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CHAPTER II: Who Is She? A Misty Memory

|L A N A |
10 de agosto de 2017

A PRINCÍPIO, FOI COMO SE SUAS CORES INTENSAS incomodassem a visão dos caipiras cinzentos de Corbeaux. Quase como abrir os olhos em um ambiente iluminado, depois de passar muito tempo no escuro. Um rosto amedrontador vindo de um passado misterioso. Uma memória perdida, ou é apenas um sonho? Um mistério. Oh, quem é ela? Aquela garota parecia ter saído de um filme clichê de colegial. Era do tipo que seria a líder de torcida da história, a abelha rainha malvada que atormentaria a pobre protagonista.

Seus quadris possuíam um notável balanço enquanto caminhava, e a cada centímetro que se aproximava eu ganhava mais certeza de que, definitivamente, não parecia ser uma garota de Corbeaux. Não parecia ser uma garota comumsua presença era pura perfeição. Eu nunca tinha a visto por aqui, mas seu rosto me foi estranhamente familiar. Todos abriram caminho para que passasse, ao tempo que a observavam como se fosse uma obra de arte em exposição — é defeito dos seres humanos julgar pelos próprios olhos.

Tinha longos cabelos negros e olhos num tom gélido de azul. Usava um suéter rosa, justo e de gola longa. Sua saia curta, assim como o suéter sem mangas, não eram o tipo de vestimenta adequada para o clima de Corbeaux, mas ela claramente não parecia estar incomodada pelo frio. A garota tinha uma fisionomia invejável, e por trás dos lábios suavemente avantajados, seu sorriso denunciava o quanto estava adorando ter todos os olhares voltados para si.

Ela olhava fixamente para frente, mas quando passou, pensei ter notado seu olhar nos seguindo por um curto período de tempo. A sensação de já tê-la visto em algum lugar não deixava minha mente, mas o irritante estalar que seus saltos reproduziam a cada passo por alguma razão não me deixava raciocinar sobre onde, ou como, eu poderia conhecê-la.

Quando finalmente consegui desviar meus olhos da garota misteriosa, percebi que Sarah também a encarava, e tive a impressão de que também sentia que a conhecia.

— Megan? — Sarah pronunciou aquela palavra tão baixo que levei um tempo para processar. Ela havia chamado seu nome, e tive a estranha sensação de que a garota iria responder, mesmo não estando mais diante de nossos olhos.

Sim, aquela era Megan. Megan Anghel. Uma lembrança perdida. Havia estudado conosco na escola Badham, dez anos atrás, em algum lugar ao longo do mar do tempo. Ela também estava na foto que, coincidentemente, havíamos visto naquela manhã. Mas mesmo assim, ainda não podia acreditar. Depois de tanto tempo...

— O que acha que ela está fazendo aqui?

— Acho que posso imaginar — segui o olhar de Sarah, e percebi que Megan acabara de entrar na sala do diretor. A parte de cima da porta era de vidro, mas não pude ver muita coisa. O diretor havia lhe entregado uma grande pilha de envelopes cheios.

Nós observamos por um bom tempo, e depois de os dois terem conversado bastante, ela finalmente cruzou a porta da sala com os papéis em mãos. Logo que saiu, sua passagem foi interrompida por um garoto alto, de moletom cinza — Paul Stepford, o qual era da nossa turma desde o início do ano passado. Nunca tivemos muito contato, e eu não o conhecia muito bem, mas não pude deixar de me surpreender com o fato de ele conhecer Megan.

— Espera, eles se conhecem? — Sarah proferiu exatamente as palavras que pairavam em minha mente. — Paul é de Corbeaux, certo?

— Também adoraria saber.

Depois de pouco tempo conversando, Paul a ajudou com os papéis, e juntos partiram rumo ao estacionamento. Nós os seguimos cautelosamente e, de longe, pudemos ver quando entraram em um SUV preto de janelas escuras. Tive a impressão de que o carro diminuiu a velocidade quando passou por nós, e depois de finalmente o perdermos de vista, trocamos um olhar confuso.

