CHAPTER XI: Eye Of The Hurricane
| L A N A |
13 de agosto de 2017
FUI TOMADA POR UM SENTIMENTO ESTRANHO. Uma mistura de medo e ansiedade, a qual mais assemelhava-se a uma espécie de furacão dentro de minha cabeça. Essa história começava a mexer comigo — de uma forma que fazia meu estômago embrulhar, — e mais uma vez, não sendo nenhuma surpresa, senti o estranho e misterioso desconforto na testa, que acabou levando Liza a notar a tensão em meu rosto.
— Não se preocupe — disse com um sorriso —, ela sempre coloca fogo na casa.
— Acontece pelo menos três vezes por semana — Madelyne acrescentou.
Não era bem isso, o que me preocupava naquele momento. O que me preocupava, e me deixava incerta sobre o que viria a seguir, era a ventania selvagem que me tirou do chão e sacudiu minha atmosfera cinzenta. Oh, minha doce e velha atmosfera de mesmice... nunca achei que fosse sentir sua falta... Naquele instante, passei a entender o que Dorothy sentiu quando o furacão traiçoeiro a levou para longe de casa.
Na verdade, era exatamente assim que me sentia: longe de casa; Longe do real; Longe de qualquer coisa que me transmitisse segurança e certeza sobre o futuro que outrora mostrava-se cinzento e previsível. Era isso que Dorothy temia...
O som de uma porta sendo fechada, vindo do corredor atrás do sofá onde jazíamos naquele instante, nos chamou a atenção, tirando-me de devaneios profundos e trazendo-me de volta para a realidade caótica que minha mente cética se recusava a aceitar. Olhei naquela direção, me deparando com Jason Anghel, o qual havia acabado de cobrir os membros inferiores com uma toalha branca.
— O que eu perdi?
— Juste une histoire ennuyeuse. Só uma história chata — Madelyne respondeu. — E Eleanor tentou colocar fogo na casa, de novo.
— Sem novidades, então — ele sorriu para nós. — Oi, meninas — ao erguer a mão num aceno rápido, o garoto quase deixou a toalha cair.
Jason Anghel era o irmão mais novo de Megan, e naquele instante encontrava-se molhado da cabeça aos pés, deixando uma trilha de água do banheiro, até onde jazia no momento. Diga-se de passagem, seu corpo era admiravelmente atraente, e foi um pouco difícil não ficar sem graça enquanto o olhava naquele estado. No entanto, o que mais me chamava a atenção em si, eram as estranhas tatuagens que possuía espalhadas pelo corpo. Aqueles símbolos estranhos estavam ali desde que éramos crianças, e pelo que ouvi falar na época, tinham relação com uma antiga cultura romena — pois a Romênia era a terra natal dos Anghel.
Jason tinha cabelos profundamente negros, assim como a irmã, mas suas iris eram de um azul-cinzento muito mais intenso — tão intenso que, apesar do corpo fenomenal, seus olhos eram o único ponto que eu conseguia encarar.
— Jason! — Eleanor gritou da janela da cozinha, com luvas para forno nas mãos — Será que tem como não ficar seminu na frente das convidadas?!
— Me desculpe, eu não consigo evitar — ele esboçou um sorriso impudico.
— Falando nisso — Elizabeth voltou-se para ele —, seria muito gentil da sua parte se não trouxesse mais desconhecidos para essa casa.
— Muito gentil — Eleanor reforçou. — E também seria ótimo se você não os levasse para o quarto da Victoria. Ela vai ficar furiosa se descobrir, sabia?
— Ah, qual é? — Jason revirou os olhos — Enquanto eu não tiver um quarto só meu, vou continuar usando o da Victoria, e além do mais, é nossa última semana aqui mesmo.
Ele seguiu rumo à escada, despreocupadamente, segurando a toalha com uma das mãos e deixando um rastro de água por onde passava.
— Será que você não percebe o quão perigoso é continuar trazendo seus "namoradinhos" e "namoradinhas" para essa casa?
O garoto apenas a ignorou, seguindo em direção ao segundo andar, mas antes que pudesse sumir de nossa vista, Eleanor tonificou a intimação:
— Você vai parar de trazer essas pessoas?
Ele parou no meio do portal que dava acesso à escada, antes de responder:
— Mas é claro que não. Eles são meus... amigos.
