CHAPTER XIII: Like a Horse On The Carousel
| L A N A |
13 de agosto de 2017
AJUDEI ELEANOR A ORGANIZAR A MESA, uma longa e elegante mesa de carvalho escuro com lugar para catorze pessoas, situada em uma sala de refeições entre a sala de estar e a cozinha. O cômodo parecia ter sido milimetricamente projetado para ser ocupado por aquela mesa, e mesmo não possuindo janelas — fato que me despertou certa curiosidade —, era muito bem iluminado por um mediano lustre de cristal que se encontrava sobre o centro do cômodo.
Após colocar a refeição sobre a mesa, fui instruída a organizar a posição dos pratos e talheres de uma forma metódica e sistematizada, a qual não continha nem mesmo um garfo apontando na direção errada, visto que Eleanor me fez corrigir todos os "pequenos erros" — segundo ela — que havia cometido. Seu perfeccionismo começava a me irritar, mas considerando que ainda estava com as mãos inutilizadas pelo musgo de Esme, me convenci a continuar ajudando sem reclamar.
Assim que terminei, e ela verificou cada utensílio sobre a mesa para garantir que estava simétrico, a garota badalou um pequeno sino dourado, o qual servia para alertar os outros moradores da casa que a comida estava servida.
— Vou tirar essa coisa das mãos — ela avisou. — Já volto.
Logo, um a um, todos os moradores da casa ocuparam um lugar à mesa. Sarah entrou às gargalhadas com Ian ao seu lado, como se estivesse tendo uma manhã completamente comum. Em contraponto, minha mente estava tão sobrecarregada que nem mesmo percebi a ausência de minha irmã.
Eleanor foi a última a chegar. Suas mãos, agora limpas, não apresentavam sequer uma gota de sangue. Apenas pequenas cicatrizes que eram quase inotáveis. Antes que qualquer um se servisse, ela anunciou:
— Gostaria de deixar bem claro que se estiver ruim, é porque foi a Lana quem fez, mas se estiver bom, foi porque eu auxiliei.
Megan foi a única que não pegou um prato. Sentada entre Elizabeth e Madelyne, ainda parecendo levemente mal-humorada, ela tomava uma espécie de chá que fora preparado por Esme, o qual era servido em um denso copo de madeira. Agora completamente seca, notei algumas pequenas diferenças em seu corpo, comparando a quando a vi na escola pela última vez, como o tom pálido que sua pele havia adquirido, com manchas roxas espalhadas pelos braços e pescoço.
"Ela não come há dias".
Estávamos todos em silêncio, até que Eleanor resolveu puxar assunto.
— E então, o que estão achando de tudo? — a pergunta era para Sarah e eu.
Todos olharam para nós, curiosos pela resposta.
— Quer mesmo que eu responda? — Sarah perguntou.
— Está um pouco difícil de assimilar — chutei-a por baixo da mesa —, mas com o tempo vamos entender melhor.
— Tenho certeza que sim — Eleanor concluiu.
Notei que Paul, sentado na ponta da mesa e próximo a Esme, bebia algo em um pequeno copo de madeira, quase como o de Megan. Este comia, mas sua porção era bem pequena, apesar de a comida estar deliciosa e ter bastante para todos. Comecei a imaginar onde se encaixava nisso tudo, e decidi que perguntaria à Eleanor posteriormente.
O resto do almoço foi silencioso, e Megan foi a primeira a se retirar. Assim que seu chá acabou, esta se levantou bruscamente da cadeira e saiu de cara feia, como se alguém a tivesse ofendido. Ao terminarem, cada um a seu tempo, os outros se levantaram e também deixaram a sala de refeições.
Segui Eleanor até a cozinha, e notei uma folha plastificada colada na porta da geladeira, onde jazia o nome de todos da casa — com exceção de Esme e Paul —, associados a um dia da semana e a alguma tarefa doméstica — como lavar as roupas, limpar a casa e lavar a louça. Era uma enorme folha muito bem organizada, e na parte da culinária, em todos os dias da semana, havia um único nome: Lea.
De acordo com aquilo, era a vez de Megan lavar a louça, mas esta parecia estar indisposta, e ninguém demonstrava ter coragem suficiente para instruí-la a fazer algo.
Ajudei Eleanor com os pratos, já que Ian havia se oferecido para mostrar a propriedade à Sarah — e eu não tinha mais nada para fazer ou com quem estar —, e naquele momento finalmente percebi a ausência de Ana.
— Eleanor — chamei —, você sabe aonde foi minha irmã? Ela recebeu um telefonema de nossa avó e desapareceu.
— Ela falou algo sobre ter de conversar com seus pais — estava de costas para mim, lavando pratos enquanto eu secava os que me passava. — E eu já disse que você não precisa me chamar de Eleanor. Me chame de Lea, como os outros.
