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Capítulo 9

(Peter)

Pude ver pela fachada de vidro do restaurante a expressão chateada de David enquanto Mila pegava suas coisas. Mordi a bochecha quando ele a acompanhou até mim.

— Vamos? — Mila abriu a mão em minha direção, e hesitei um pouco antes de tomar sua mão. Ela arregalou os olhos no mesmo instante.

— Obrigado por vir comigo. — Falei descendo nossos braços.

— Posso levá-lo em meu carro. — David nos interrompeu, aflito.

— Não precisa. — Mila virou-se para ele e sorriu. — Já estamos indo.

Comecei a andar a puxando. Minha mão esquerda ardia horrivelmente, mas minha mão direita estava envolta por segurança e conforto.

— Eu estava pedindo a chave do carro quando estendi minha mão. — Ela murmurou quando já estávamos andando.

— Faz sentido. — Refleti e acabei rindo de como fui impulsivo.

Inevitavelmente olhei para ela no percurso até o hospital. Estávamos acostumados a fazer coisas do tipo, mas parecia tão diferente de repente.

— Como se queimou? — Ela perguntou olhando rapidamente para mim. — Você é tão cuidadoso na cozinha.

— Minha cabeça estava fervendo e o chef não parava de gritar na cozinha... Fiquei desnorteado.

— Fiquei preocupada.

— Você ficou? Você é tão boa que ainda se preocupa comigo... — Murmurei me afundando no banco. — Aposto que não esperava me ver.

— É... Mas isso não importa agora.

Mila resolveu tudo no hospital, eu apenas fui atendido. Não sabia nada que ela não soubesse sobre mim, usávamos até o cartão de crédito do outro se necessário.

O enfermeiro pareceu muito distraído com ela, e não parava de alternar o olhar entre minha mão e a mulher ao meu lado.

— Ele vai precisar de atestado. — Ela disse.

— Não vou não. — Contradisse e recebi uma carranca da Mila, o que me fez rir. — Estou bem.

— Não gosto disso em você. — Ela cruzou os braços. — Acha que consegue tudo... Nossa, nem lembro quando foi que tirou férias. O que são dois dias de atestado?

— Mas estou realmente bem. — Sorri.

— Por favor, peça para emitir o atestado. — Ela se virou para o enfermeiro que apenas assentiu.

Confuso foi na hora de ir embora. Eu queria levá-la para casa, e ela queria me levar. Acabei deixando que ela me levasse.

— Vou pegar o metro. — Ela disse me devolvendo a chave do carro no estacionamento do meu prédio.

— Leve meu carro. — Mas ela negou com a cabeça. — Então chame um táxi. Está tarde.

— Tá. — Murmurou pegando seu celular. — Pode entrar.

— Vou esperar com você. — Sentei no banco de madeira na calçada e ela pareceu aflita me observando.

Depois de caminhar para lá e para cá, ela sentou-se ao meu lado, mas não me encarou.

— Vai demorar muito? — Perguntei vendo seu semblante preocupado.

— Não chamei o táxi. — Ela disse com os punhos fechados, pousados sobre os joelhos.

Continuei a observando e Mila abaixou a cabeça, o que fez seu cabelo loiro escorrer e cobrir seu rosto.

— Quer entrar? — Perguntei chamando sua atenção. — Posso te fazer um chá.

— E sua mão? — Ela me encarou com os olhos brilhando, talvez chorasse a qualquer momento, e eu quis poder abraçá-la.

— Estou realmente bem. — Levantei. — Vem. — Ofereci minha mão direita.

Mila tocou nossos dedos, e foi suficiente para segurá-la e trazê-la comigo. Entramos juntos, ela estava com o semblante corado e com olhos lacrimejados. Uma senhora, que me cumprimentava sempre que eu ia para casa, entrou no elevador conosco, ela nos observou com um sorriso no rosto.

— Sua namorada parece uma Barbie. — A senhora comentou e Mila piscou, eu sabia que ela estava envergonhada. — E você parece o Ken.

Eu não sabia bem o que responder diante de toda situação e do que estava sentindo, então apenas sorri. Mila tentou soltar sua mão da minha, mas continuei segurando.

— Não tenho te visto aqui ultimamente. — A senhora continuou. — Está me devendo aquela receita de pão.

— Pode deixar que irei anotar a receita. — Confirmei e ela sorriu ainda nos observando muito curiosa.

— Machucou sua mão?