— Ah, é? — ela riu com desdém — Então como se chamam as duas de ontem?
Jason a encarou sem dizer qualquer palavra, parecendo vasculhar a mente a procura dos nomes.
— Qual o nome do garoto de quinta? — Eleanor perguntou novamente, como se estivesse se divertindo com a situação.
Ele mais uma vez pareceu encurralado, como se seu cérebro trabalhasse arduamente para encontrar a resposta de um milhão de dólares.
— Qual o nome do garoto de quarta?
Abriu a boca para responder, mas quando estava prestes a dizer algo, Eleanor o interrompeu:
— Qual o nome da morena da cafeteria que veio aqui na segunda?
Jason assumiu uma expressão de confusão, como se seu cérebro entrasse em curto circuito.
— Danielle.
Eleanor então voltou-se para Liza, a qual havia acabado de retirar sua coroa de louros.
— Ele está mentindo — disse Elizabeth, com convicção.
— Cai fora da minha cabeça, Elizabeth — Jason ordenou. — Isso não prova nada.
— Prova que você é uma vadia, mon cher— Madelyne retrucou.
Jason riu, apenas se virou e subiu as escadas a passos despreocupados, fazendo Eleanor e Elizabeth trocarem um olhar de raiva.
— Acha que ele vai parar? — Liza indagou, colocando a coroa de louros de volta na cabeça.
— Não mesmo — respondeu Eleanor, antes de fechar a janela e voltar para o que fazia na cozinha.
Ana, Sarah e eu observamos caladas toda aquela pequena discussão de família, e apesar de ter sido uma cena relativamente interessante de se assistir, minha mente ainda não encontrava-se equilibrada o suficiente para desfrutar do balde de pipocas imaginário que Sarah parecia devorar durante o conflito. Eram tantas informações e tantos sentimentos amontoados... Como é mesmo a citação de A Tempestade? "A ilha é cheia de ruídos..."
Meu olhar vagou até a janela à esquerda da lareira, e pude perceber as pequenas e poucas decorações que ali jaziam. Pequenos vasinhos com plantinhas como flores e samambaias pareciam ser os únicos vestígios de ornamentos que a cabana possuía. Como se uma única pessoa houvesse tentado dar um pouco mais de vida àquela velha moradia cinzenta.
Após algum tempo em silêncio, nutrido pela leve tensão herdada da última discussão, Sarah voltou-se para Liza:
— Qual o seu lance com essa coroa?
— Oh, foi um presente da madame Victoria — Elizabeth respondeu. — Sou uma bruxa da mente. Uma telepata, pra ser mais específica. A coroa me ajuda a não entrar na cabeça das pessoas, já que meus poderes não tem botão de desligar.
— Mas você usa essa coroa desde... — comecei — Então você sempre pôde "entrar" na cabeça das pessoas? Desde criança?
— Sim.
— E por que tiveram de esperar esse tempo todo para nos contarem sobre tudo isso?
— Foi diferente com ela, Lana — Ana esclareceu. — Elizabeth nasceu com os poderes ativados. É raro, mas acontece.
— E além disso — Liza acrescentou —, o plano inicial não era esperar todo esse tempo para contar a verdade a vocês. A idéia era ter levado as duas conosco.
— O quê?! — Sarah e eu exclamamos.
— Anastasia não contou a vocês?
Ambas olhamos para minha irmã, à espera de qualquer explicação sobre a estranha e atordoante informação não prevista, mas Ana apenas deu de ombros.
— Liza? — pressionei-a.
— O fato é que não deveríamos ter ido embora. Era para termos ficado na cidade, com vocês, mas... tivemos de fugir.
— Fugir? — Sarah arqueou uma sobrancelha — De quê?
— Estrela Vermelha — Madelyne respondeu.
— Já ouvi esse nome em algum lugar — mencionei.
— É uma corporação farmacêutica internacional.
— E por que estavam fugindo de farmacêuticos? — Sarah indagou.
— Red Star não é uma simples empresa de fármacos.
— O que quer dizer?
— Estrela Vermelha é a maior inimiga de todos os Melius deste planeta — disse Madelyne. — Ce sont des meurtriers.