Ver Megan novamente despertou em mim uma estranha sensação de nostalgia. Foi como se, por alguns instantes, o cinza houvesse se tornado rosa.

Fomos para casa em silêncio, ainda atordoadas com o misterioso acontecimento. Aparentemente Megan estava se matriculando na Corbeaux High, pois qual outro motivo teria para ir até a sala do diretor e receber todos aqueles envelopes? Mas, afinal, onde esteve nos últimos dez anos? E o mais importante: por que foi embora?

Eram exatas 17h27 quando chegamos —  depois de passar na casa de Sarah, para que esta pudesse pegar algumas coisas de que iria precisar. Fui encarregada de escolher um filme enquanto ela encomendava a pizza, mas como não tínhamos muitas escolhas em comum resolvemos assistir a uma série que já havíamos visto centenas de vezes.

Tomei um banho quente demorado, o qual me proporcionou alguns instantes de ponderamento profundo sobre a estranha surpresa que tive naquela manhã. Quando saí, Sarah já estava no final do segundo episódio, e nesse instante a campainha tocou. Desci às pressas torcendo para que fosse a nossa tão desejada pizza, e graças aos céus, sim, era ela. Já havíamos encomendado há quase duas horas, mas resolvi não tirar satisfação com o entregador, pois estava faminta demais para isso.

Paguei educadamente o rapaz, e depois que já havia sumido do meu campo de visão, tranquei a porta e corri escada a cima com a caixa da pizza nos braços — que nem ao menos estava quente. Ao atravessar a porta do meu quarto, me deparei com Sarah debruçada sobre a cama, olhando fixamente para o anuário de 2007. E como era de se esperar, estava na mesma página de hoje pela manhã, encarando a foto da nossa antiga turma.

— O que está fazendo? — perguntei, mesmo sabendo a resposta.

— Por que ela voltou?  — Sarah ignorou minha pergunta. — Por que foi embora? São tantos porquês, argh, meu cérebro está fervendo!

— Megan? É, eu meio que imaginei que você ficaria obcecada por esse assunto.

— Qual é, Lana? — ela se pôs sentada para que pudesse me olhar nos olhos. — Não está nem um pouco curiosa?

— É claro que estou, mas...

— Precisamos falar com ela, caso vá à escola amanhã.

— Precisamos?

— É claro que sim — respondeu como se fosse óbvio. — Ela é a única que pode nos contar o que aconteceu em 2007, e onde estão os outros. Afinal, quem são todos eles? Por que não existe nenhum registro dessas famílias na cidade?

— Você não sabe se, de fato, aconteceu algo em 2007, e também não sabe se Megan tem conhecimento do paradeiro dos outros. Talvez tenham simplesmente se mudado, como nos foi dito.

— Sete crianças que nem mesmo são parentes se mudando ao mesmo tempo? Sério? Realmente acredita nisso?

— Consegue imaginar outra explicação? — perguntei com uma sobrancelha arqueada.

— Não, e é isso que me intriga — Sarah parecia atordoada. — Estou com uma sensação estranha. Um pressentimento, sabe? Algo grande está acontecendo.

— Por que diz isso?

Ela pareceu se perder em pensamentos por um instante, como se tentasse decidir quais as próximas palavras que usaria.

— Ontem à tarde... — começou, agora olhando através do anuário — eu fui fazer compras com o meu pai e... não sei... é só que... — Sarah voltou-se para mim. — Tinha uma garota no supermercado que me pareceu estranhamente familiar, mas eu não tinha certeza de que realmente era quem eu pensava que fosse, então lembrei que você tinha um anuário com fotos da nossa turma do fundamental...

— Era a Megan? — arrisquei.

— Não. Acho que era Eleanor. Eleanor Orlovsky.

Demorei um pouco para me lembrar, mas finalmente consegui associar o nome ao rosto. Eleanor Orlovsky era uma de nossas antigas colegas, que também havia deixado a cidade, assim como Megan.

