Quando saí do banheiro, a dor de cabeça havia desaparecido — tão rápido como quando surgiu —, mas resolvi tomar uma aspirina mesmo assim, pois imaginava que fosse voltar mais cedo ou mais tarde.
Assim que deitei, exausta e pronta para me atirar no sono mais profundo, três leves batidas na porta chamaram minha atenção.
— Posso entrar? — era a voz de Abuela.
— Claro.
Ela entrou, fechando a porta atrás de si e vindo até mim com uma tigela de sopa nas mãos.
— Coma — estendeu a tigela assim que se sentou ao meu lado sobre a cama.
— Vovó eu não est... — parei de falar quando ergueu o indicador; aquele era o sinal que fazia todos ficarem quietos quando ela desejava silêncio.
— Mari-Lana, coma.
Apenas aceitei a tigela, pois sabia que não era possível ganhar uma discussão com Rosa Miller.
— Como está se sentindo, chiquitita?
— Melhor. Há apenas uma estranha dor de cabeça que aparece nos momentos mais oportunos.
— Isso é normal, você está sendo exposta a muitas informações en muy poco tiempo. É de se esperar que o choque de realidade seja doloroso.
— Não, não acho que seja isso. Tem algo de errado comigo...
— Não há nada de errado com você, Mari-Lana — ela pousou as costas da mão em minha testa. — Não parece doente, está apenas cansada. Termine de comer e tente dormir.
Assenti, comendo uma colherada da sopa ainda quente.
— Tive uma idéia — ela falou. — E que tal se eu a contasse uma história enquanto você come, até pegar no sono? Como nos velhos tempos.
— Eu adoraria, vovó, mas acho que você já me contou todas as histórias possíveis.
— Nem todas, pequeñita. A história que vou lhe contar agora, é como tudo começou. Como nós surgimos.
— Já me contaram a história sobre Juno e os corrompidos.
— No, no — ela sorriu. — Esse não é o começo. Tudo começou muito antes de Juno, muito antes de existir um começo para qualquer outra coisa. Vou te contar a história da primeira grande mãe e das dez divindades supremas.
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