— Séculos atrás — Liza começou —, quando a caça às bruxas já havia se tornado uma realidade nacional, surgiu um pequeno grupo de humanos que liderava ataques e açoitamentos a mulheres acusadas de bruxaria. Os integrantes desse grupo foram os fundadores da cidade de Salem, em 1802.
— Salem era, supostamente, uma cidade infestada de bruxas, naquela época, certo? — Sarah indagou.
— Oui — Madelyne respondeu. — E era infestada de bruxas antes mesmo de ser oficialmente uma cidade.
— Bom — continuou Elizabeth —, este grupo realmente exterminava qualquer um que fosse acusado de bruxaria, mas com o surgimento das novas gerações, nasceu um sentimento de ambição, que acabou sendo a razão pela qual fundaram Salem. Eles passaram a acreditar que aquelas bruxas poderiam ser extremamente valiosas com vida, e o território onde hoje é Salem, era "supostamente" o lugar de maior concentração delas. O grupo não fundou a cidade para exterminar as bruxas, mas para ter acesso a elas, e fazer experiências com seus corpos. Com o tempo, eles se autodenominaram "Estrela Vermelha" (Red Star), sendo hoje a corporação farmacêutica mais poderosa do Planeta. E não é atoa, já que a maioria das drogas medicinais que são vendidas, foram fabricadas, literalmente, a partir do sangue, suor e lágrimas de nossos irmãos e irmãs melius.
— O que não chega a ser nenhuma surpresa — Madelyne comentou com desdém. — São humanos.
— Madelyne, não.
— Eles nos caçam, nos capturam e nos quebram... — a ruiva continuou, a voz transparecendo amargura e nojo. — Tiram tudo de nós... Tiraram tudo de mim... — seus olhos pareciam levemente úmidos, mas seu rosto e voz eram puro ódio.
— Madelyne... — Elizabeth mais uma vez tentou fazê-la parar.
— Essa raça é, e sempre foi, um câncer para este planeta. Nossa missão deveria ser curar a mãe terra, mas ao invés disso, continuamos fugindo e nos escondendo em tocas como um bando de ratos. Essa espécie precisa ser extinta!
— Madelyne!
Um silêncio desconfortável disseminou-se pela sala por alguns segundos. A repreensão de Elizabeth a fez bufar, virando as costas para nós e seguindo a passos pesados até o segundo andar.
— Perdoem-na — Liza pediu, seu tom era suave e delicado. — Alguns de nós já sofreram mais do que o suficiente por uma vida toda, graças a essa espécie. E você sabe o porquê? Porque os humanos temem o que não entendem, e o que não entendem...
— Eles destroem — Ana completou.
— O que isso tem a ver com o motivo que os levou a ir embora? — Sarah indagou.
— Uma do bruxa do Destino previu que uma frota da Red Star nos encontraria e nos apanharia. Infelizmente, quando avisou à nossa Mater, não havia mais tempo para fazer outra coisa, senão fugir. Eu me lembro como se fosse ontem, já estávamos na escola quando a notícia chegou. A madame Dot apenas ordenou que entrássemos em sua vã, e nos disse que iríamos para um lugar seguro. Era para vocês terem ido conosco, mas não foram à escola naquele dia.
Sarah e eu trocamos um olhar de choque. Nós havíamos contraído catapora juntas e faltamos por uma semana inteira. Aquela era a única razão para não termos fugido com as outras bruxas? A "madame Dot" era uma de nossas professoras, e desta eu me lembro pouco, mas aparentemente também estava envolvida nisso.
— O que seus pais acham de tudo isso? — tive de perguntar. — Digo, onde estão e por que todos vocês sempre viveram juntos?
Elizabeth pensou por um segundo antes de responder, depois olhou para as mãos que repousavam sobre as pernas, e sorriu, um sorriso fraco e cansado que aparentava tentar camuflar a dor que seu coração carregava. Olhei para Ana sentada no lado contrário, e esta apenas balançou a cabeça negativamente, como se dissesse para não tocar nesse assunto.
— O pai do Ian e o pai da Lea ainda estão vivos — Liza respondeu, ainda sem olhar para mim. — Quanto aos outros...
— Eu sinto muito — falei, tremendamente arrependida —, não deveria ter perguntado...