— Tem certeza?

— Na verdade, não. Ela parecia bem diferente. O cabelo estava tingido de loiro, e muito mais longo, mas não existem muitas pessoas asiáticas em Corbeaux, então eu pensei...

— Ela te viu?

— Não.

— Você não vai esquecer esse assunto enquanto não conseguir as respostas que tanto quer, não é?

— Você me conhece, sabe que não resisto a um mistério bem armado.

— É claro que sei, Agatha Christie, mas você precisa se controlar. Caso Megan vá à escola amanhã, tente não abordá-la com perguntas inconvenientes logo de cara, tudo bem?

— Desculpe, não posso prometer nada.

Sarah deitou-se de barriga para cima, cobrindo o rosto com o anuário. Enquanto isso, eu olhava para a televisão — já no início do quarto episódio —, sem prestar muita atenção no que se passava; apenas foquei em clarear minha mente.

Meus dias estavam sendo tão comuns, que a volta da Megan foi provavelmente a coisa mais interessante que me aconteceu em meses. Comecei a imaginar os possiveis motivos que teriam feito ela e os outros saírem da cidade em 2007. O mais provável era que tivessem sido sequestrados, mas também havia uma pequena possibilidade de terem sido abduzidos. Megan estava incrivelmente diferente, e havia uma grande chance de estar com Eleanor, mas eu não conseguia pensar numa explicação plausível para essa situação, caso fosse verdade.

— Por que ainda não começamos a comer essa pizza mesmo? — Sarah levantou, lembrando do verdadeiro grande propósito daquela noite.

— Está fria — constatei.

— Perfeito — disse, em tom irônico.  — Atrasam quase duas horas e a comida ainda chega fria.

— Vamos, me ajude a pôr no micro-ondas.

— Não consegue fazer isso sozinha?

— Você quer comer, ou não?

Ela bufou ao revirar os olhos.

— Rápido, estou com fome.

Eu havia adorado a idéia de meu pai, de colocar uma grande janela de vidro atrás da pia. É lindo ver as árvores pela manhã e ao entardecer. A forma como a névoa cinza e espessa de Courbeaux se dissipa ao raiar do dia sempre me trouxe uma sensação de alívio. Mas à noite...

Minha casa, como muitas outras em Corbeaux, é ligada à floresta, e mesmo com o sistema de segurança — que fora instalados no final do ano passado —, ainda não me sentia muito feliz em ir na cozinha à noite. É claro que deveria haver uma cortina, mas minha mãe achava essa idéia "deselegante".

Sarah colocava as fatias de pizza em um prato para depois esquentá-las no micro-ondas. Enquanto isso, fui lavar minhas mãos na pia, e não pude deixar de olhar pela grande janela de vidro. Tudo parecia calmo do lado de fora. Bem quieto. A única movimentação vinha de cima das árvores, onde corvos se aconchegavam para passar a noite. Eles pareciam me encarar, como se fizessem um convite para me juntar a eles. Não posso dizer que não aceitaria, afinal, deve ser muito bom ter um par de asas que te ajude a voar para bem longe quando tudo parece ter ficado entediante. Me perder na imensidão do céu... oh, sim, porque perder-se também é um caminho. Talvez eu estivesse ficando louca por pensar assim. Isso é bom, pessoas loucas estão bem longe de serem cinza.

Percebi que provavelmente já havia desperdiçado alguns três litros de água para lavar apenas um par de mãos. Fechei a torneira, ainda submersa em pensamentos, e infelizmente, dei mais uma pequena olhada através da janela, antes de ir até Sarah. Nesse momento, foi como se a personificação do cinza metafórico que atormentava minha existência tivesse simplesmente se materializado diante de meus olhos: um grande borrão cinzento correndo entre as árvores, movendo-se rapidamente em linha reta de um canto para o outro. Todos os corvos voaram e crocitaram, deixando claro que aquilo não era algo da minha imaginação.