— Tudo bem, Lea. Ela disse quando voltava?
— Não que eu saiba — me entregou mais um prato, ainda de costas.
Após colocarmos tudo em seu devido lugar, seguimos para a sala de estar despovoada e repousamos sobre o velho sofá escuro, deixando que o calor aconchegante da lareira nos confortasse.
Eleanor estava de pernas cruzadas, encarando o fogo com um olhar distante. Na minha cabeça as perguntas trovejavam incessantemente em meio a uma tempestade de pensamentos confusos, e decidi que estava na hora de receber algumas respostas.
— Lea...
— Sim?
— Tenho algumas dúvidas — comecei, cautelosamente —, e gostaria que você me esclarecesse certas coisas.
— Claro! o que quer saber?
Naquele instante, milhões de perguntas vieram à minha mente, e demorou cerca de cinco segundos para que meu cérebro decidisse qual delas seria a primeira.
— Primeiro, se a tal corporação ia nos encontrar em Corbeaux, por que ficamos para trás? Digo, Sarah e eu também corríamos o risco de ser encontradas, certo?
— Na verdade, não. Estrela Vermelha rastreia lugares onde uma única mulher vive com várias crianças, pois sabe como funcionam as casas de Plantio. Vocês duas viviam com seus pais, não moravam conosco, portanto nunca correram nenhum risco.
— Entendi — balancei a cabeça, ainda um pouco confusa. — Segundo, como todos vocês foram parar em Corbeaux?
— Como você sabe, a maioria de nós é órfão, e eu já expliquei o que acontece quando um Melius não vive em um meio adequado.
— Sim, você falou que as bruxas os resgatam. Então, basicamente vocês...
— Fomos tirados de nossas respetivas cidades natais, levados para Celeste...
— ...e depois mandados para Corbeaux — deduzi. — Para "envelhecer".
— Viu? Você entende rápido.
— Mas por que Corbeaux?
— As Casas de Plantio são sempre em cidades pequenas, de interior — ela explicou. — Nossa primeira casa costumava ser na cidade, mas quando soubemos que Estrela Vermelha estava a caminho, tivemos de fugir para cá.
— Por que não moraram aqui desde o começo?
— Essa era a Casa de Plantio original, mas você e Sarah não podiam ser trazidas até aqui sem levantar suspeitas, já que ainda tinham pais vivos e poderes adormecidos. A solução mais prática para Celeste foi nos matricular na mesma escola onde vocês estudavam, e consequentemente, acabamos por morar em Corbeaux também.
— E dez anos depois foram matriculados na Corbeaux High — completei. — Por que tudo isso? Não poderiam voltar à "Celeste" sem nós?
— É tradição. As crianças das colheitas precisam envelhecer juntas e ser colhidas juntas. Vocês não puderam crescer conosco, mas nossa Mater Superiora, Victoria, não quer que a tradição da colheita seja quebrada. Nós pretendíamos nos reconectar lentamente e depois explicar tudo com calma, mas o ocorrido de sábado nos expôs. Sinto muito por aquilo, era para termos ficado de olho em vocês, mas não imaginávamos que fossem sair do Karaokê tão cedo.
— Está tudo bem, mas, já que tocou no assunto, como sabiam que estaríamos lá?
— Sua irmã nos avisou.
— Claro — não pude conter o sarcasmo em minha voz. — Ela também faz parte dessa colheita?
— Não. Na verdade, você só faz parte porque estudava na mesma escola que Sarah.
— Perdão?
— As Casas de Plantio são apenas para crianças que não vivem em boas condições ou cujo os poderes foram ativados muito cedo. Sua avó pretendia contar tudo a vocês quando fossem mais velhas, e assim fez com sua irmã, mas você coincidentemente foi parar na mesma escola que Sarah, em 2007, então a Madame Dot decidiu que não poderia te deixar de fora. Mesmo você sendo bem mais nova que todos nós.
— Ana falou sobre nossa avó — aquele detalhe ainda me deixava atordoada. — E quanto à senhorita Dot? Por que ela não está aqui agora?
— Madame Dot só se envolveu porque foi necessário uma mulher mais velha para viver na cidade com tantas crianças sem despertar a desconfiança dos humanos. Ela, inclusive, teve de se passar por professora, para poder se infiltrar na escola e ficar de olho em todos nós. Quando viemos morar aqui, nossos cuidados foram para as mãos de Esme, pois apenas bruxas da terra são encarregadas de cuidar das Casas de Plantio.
— Mas e quanto à Sarah? Por que faz parte da colheita? Ela sempre viveu em boas condições e pelo o que sei, nunca teve nenhum "poder" ativado.
