Capítulo 8
(Peter)
Cobri meus ouvidos quando o alarme de Natan começou a tocar. Eu continuei no colchão no chão, e meu amigo precisou saltar por cima de mim para ir se arrumar para o trabalho.
Estava morto, muito cansado, mas levantei para fazer um café.
— Esse negócio de vir me visitar todos os dias está te cansando. — Natan comentou ajeitando o relógio no pulso quando me encontrou na cozinha.
— Só estou cansado. Quero férias. — Tentei brincar. — Está bonito, hein! Sinto o perfume daqui.
— Ah, cala a boca.
Natan sentou-se para comer e gargalhei da situação. Antes conseguíamos conversar tranquilamente, Natan era inteligente e confiante. Mas desde que Rachel terminou com ele, sua autoestima não voltou a ser a mesma, qualquer elogio o incomodava.
— Por que se mudou para Londres se vive voltando para Surrey? — Natan comentou depois de engolir um pedaço da torrada.
— Acho que prefiro essa energia menos caótica daqui, a paisagem rural é linda, o ar é mais fresco, não tem tanto prédio...
— Ah, conta outra, Peter. — Natan riu me observando. — Você nem gosta tanto de Surrey não ser metrópole, vivia dizendo que não dava para crescer aqui. E eu nem moro na zona rural, e é em um prédio.
— Não é todo mundo que tem sorte como você de conseguir um emprego bom. — Redargui já irritado.
— Não é disso que estamos falando.
— Nem sei do que estamos falando. — Reclamei largando a torrada no prato e cruzei os braços.
— Você é um covarde. — Natan disse pausadamente e depois mordeu a torrada.
Abri a boca, indignado, mas não consegui formular uma resposta.
— Você sabe que é. — Ele continuou mesmo de boca cheia.
— Pensei que fosse meu amigo. — Reclamei amuado.
— E sou. Por isso estou falando isso.
Apenas abaixei o olhar. Estava envergonhado, realmente.
— Mila está esperando, Peter. — Natan disse batendo os dedos na mesa para chamar minha atenção. — O quão idiota você consegue ser?
— Estou confuso, Nate! E não ter essa certeza me magoa. Porque eu quero ver Mila feliz.
— Isso é suficiente. Qual o motivo da confusão?
— É como você disse outro dia, não sei se já amei, não sei... Mila não merece... Aafff. — Baguncei meus cabelos. — Eu não sei o que fazer, droga.
— Sente falta dela?
— Muita. — Murmurei suspirando.
— Está preocupado com ela? — Natan recostou-se na cadeira e cruzou os braços.
— Estou! Claro!
— Gostou de beijá-la?
— Muito. Quero dizer... — Gaguejei refletindo sobre a pergunta e Natan riu de mim. — Não sei.
— Olha, Peter, eu entendo você. Sei que quer protegê-la, sei que não tem certeza de nada, mas pensa direito, fugir de refletir sobre isso só vai magoá-la mais. Preciso ir. — Natan levantou.
Eu suspirei profundamente, mas levantei a cabeça quando ele tocou em meu ombro.
— Vou deixar uma pergunta para refletir durante seu dia. — Ele disse. — Se vocês não fossem amigos de uma vida inteira, se tivesse a conhecido mês passado, será que não teria se apaixonado por ela antes dela por você? Tranque tudo antes de sair e pelo amor de Deus... Não venha hoje, quero uma noite tranquila.
Preparei algumas refeições e deixei congeladas na geladeira de Natan antes de sair.
Se tinha pensado sobre sua pergunta? Refleti a manhã inteira, e continuei pensando nisso enquanto dirigia para Londres.
Conheci Mila na escola, na quinta série. Eu era apenas um garotinho, bobo, brincalhão, vivia inventando arte. Enquanto Mila, desde já, era uma garota inteligente, sonhadora. Éramos vizinhos, e voltávamos juntos para casa. Crescemos juntos, fazíamos a lição de casa juntos, íamos as festas juntos, trocamos segredos, experiências... Éramos uma dupla.
Ainda naquela tarde meu chefe ligou avisando que eu seria transferido, só naquele dia, para outro restaurante da filial, em outro bairro de Londres, porque a demanda lá estava alta devido a um evento. Então precisei dirigir mais para chegar.
— Sr. Lewis? — O chef do restaurante me analisou quando me apresentei. Ele parecia mal humorado aparentemente. — Qual sua função?
— Subchef. — Respondi e ele torceu a boca.
— Molho. — Cruzou os braços. — Não é porque você é um dos 1° cozinheiros lá que vai ser aqui.
Eu não disse nada e apenas me juntei à equipe dos molhos. Minha cabeça estava muito cheia e eu odiava ter que discutir por besteira, e aquilo era temporário.
Alguém estava queimando alguma coisa e vi o suor descendo pela testa de um outro ajudante. O chef discutiu com ele e se eu estivesse num dos meus melhores dias teria ajudado.