— Sarah — o chamado não saiu firme como o planejado, evidenciando o nervosismo em minha voz.

Primeiro, achei que meus olhos estivessem me pregando uma peça. Foi bem rápido e possuía um formato humanoide, mas uma pessoa não poderia se movimentar naquela velocidade.

— Que foi? — Sarah estava quase alarmada. — Lana, eu juro que se você me assustar...

— Vem aqui, rápido! — parecia bobagem, mas eu tinha quase certeza de que realmente havia visto aquilo.

Sarah se contagiou com meu desespero, vagando rapidamente do outro lado da cozinha até onde eu me encontrava.

— O que foi?! — ela sussurrou.

— Olha — apontei para o local onde vi o vulto cinza —, tem algo ali.

Um gato de pelagem escura, imerso na escuridão inebriante daquela noite misteriosa, passou em frente às árvores, bem ao longe, caminhando lentamente. Infelizmente, não foi o suficiente para comprovar a veracidade dos fatos ou minha sanidade.

— Um gatinho vira-lata, que Deus nos ajude.

E nesse instante, a criatura surgiu novamente, mas desta vez, indo na outra direção. O gato disparou atrás daquilo, e nós — temporariamente sem ação ao tempo que o grito de Sarah denunciava nossa localização para qualquer predador ou criatura misteriosa em um raio de dez quilômetros —, horrorizadas, observavamos a cena por alguns segundos antes de corremos desesperadamente escada a cima — quando o choque de adrenalina finalmente nos atingiu.

Eu era mais rápida e consegui ir na frente, mas Sarah caiu no terceiro degrau — eu teria rido mas as circunstâncias não pareciam apropriadas. Desci para ajudá-la, e logo conseguimos entrar intactas — relativamente intactas — no meu quarto, passando violentamente pela porta e fechando-a com tanta força, que a janela de vidro do outro lado do cômodo tremeu.

— Você está bem? — balbuciei, tentando recuperar o fôlego.

— Não, acho que deixei um rin cair na escada.

— O que foi aquilo?!

— Ai, meu Deus! — Sarah estava curvada com as mãos nos joelhos e tão ofegante quanto eu — Tem um demônio nos fundos da sua casa!

— Não seja tão dramática.

— Espera, você trancou as portas, não foi? — me perguntou com os olhos arregalados.

— Claro — na verdade eu não tinha certeza sobre a porta da cozinha, mas resolvi não comentar.

No mesmo instante, escutamos um barulho vindo da porta da frente. Corri para janela ao lado de minha cama e pude ver que o carro de minha mãe estava estacionado em frente à garagem. Assim que Sarah também o viu, soube exatamente o que ela faria em seguida. Agarrei seu braço no momento em que fez menção de ir até a porta.

— Aonde pensa que vai? — inquiri com rispidez. 

— Tomar o chá das cinco. Aonde você acha? — conseguiu se livrar de minha mão.

— Não pode contar à minha mãe.

— Ficou louca? Por que não?

— Meus pais não sabem lidar com situações assim, Sarah. Se você contar, minha mãe vai enlouquecer! Além disso, meu pai vai querer ir até lá para dar uma olhada, e não acho que isso vai terminar bem. Deve ter sido só um animal. E você viu que foi embora...

— SÓ UM ANIMAL?! — ela repetiu. — Aquilo era enorme! Parecia uma pesso...

— Não poderia ser. Era rápido e grande demais, não há com o que se preocupar.

— Você diz isso como se fosse uma coisa boa. Se não era uma pessoa, era o quê?

— Um bando de pássaros pode ter causado uma ilusão, talvez. Corvos?

— PÁSSAROS!? Aquilo era maior do que eu! Que tipo de pássaro você acha que era? Um pterodáctilo?!

— Em primeiro lugar, você não é tão alta, e em segundo, um pterodáctilo não é um pássaro...