— Um acidente na cozinha. — Expliquei olhando ansioso para as andares passando. — Chegamos.

Me despedi da senhora o mais educado possível e levei Mila comigo, que já tinha lágrimas escorrendo pelo seu rosto quando chegamos ao meu apartamento.

— Desculpe. — Me apressei em dizer quando fechei a porta. Mas ela balançou a cabeça negando, o que me fez sofrer.

— Eu só... Sinto muito sua falta. — Murmurou enxugando os olhos.

— Eu também.

Assenti sem saber se poderia me aproximar, mas não precisei, já que ela avançou e abraçou minha cintura encostando sua cabeça em meu peito. Retribuí e depois que consegui regular minha respiração, cheguei a conclusão que eu gostava muito daquilo, era mais do que o abraço de uma amiga, era meu maior momento de conforto.

— Mas agora que me declarei, você sabe qual o significado disso para mim. — Mila disse ainda me abraçando.

— Sei. Tudo bem. — Encostei minha bochecha em sua cabeça e fechei meus olhos. Meu coração estalou se manifestando. — Tudo bem.

Quando nos afastamos ela me analisou com os olhos ainda brilhando. Eu quis mesmo testar meus próprios sentimentos e avançar naquele momento, mas hesitei com medo de deixar tudo mais confuso.

Engraçado que tínhamos características semelhantes, como cabelos e olhos claros, mas ninguém nunca nos confundiu com irmãos. Tudo bem que éramos muito diferentes na nossa fisionomia, mas o pensamento de que talvez agíssemos como um casal de verdade estalou em minha mente.

— Quer o chá? — Perguntei quebrando o silêncio.

Mila assentiu com a cabeça.

Coloquei a chaleira no fogão e novamente pegos pelo silêncio e pela espera, ela desviou de mim. Quis rir de mim mesmo, porque minha mente estava incomodada com o quão desconfortável ela estava.

— Você conseguiu arrumar tudo muito bem. — Ela disse olhando a cozinha.

— Robert ajudou com a organização, porém mal dormi aqui. Percebeu que ficamos mais de um mês sem nos ver?

— Sim, contei todos os 57 dias desde que você me deu um fora. — Ela virou-se para mim e torceu a boca. — Tentei não contar, mas sempre que olhava meu calendário no escritório, pensava que era mais um dia sem te ver.

— Eu mal voltei para casa. — Admiti. — Acho que Natan vai cortar relações comigo depois de tanto ir visitá-lo. Percebi que sou muito dependente de você. Ainda me questiono como não percebi isso antes.

— Talvez eu não tenha demonstrado o suficiente. Talvez eu tenha apenas confundido nossa relação... Eu não sei o que fazer agora, porque odeio imaginar ter que dar adeus mais uma vez.

A observei dedilhar pela bancada. Mila tentou sorrir quando olhou para mim, e eu me odiei mais uma vez por vê-la tão triste, era tudo culpa minha.

Servi o chá de camomila na sala, e tomei tentando acalmar a mim mesmo. Mila sentou-se distante de mim no sofá.

— Foi horrível me beijar, não é? — Ela perguntou de repente, um pouco emburrada e desanimada, o que me fez rir.

— Não foi não.

— E aposto que nem ficou pensando nisso.

— Pensei demais. — Admiti e a encarei, curioso.

— E aposto que não quer tentar de novo. — Ela murmurou com menos ímpeto. Sua voz esmoreceu e admirei seu momento de coragem.

— Na verdade... Quero.

E queria de verdade. Entre todos os pensamentos de não saber o que estava sentindo, o não saber estava intimamente ligado com a vontade de avançar meus limites de amigo.

Deslizei no sofá me aproximando dela e a encurralando com meus braços.

— Quer mesmo? — Ela sussurrou sem se mover, tornou-se pálida. — Não quero se for por pena.

— Não faria por isso.

Avancei os poucos centímetros e a beijei. Ela amoleceu rapidamente e abraçou meu pescoço correspondendo na mesma intensidade. Minha mente ardeu em desejo. Eu queria não pensar se aquilo era errado ou não, e ignorei todos os nãos que vieram de combate ao meu momento.

E novamente ela escondeu seu rosto em meu pescoço quando me afastei. Mila me abraçou forte, e não fui capaz de repelir. Abracei de volta até acalmar minha mente, mesmo que minha posição no sofá fosse desconfortável.

— Mila, o que...? — Me afastei e fiz uma careta em depositar força na mão ferida.