— Tudo bem — ela disse suavemente ao olhar para mim —, meus pais tiveram uma longa e maravilhosa vida — com uma das mãos, segurou o grande relicário dourado que possuía em volta do pescoço. — Eu tive muita sorte, comparada aos outros. Normalmente, Melius tem bastante azar no quesito família, ninguém sabe bem o porquê, mas parece que Destino tem o senso de humor um tanto perverso.
Ela abriu o pingente, mostrando as duas imagens que ali se encontravam. Em uma das partes, havia a fotografia de uma garotinha entre um homem e uma mulher — esta segurava um bebê —, recostados sobre um trator, onde parecia ser uma fazenda. A foto era em preto e branco, e parecia bem antiga, mas pude deduzir que a garotinha fosse ela — já que também possuía cabelos claros e uma coroa de louros. Na outra parte havia a fotografia — em cores, e aparentemente mais nova — de um garoto. Ele tinha pele negra, cabeça raspada, braços fortes e um sorriso impecável. A mão estava erguida, como se tentasse impedir que a foto fosse tirada, mas a risada congelada naquela imagem demonstrava diversão e felicidade.
— Quem é esse? — Sarah perguntou, em cima de Ana, se esticando para ver as fotos do relicário.
Olhei para Liza, que apenas admirava as pequenas fotografias com um sorriso e um notável brilho no olhar.
— Meu amado Conrad — ela aumentou ainda mais o sorriso, como se diversas lembranças passassem por sua cabeça naquele instante.
— Que gato — Sarah disse, ainda olhando para a foto. — Onde ele está?
Liza suspirou, seu sorriso diminuiu, e fechou o relicário delicadamente.
— Você está bem? — perguntei ternamente. — O que aconteceu?
— Estrela Vermelha aconteceu — Elizabeth respondeu, e foi o suficiente para nos fazer entender.
Ela pôs a mão sobre a minha, assim que a pousei em seu ombro. O estalar do fogo na lareira à nossa frente era o único som preenchendo o ambiente naquele momento, enquanto eu sentia toda essa história revirar, de uma forma cada vez mais violenta, o meu interior. Gradativamente, tudo parecia tornar-se mais real — porque era real — e a ventania incessante do furacão traiçoeiro continuava soprando o cinza para longe de mim.
Talvez se eu batesse meus calcanhares e proferisse repetidamente "Não há lugar como o nosso lar", tudo voltasse ao normal, e isso era algo que certamente tentaria a posteriori, pois situações desesperadas pedem medidas desesperadas.
O cômodo permanecia quieto enquanto prestávamos nossos minutos de silêncio na tentativa de assimilar tudo o que se foi dito anteriormente, mas a calmaria foi soprada para longe quando ventos uivantes invadiram a casa assim que a porta da frente fora aberta de maneira brusca.
Uma ventania congelante varreu a sala quando três figuras conhecidas cruzaram a porta.
— Vocês vieram mesmo — Ian falou com surpresa aparente.
A frase pareceu uma saudação a nós duas, mas o garoto olhava diretamente e unicamente para Sarah.
— Sejam muito bem-vindas à cabana das bruxas de Corbeaux — Ethan brincou, abrindo os braços para enfatizar a frase. — Não temos poções ou feitiços mas maldições são por conta da casa.
Paul Stepford vinha logo atrás; uma figura magra, pálida e misteriosa, a qual, como sempre, trajava vestimentas densas que cobriam maior parte do corpo. Eu até já havia esquecido desse pequeno detalhe. Me perguntei mais uma vez onde Paul se encaixava naquela história. Ele estudava na Corbeaux High desde o início do ano passado, e apesar de termos feito parte da mesma turma diversas vezes, eu ainda não sabia muita coisa sobre si. O garoto era bem reservado, não tinha amigos naquela escola, e só se comunicava quando alguém falava consigo.
Sarah se levantou para cumprimentar Ian assim que os três se aproximaram.
— Me desculpe — ela disse —, esqueci de trazer sua jaqueta.
— Tudo bem — Ian sorriu —, ela ficou bem melhor em você.
— Isso teria soado mais fofo se eu já não tivesse assistido cenas assim em pelo menos uma dúzia de comédias românticas.
— O que posso dizer? — ele riu — Não custa tentar.
— Quem quer cupcakes?! — Eleanor roubou o momento, chamando a atenção de todos quando saiu da cozinha.