— A questão não é essa! A questão é que tem uma "coisa" lá fora, que a qualquer momento pode entrar aqui e matar todo mundo! Será que você nunca assistiu nenhum filme de terror?!

— Você está exagerando — tentei parecer calma. — Eu moro nessa casa há dezessete anos e ainda estou viva, não estou?

Sarah ponderou brevemente sobre o assunto, ainda me encarando com fúria. Bufou e sentou-se na cama. Logo em seguida, como se estivesse esperando por sua deixa, minha mãe abriu a porta com o prato de pizzas em uma das mãos.

— Acho que esqueceram isso no micro-ondas, moças.

— Oh — forcei um tom natural—, já íamos descer para buscar.

Corri até a porta para pegar o prato de suas mãos, torcendo para que ela saísse e Sarah não tivesse tempo de tocar no assunto que eu temia poder se transformar em algo pior do que parecia ser.

— E então? — ela sorriu para nós — Como foi na escola? Dia interessante?

— Você nem imagina.

— Tudo normal —  repreendi Sarah com o olhar. — Estávamos no meio da nossa série, agora — apontei para a televisão.

— Oh, eu vejo — minha mãe sorriu. — Não quero atrapalhá-las — ela deu dois passos para trás, saindo do quarto. — Boa noite, querida, boa noite, Sarah. Não se esqueçam de escovar os dentes.

Depois de ter deixado o quarto, fui me certificar de que havia descido. Quando vi que já estava no final das escadas voltei para o quarto e tranquei a porta.

— Obrigada por não ter dito nada.

— Espero que saiba o que está fazendo.

— Eu também espero.

Aconchegadas no sofá e envoltas por edredons felpudos, desfrutamos das deliciosas fatias de pizza enquanto assistíamos à nossa série de drama favorita.

— Você escolheria a Meredith ou a Addyson?

— Addyson, óbvio — ela respondeu de boca cheia.

— Idem.

Depois do último episódio que veríamos naquela noite, Sarah foi ao banheiro se preparar para dormir, e eu tive de descer novamente para deixar o prato sujo na pia. Do alto das escadas, pude escutar a voz de meu pai, que provavelmente havia acabado de chegar. Ele estava sentado à bancada de mármore, enquanto lia o jornal que fora entregue pela manhã. Minha mãe, só naquele momento começava a preparar o jantar — havia se tornado um hábito para os Miller, jantar apenas depois das vinte e duas horas.

Tentei ser o mais breve possível, pois meu psicológico não estava consistente o suficiente para uma conversa detalhada sobre todos os acontecimentos daquele dia perturbador — dia este que, definitivamente, não fora cinza. Após um abraço e um beijo de boa noite, me arrependi tremendamente de ter ido à cozinha, pois Robert Miller pediu que eu levasse o lixo para fora, e ao final da frase, meu coração errou uma batida.

Não houve como eu pudesse dizer "não" a meu pai sem explicar o motivo. "Me desculpe, pai, mas se eu sair de casa estarei correndo o risco de dar de cara com uma criatura cinzenta, possivelmente mortal". Não existia nenhuma outra escolha que facilitasse a situação, então respirei fundo, segurei firme a ponta do saco de lixo e segui rumo à porta da frente.

Está tudo bem, eu falava para mim mesma, aquela coisa estava nos fundos da casa, e correu para longe. Não há com o que me preocupar. Eu espero.

Peguei a capa de chuva do cabideiro próximo à entrada, e calcei as galochas folgadas por cima das meias de dormir. Fui engolida pela noite congelante assim que abri a porta, e relutei, antes de dar o primeiro passo para fora, mas rapidamente me obriguei a acabar logo com isso. Chuviscava um pouco, e eu podia ver minha respiração pairando diante de meus olhos. Apertei a ponta do saco com força, caminhando o mais rápido possível. O chão estava perigosamente encharcado, me impedindo de correr e fazendo as galochas reproduzirem um esguicho irritante a cada passo que eu dava. A lata de lixo da calçada nunca pareceu tão distante.