— É complicado — ela desviou o olhar. — Sarah foi uma exceção, pois Victoria temeu que certas coisas acontecessem consigo muito cedo, já que nunca se sabe ao certo quando as memórias de um Melius renascido vão ressurgir.
— Do que está falando?
— Como eu disse, é complicado.
— Sarah comentou que vinha tendo sonhos estranhos há um tempo. Ela e Ana falaram algo sobre...
— Lembranças — Lea me interrompeu. — São lembranças.
Fiquei sem ação. Aquelas foram as mesmas palavras que Sarah dissera no carro, e só naquele momento esse detalhe pareceu nítido. Olhei para a lareira ao tentar decidir qual seria a próxima pergunta.
— Ela é uma renascida — Lea disse, poupando-me da pergunta. — Assim como eu.
— Renascida? Isso significa que...
— Quando um Melius morre, sua alma fica presa entre esse, e o outro lado, o que o leva a renascer em outro corpo para reviver o ciclo. É algo raro ter as lembranças da vida passada. Acontece apenas com Melius que morreram de maneira trágica, prematura, ou porque simplesmente não estavam preparados para morrer. Sua alma, por exemplo, poderia ter vivido centenas de vidas antes dessa, e você não se lembraria de nada porque na última você aceitou que era sua hora de morrer.
Àquele ponto nada poderia me causar uma sensação tão desconfortável como quando escutei a história de Juno há algumas horas, mas meus batimentos cardíacos aceleraram mesmo assim. Não estava me sentindo muito bem.
— Como você e Ana já sabiam que ela teve uma outra vida?
— As bruxas do destino preveem o nascimento ou renascimento da maioria dos melius, assim como previram o seu e o de Anastasia. O renascimento de Sarah também foi previsto, por isso Victoria temeu que suas lembranças voltassem muito cedo e a deixassem confusa. Ela não era órfã e vivia em um meio adequado, por essa razão a cidade escolhida para o plantio foi Corbeaux.
— Para que ela fizesse parte dessa Casa de Plantio — deduzi. — Então, por causa dela, vocês foram obrigados a viver na cidade com a senhorita Dot.
— Todos os covens já sabiam que ela retornaria algum dia. O fim de sua vida anterior foi um pouco... problemático. Por essa razão, é melhor que você não comente nada, pelo menos não agora. Esme explicará tudo em breve.
Aquilo estava me deixando tonta. Eu me sentia como um cavalo de carrossel, rodando e rodando... colada firmemente naquele brinquedo onde me obrigaram a estar. De certa forma, sempre fui parte disso, a diferença era que antes o movimento circular era lento e controlado, mas naquele momento... estava a ponto de vomitar.
— Você disse que também é uma renascida.
— Sim.
— Então vocês duas...
— Nossa última vida teve um fim trágico, sim.
Eu me sentia boquiaberta, mas tentei demonstrar o máximo de naturalidade possível para uma situação como aquela.
— Você se lembra de alguma coisa? Digo, da sua outra vida? Sarah não parece lembrar de muito.
— Sim, as lembranças vêm em flashes curtos. A Madame Dot disse que 75 por cento das memórias já estarão restabelecidas quando eu completar a idade que tinha quando morri.
— E quantos anos tinha? — perguntei, cautelosamente.
— Vinte e quatro.
— Como você morreu? — instantaneamente me arrependi de ter feito essa pergunta
Ela olhou para a lareira e esboçou um sorriso fraco, como se não quisesse transparecer que as lembranças a machucavam. Eleanor parecia ter um coração de algodão doce, mas naquele momento, foi como se o tivessem roubado.
— Me desculpe, eu não devia ter perguntado.
— Não, tudo bem — ela falou suavemente, olhando para a lareira. — Fui enfermeira em 1913, durante a grande guerra. Um dia meus pacientes e as outras enfermeiras perceberam que havia algo de diferente em mim. Eles me acusaram de praticar bruxaria, e... bom, aqui estou eu — terminou com um sorriso, mas uma única lágrima escorreu por sua bochecha antes de enxugá-la com as costas do dedo indicador.
— Eu sinto muito... Você está bem?
— Agora estou — ela sorriu, levantando-se do sofá num pulo. — Quer conhecer a casa das bruxas? — estendeu a mão.
Não tive reação por alguns instantes. Estava começando a entender como Lea funcionava. Cada pessoa tem sua maneira de lidar com a dor, e Eleanor fazia isso com um sorriso no rosto e uma bandeja de cupcakes nas mãos.
Segurei sua mão.
Rodando e rodando como um cavalo em um carrossel. Não tinha escolha, estava presa a esse brinquedo. Comprei meu ingresso e não havia como voltar atrás àquela altura do campeonato.
— Eu adoraria.
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