Meu coração gelou quando, depois de sair do banheiro, passei pelo corredor e vi de relance a Mila no restaurante. Precisei voltar para me certificar de que era ela. E era. Nem percebi como estava respirando rápido. Em outro momento teria caminhado até ela, e certamente receberia um sorriso seu em meio a todos os outros, ela sempre sorria para mim. Sentia falta disso. Agora, eu não seria capaz de ir até ela e dizer oi.
Estava linda, realmente, ela sempre estava.
Ela estava numa mesa grande, parecia ser um evento da empresa dela. David estava rindo como se tivesse dito alguma coisa engraçada, mas a Mila estava com aquela cara de tédio, porque até a cara de tédio da Mila era gentil. Ele devia estar se sentindo muito especial por estar sentado perto dela, e me senti incomodado.
Senti o sangue subir para o rosto quando ele parecia estar tirando alguma coisa do cabelo dela. Ela desviou, mas foi gentil. Aquele idiota estava tentando se aproveitar da situação, e eu continuava não gostando dele.
Voltei para a cozinha pensando sobre aquilo. O molho estava borbulhando e meu juízo não estava muito diferente.
— Lewis! — O chef gritou e percebi que o o molho estava quase secando na panela. — Tá apaixonado, seu idiota?
— Estou? — Perguntei a mim mesmo levando a panela para a pia.
— Conserte isso! — Ele gritou no meu ouvido e quase derrubei a panela. Na minha tentativa de evitar a queda acabei segurando o metal fervendo e soltei sujando o chão.
— Que equipe de merda. — Ele disse passando por mim.
— Você está bem? — A subchef perguntou enquanto eu lavava minha mão na água fria.
— Sim.
— Acha que pode continuar? — Ela insistiu e nem percebi quando me livrei do seu toque. Eu não queria nenhuma mulher me tocando naquele momento. — Você parece chateado.
— Desculpe. Posso continuar sim. — Tentei sorrir e voltei para o meu fogão.
Não consegui parar de pensar naquilo. Estava terrivelmente chateado por não poder opinar, não poder protegê-la, não poder estar perto.
Pensei na resposta para pergunta de Natan, e sim, provavelmente estaria apaixonado ou no mínimo interessado na Mila.
Mas a dor que senti na minha mão me acordou quando tentei cortar os temperos, a cebola e alho fizeram meu ferimento arder muito mais do que já estava doendo.
— Bolhas. — A subchef surgiu ao meu lado como se estivesse me observando o tempo inteiro. — Melhor ir ao hospital.
— Só por isso? — Resmunguei tentando fechar minha mão, mesmo com a palma machucada.
— Essa é sua ferramenta de trabalho. — Ela tocou meu braço insistentemente. — Melhor se cuidar.
— Estou no meio do expediente. — Falei me afastando mais uma vez.
— Você tem namorada? — Ela perguntou me fazendo encará-la, surpreso. — Parece que tem... Que sortuda ela.
Não respondi nada, tentei continuar meu trabalho, mas a dor apenas piorava.
— Chef, Sr. Lewis precisa de tratamento. — Ela disse chamando o chef.
— Hei! — Reclamei baixinho e a mulher, que então percebi que tinha sardas no rosto sorriu antes de se afastar.
E então o chef gritou em meu ouvido.— Sai daqui seu idiota! Vai logo! Vou falar muito mal de você.
Troquei de roupa já irritado demais para um dia só. Mas não passei despercebido, porque assim que apareci no salão o olhar de Mila veio para mim, como se fosse inevitável para ela me notar.
— Sr. Lewis, não esqueça de pegar o atestado. — A subchef me cutucou e sussurrou.
— Ah, ok. Obrigado. — Murmurei.
Evitei olhar para ela enquanto chegava até a saída.
— Peter! — Ouvi quando já estava na calçada tentando encontrar meu carro.
Virei vendo Mila me observando com o cenho franzido. O suéter folgado tom de pêssego, com um jeans, a deixava muito elegante, sempre tinha dúvidas se eram as roupas ou se Mila ficaria elegante em qualquer roupa que vestisse.
— Está ferido? — Ela se aproximou me analisando e sem dificuldade encontrou minha mão, a qual pegou e fez uma careta enquanto olhava. — Vai ao hospital, certo?
— Vou. — Murmurei. — Foi um acidente.
Estava feliz por ela ter vindo, ao mesmo tempo que me senti culpado por aquilo.
— Mudaram você de restaurante de novo? — Mila perguntou ainda olhando o ferimento.
— Só por hoje.
Estava louco para perguntar como ela estava.
— Quer que eu vá com você? — Ela disse de repente, mas sua voz foi esmorecendo quando me encarou. Mila soltou minha mão. — É que pode ser difícil dirigir...
— Por favor. — Falei. — Por favor, venha comigo.
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