Não havia nenhum sinal de vida àquela hora, o que só me deixava ainda mais insegura — e o frio definitivamente não ajudava. Eu caminhava olhando para trás a cada cinco segundos, paranoica como a situação exigia, me certificando de que nada me pegaria de surpresa. Levantei a tampa da lata com a mesma rapidez que empurrei o saco de lixo para dentro. Tudo ocorreu bem até aquele ponto, e senti um pouco de satisfação ao tampar a lata e ainda estar viva. Mas assim que me virei para retornar à casa, um pequeno infarto quase me impediu de realizar o ato, quando me deparei com uma criaturinha felpuda exatamente no meio do caminho entre a porta e a calçada onde eu estava.

Levei a mão ao peito e suspirei. Era só um gato.

Não...

Aquele gato persa... o mesmo que vi hoje pela manhã, e que também correu atrás da criatura cinzenta agora há pouco. Algo estava tremendamente errado. A chuva continuava caindo mas sua pelagem negra estranhamente não parecia estar molhada. Me aproximei cautelosamente, apenas querendo chegar até minha casa. Ele não se moveu. Não sei se era porque estava escuro, mas não pude ver a cor de seus olhos.

— Xô! — exclamei, gesticulando com as mãos, na tentativa de assustá-lo.

Era só um gatinho vira-lata, não havia motivos para estar com aquela sensação tão desconfortável no estômago.

É um gato estúpido...

Meus passos eram estratégicos, eu tentava encontrar a cor naqueles olhos, mas ainda não estava perto o suficiente. Aquele gato enfrentou a criatura cinzenta e continuou vivo, e isso podia significar duas coisas: ou, o que o que quer que fosse aquilo, não era tão terrível assim... ou aquele gato era algo ainda pior.

Posso te levar para dentro — eu continuava falando numa tentativa inútil de fazer o felino ao menos miar e me provar que era apenas um gato comum. — Aqui está muito fr...

Perdi o fôlego. Interrompi meus passos quando estava há menos de um metro do pequeno animal, pois notei uma característica perturbadora em si — além da aparente ausência de uma personalidade animalesca. Aqueles olhos... não passavam de grandes órbitas vazias. Meu estômago embrulhou apenas ao sentir sua presença tão próxima de mim, e a sensação foi mil vezes pior do que quando vi a criatura cinzenta correndo na floresta.

Um passo para trás foi só o que consegui me obrigar a fazer. A porta de casa ainda estava aberta, mas não tive tempo de correr. Como se lesse meus pensamentos, seus olhos se acenderam em um branco berrante que pareceu clarear a noite, mas não de uma maneira boa. Foi como se só naquele momento, ele despertasse de um sono profundo. Nunca vou me esquecer daquela sensação... aqueles olhos...

Sequer tive tempo de gritar, quando a criatura saltou sobre meu peito, com uma força que com certeza não era de um gato qualquer. Suas patinhas tocaram em mim, e o que senti foram mãos grandes e fortes, agarrando-se a mim como um abraço que cobria cem por cento do meu corpo, e me fazendo voar quase dois metros para trás. Bati minha cabeça com tanta força, que tinha certeza que algo havia se quebrado. Agora, o que sentia eram realmente patinhas pequenas andando sobre mim, até chegar ao meu pescoço. Sua cabeça bloqueou a vista do céu e me obrigou a encarar o brilho daqueles olhos que pareciam estar me deixando cega. Não conseguia me mexer, ou sequer falar.

Me perdi naquele branco. Era como se eu não conseguisse ficar de olhos abertos mas também não conseguisse fechá-los. Pude sentir perfeitamente a vida deixando meu corpo, e ao mesmo tempo... algo mais poderoso assumindo o controle.

Talvez tenha sido um delírio, mas quando fechei os olhos, pude jurar que ouvi o sussurro de uma voz feminina:

"Ela acordou."

Não tinha certeza de que aquilo realmente acontecera, mas algo me dizia que tais palavras não estavam se referindo a mim.

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