Ela tomou minha mão entre as suas já acalmando a dor, ou pelo menos distraindo minha mente.

— O que faremos agora? — Murmurei sentado ao seu lado, com sua cabeça encostada em meu ombro.

— Eu tenho algumas condições se quiser continuar. — Ela disse.

— Quais? — Acabei rindo de como soou como se fosse um contrato.

— Um: Não vamos discutir sobre amor. Dois: Sem essa história de culpa no coração. Três: Isso não é um relacionamento. Estamos apenas nos conhecendo, então sem namorada ou namorado. Quatro: Se nada der certo, vamos tentar ter maturidade para não perdermos totalmente a amizade.

— Como assim? — Me afastei, assustado, querendo ver seu rosto. — Sempre começa um relacionamento desse jeito? E como assim estamos nos conhecendo? Nos conhecemos melhor do que qualquer pessoa.

— Estou tentando facilitar para você. — Mila levantou-se do sofá e andou pela sala. Devia estar difícil bancar a durona com o coração mole que ela tinha.

— Mas você é muito romântica para isso. — Sorri a observando massagear as têmporas.

— Talvez esse seja meu maior defeito. — Colocou as mãos na cintura e encolheu os ombros. — Estou disposta a ser menos idiota.

— Idiota sou eu nessa história. — Levantei e me aproximei sentindo meu peito formigar com todos os pensamentos loucos que surgiram em minha mente.

Encaixei meus braços em sua cintura, e ela ergueu as sobrancelhas no mesmo instante. Então percebi que fazia isso constantemente, qualquer ação minha a fazia sentir algo. Fui realmente idiota.

— Aceito as condições que quiser, quaisquer que sejam elas. — Falei. — Não quero mais magoá-la. Perdoe-me por ter demorado tanto. Fui covarde e tive medo.

— Seus sentimentos não podem ter mudado de um dia para o outro... — Sibilou me encarando atentamente. — Eu sei que você se importa muito comigo, mas...

— Estou muito curioso para descobrir o que estou sentindo. — A interrompi e sorri mesmo com sua careta. — Odeio ficar longe de você, é a maior certeza que tenho.

— Às vezes eu queria que você fosse um tremendo canalha, para eu ter motivos para te odiar e superar meus sentimentos. Mas você só dificulta minha vida sendo tão amável...

Gargalhei e Mila riu. Completei nosso abraço, mas nossa risada continuou até um toque de celular insistir em nosso ambiente.

— É David. — Mila disse quando alcançou seu aparelho. — Ele deve estar preocupado...

— Não atende. — Pedi já forçando minha mandíbula, o que a fez sorrir.

— Você tem ciúme dele?

— Tenho! Morro de ciúme dele. Satisfeita? — Admiti pressionando os lábios.

— Muito satisfeita. — Ela sorriu ainda mais e encaixou o celular em seu bolso. — Não vou atender. Mas acabei de ver as horas e preciso ir...

Semanas antes eu poderia sugerir que ela ficasse em minha casa, mas agora talvez fosse muito estranho.

— Leve meu carro. — Falei. — Estou de atestado de qualquer forma, então não vou trabalhar nos próximos dois dias. E mesmo que precise ir, moro perto do restaurante.

Ela pareceu pensar e hesitou antes de aceitar.

— Ok, mas amanhã eu trago de volta. — Estendeu sua mão.

Lhe entreguei a chave e apenas sorrimos um para o outro. Observei-a pegar sua bolsa, e me senti ansioso.

— Então, tchau. — Ela disse sem me olhar diretamente e seguiu para a porta.

— Dirige com cuidado.

— Pode deixar.

— Me liga quando chegar. — Pedi já segurando a porta aberta. — Eu devia levá-la...

— Descanse um pouco. — Ela ajeitou a alça de sua bolsa no ombro. — Não se preocupe comigo.

— Difícil não me preocupar. — Murmurei encostando-me na porta.

Mila sorriu me observando, ela parecia feliz de repente. Fechei os olhos quando ela avançou e tocou nossos lábios. Segurei seu cotovelo a mantendo perto e a beijando mais profundamente do que estava planejando.

— Nem parece que começamos isso hoje. — Falei divertido, e ela riu tímida quando se afastou. — Então era real quando diziam que tínhamos a intimidade de um casal...

— Parece que sim. Muito estranho?

— Muito estranho parecer muito normal. — Refleti a fazendo rir. 

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