Ela veio até nós com um imenso sorriso e pelo menos doze cupcakes sobre a bandeja de vidro que carregava em mãos. Madelyne também reapareceu, vindo do lado contrário, e em seu rosto não era visível nenhum vestígio de lágrimas ou remorso, mostrando apenas sua habitual expressão de indiferença.
Ethan surrupiou dois cupcakes sem que Eleanor percebesse, e se sentou na poltrona. Paul e Ian também pegaram um, mas quando a bandeja chegou em Sarah, ela recusou.
— Não, obrigada — Sarah dispensou com um sorriso.
— Por que? Estão deliciosos.
— Não estou com fome, mas obrigada.
— Come só um.
— Não, eu estou bem, obrigada — ela reforçou.
— Pega um.
— Eleanor, obrigada, mas estou sem fome — Sarah disse, um pouco mais dura.
— Talvez esteja com fome e não saiba — ela retrucou. — Experienta só um, você está muito magrinha.
— Eleanor...
Antes que Sarah pudesse recusar mais uma vez, a única palavra que saiu da boca sorridente de Eleanor pareceu uma ameaça fatal:
— Coma.
— Se eu fosse você, pegaria um o mais rápido possível — Ethan murmurou sem tirar os olhos de seu cupcake parcialmente comido, roubando a atenção de Sarah por poucos segundos.
Com um sorriso levemente psicótico, Eleanor ergueu a bandeja para mais perto de Sarah, a qual acabou se dando por vencida após o aviso de Ethan, e pegou um cupcake antes de se sentar ao lado de Ana novamente.
— Eu sabia que você estava com fome, sua danadinha, não precisa ser tímida, pode pegar quantos cupcakes quiser.
Sarah não respondeu, mas a encarou com cautela.
— Você não tinha colocado fogo nisso? — Liza perguntou.
Eleanor riu entredentes, seu olhar esbugalhado gritava para que Elizabeth ficasse quieta.
— Elizabeth, sua grandessíssima idiota — ela disse em tom amistoso, mas o sorriso amedrontador demonstrava outra coisa —, eu não coloquei fogo em nada. Ainda. Deve ser coisa da sua cabeça, esses bolinhos estão impecáveis.
Com uma certa expressão de pouca surpresa, Elizabeth deu uma boa olhada no cupcake em sua mão, e como se já houvesse passado por aquela situação dezenas de outras vezes, apenas suspirou e indagou:
— Você fez outros, não foi?
— Já chega — Eleanor arrancou o cupcake da mão de Elizabeth com violência —, você não vai ganhar cupcake hoje.
— Colocou fogo na cozinha de novo? — Paul perguntou, sentado no braço do sofá.
Eleanor pareceu fuzilar Liza em pensamento, antes de voltar-se para Paul com um sorriso inocente:
— Na verdade, os primeiros saíram um pouquinho escuros, então eu os doei para aquela família de esquilinhos que moram ali do lado, eles são uns amores, qualquer dia eu te mostro...
— Nós dissemos para você chamar alguém quando for mexer no fogão — Paul disse, ternamente.
— Não seja dramático — Eleanor respondeu, desdenhando com as mãos. — Por que eu deveria chamar alguém? Não sou nenhuma criança.
— Porque todos sabemos que no fundo você é igual a sua irmã — Madelyne respondeu, e mesmo não entendendo o que quis dizer, pude sentir o veneno em suas palavras.
— EU NÃO SOU COMO MINHA IRMÃ! — Eleanor bradou enfurecida, e a bandeja em suas mãos se partiu em dezenas de pedaços, banhando o chão com uma mistura de vidro, sangue e cupcakes.
Por poucos segundos senti minha visão escurecer, como se aquele grito houvesse feito minha cabeça pesar repentinamente, e ao observar as expressões no rosto das outras pessoas na sala, pude perceber que não fui a única a experienciar aquela sensação insólita. Talvez fosse devido a súbita tontura, mas poderia jurar que senti toda a casa tremer, e assim que minha visão clareou, pude notar um grande trincado na janela ao lado da lareira — o qual eu tinha quase certeza de que não estava ali antes. Também reparei que as plantinhas desta mesma janela haviam escurecido completamente, assumindo um débil tom marrom que evidenciava a ausência de vida.
Todos ficamos em silêncio enquanto Eleanor olhava para o sangue que escorria dos diversos cortes em suas mãos, causados pelo vidro da bandeja.
— Eu não sou como minha irmã — ela esbossou um sorriso suave quando repetiu, os olhos levemente marejados. — Se me dão licença, preciso limpar esta bagunça.
Eleanor andou calmamente até a cozinha, com as mãos abertas e os cotovelos dobrados, deixando uma trilha de gotas de sangue por onde passava. Assim que sumiu de nossa vista, Paul voltou-se para Madelyne com raiva e decepção.
— Meus parabéns — ele chutou os cupcakes banhados em vidro no chão —, você vai limpar isso.
— Eu vou chamar a Esme — Liza suspirou ao levantar-se do sofá, seguindo rumo às escadas.
Paul foi ao encontro de Eleanor na cozinha, e Madelyne sentou-se ao meu lado, fazendo-me perceber um leve olhar de arrependimento em seu rosto.
Ethan devorava o segundo cupcake despreocupadamente, como se não fosse a primeira vez que preciava aquela cena, enquanto Sarah e eu tentávamos disfarçar o desconforto que sentíamos por presenciar o terceiro conflito naquela casa em menos de três horas.
O repentino toque de um aparelho telefônico desequilibrou o silêncio sepulcral que reinava naquela sala desde a última discussão. Ana puxou seu celular do bolso mas não atendeu, e mesmo estando sentada ao meu lado, não pude ver de quem era a chamada.
— Eu já volto — falou, levantando-se do sofá e caminhando para a porta.
— Quem é? — perguntei, indiferentemente, referindo-me a quem que a ligava naquele momento.
Ana parou diante da porta, e por um instante, pareceu ponderar sobre a possiblidade de ignotar minha pergunta e apenas sair.
— Vovó.
Ela atendeu ao telefone, cruzando a porta com o casaco em mãos, e dando passagem para mais uma ventania gélida a qual invadiu a casa enquanto saía.
— Cadê a Megan? — Madelyne finalmente perguntou, sem tirar os olhos da lareira.
— Foi para a piscina — Ethan respondeu antes de devorar o último pedaço do cupcake.
Aquela informação me deixou um tanto atordoada, imaginando como alguém conseguiria banhar de piscina sob um clima desses. Essa piscina, no mínimo, deveria estar congelada. Na verdade, nunca havia visto nenhuma piscina em Corbeaux. Mas não estávamos exatamente em Corbeaux.
— Por que não vai chamá-la, Ethan? — Ian indagou, lançando-lhe um olhar sugestivo.
Ethan o encarou como se tentasse entender o que queria dizer, e quando finalmente pareceu perceber, suspirou e levantou-se da poltrona.
— Lana, quer ir comigo até a piscina conferir se a Megan ainda está viva? — ele estendeu a mão para mim.
Olhei para Sarah a procura de uma reação e esta me retribuiu com um olhar que claramente gritava "Não se atreva a me deixar sozinha na casa das bruxas".
— Eu adoraria — aceitei com um sorriso, segurando sua mão ao me levantar do sofá.
Não olhei para Sarah mas pude sentir seu olhar fervente nas minhas costas enquanto seguia em direção à porta.
— Ruiva, vamos — Ethan dirigiu-se à Madelyne, que ainda de braços e pernas cruzadas, encarava a lareira com o semblante mal-humorado.
— Não estou afim.
— Não foi exatamente um convite.
Então assim como na noite anterior, suas iris passaram de azuis para um cinza intenso e vibrante, completamente longe do natural. Sarah levou a mão à boca, segurando um suspiro de espanto, e quando olhei para Madelyne, notei que seus olhos haviam assumido o mesmo tom de cinza. Ela levantou do sofá com um pulo, caminhando até a porta de uma maneira estranha, não parecendo estar fazendo aquilo por vontade própria, visto que esbravejou por todo o percurso como uma marionete revoltada.
Aquilo era real. Eu tentava barricar as janelas, trancando minha mente, mas era como se o pequeno mundo cético em que sempre vivi desmoronasse um pouco cada vez que a ventania de realidade soprava. Eu estava flutuando no olho do furacão, e não tinha idéia de quando iria cair, mas algo dentro de mim me dizia que tudo ficaria bem.
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