Capítulo 3
(Mila)
— Agora estou morrendo de dor de cabeça. — Reclamei no carro. — E meu chefe ainda vem com uma história de que nos conhecemos. Eu não lembro disso.
— Eu lembro dele. — Peter disse chamando minha atenção. Estava apenas sentado no banco do motorista, com as mãos apoiadas na perna, me observando.
— Como?
— Ele gostava de você. Na universidade.
Franzi o cenho e senti a martelada no lado direito da minha cabeça.
— Não lembro disso. — Cobri os olhos com as mãos e suspirei.
— Eu não iria te contar, mas... — Descobri os olhos para vê-lo, mas apenas peguei o momento em que ele ligou o carro. — Deixa para lá. Vamos passar no supermercado? Está tão cedo e eu sinto fome.
— Contar o que, Peter? — Insisti.
— Não, não é nada importante. Seus olhos estão pequenos, vai começar a ter enxaqueca. — Ele sorriu tranquilo.
— Eu já estou. — Resmunguei massageando minha cabeça.
— Você precisa relaxar, Mila. Se levar tudo sempre tão a sério, nunca terá paz.
Não consegui comer a comida do Peter quando chegamos na minha casa depois de passar no supermercado, porque estava muito enjoada. Fiquei no sofá abraçando minhas pernas e com a cabeça mergulhada entre os joelhos.
— Mila, toma. — Peter disse cutucando minha perna. Ele me ofereceu um comprimido e um copo de água. — Vou ficar com você hoje.
— Tudo bem. — Tomei o remédio e soltei o ar incomodada pelo latejar contínuo da minha cabeça. — Está tarde para dirigir a Surrey de qualquer jeito.
— Deita um pouco.
Assenti e fui ao meu quarto tentando evitar que a luz chegasse aos meus olhos. Mesmo no escuro o desconforto da enxaqueca não diminuiu. Talvez o momento de sofrimento físico me fizesse remoer ainda mais meu sofrimento emocional, só para deixar tudo mais doloroso e conceitual. Vejamos: eu não gostava do meu trabalho; meu chefe dizia me conhecer e não lembrava disso; eu amava meu melhor amigo; o homem que eu amava não me via como mulher; meus pais me deixaram sozinha; eu não tinha mais ninguém.
— Garota bonita. — Peter sussurrou entrando no quarto. — Está dormindo?
Sentei na cama sentindo tudo girar. Ele acendeu a luz e me entregou uma xícara com chá.
— Camomila. — Peter colocou a xícara nas minhas mãos e sentou-se na cama para me observar beber o chá. — Essa história do chefe deixou-a estressada de verdade? Não deveria ficar ansiosa por algo do tipo.
— Sei lá. — Falei esperando o chá esfriar um pouco. — Talvez só não esteja num bom dia.
— Sei. — Ele disse tocando minha nuca, onde começou a massagear. — Eu não gosto de te ver assim.
Sorri sem jeito e me desvencilhei de sua mão com o pretexto de que iria derramar o chá.
— Ninguém faz chá igual a você. — Murmurei depois de experimentar.
— É apenas um chá. — Peter disse preocupado.
Acordei ainda com enxaqueca na manhã seguinte. Eu sabia que precisava relaxar para me livrar daquilo, era um irritante aviso de que meus nervos estavam excedendo. Mesmo assim, tomei café da manhã com meu melhor amigo e fui para o trabalho. Peter até podia achar que David estava me preocupando, mas a verdade é que eu não senti nada muito importante. Fiquei mais curiosa para saber o Peter "não me diria" a lembrar de fato quem era David na universidade.
— Me chamou? — Falei de pé em frente à mesa do meu chefe logo depois receber seu chamado.
— Você está bem? — Ele me analisou depois de ajeitar os óculos. — Não parece bem.
— Um pouco de dor de cabeça. — Sorri um pouco, incomodada com a quantidade de luz que vinha das grandes janelas de sua sala.
— Entendo. Eu espero que as coisas não fiquem estranhas entre nós.
Neguei com a cabeça. — Nem há motivos para isso, Sr. Lawrence.
— Senti que a deixei chateada ontem a noite.
— Não senhor. — Respondi, mas ele continuou me encarando com expectativa. — Me senti frustrada por não me lembrar de você. Desculpe. Peter disse que lembrava, o que me deixou ainda mais envergonhada.
— Ah, Peter... — Ele pigarreou e mudou sua posição como se tivesse ficado inquieto de repente. — Vocês são amigos há muitos anos, não é?
— Sim. — Pisquei desejando que o sol desse uma trégua naquela manhã, ou que as janelas ficassem escuras para me ajudar.
— São apenas amigos? Quero dizer, desculpe a pergunta. — Se apressou em dizer a última frase. Talvez minha careta de enxaqueca tenha o feito tirar outras conclusões sobre minha reação. — Fiquei curioso.
— É... — Falei e respirei fundo em sentir meu café da manhã revirar no estômago. — Com licença.
Me apressei em sair e acabei vomitando no banheiro. Quando me encarei no espelho percebi que eu estava péssima, tinha olheiras roxas e olhos miúdos. Lavei o rosto tentando melhorar a situação.
— Tire o dia de folga. — David disse batendo os dedos na minha mesa. Eu estava com a mão no rosto e levantei o olhar para vê-lo. — Não quero te ver aqui hoje, entendeu?
Meus colegas de trabalho me incentivaram a ir embora, que eu realmente parecia péssima, enquanto eu estava mesmo com medo de vomitar no meio do escritório. Acabei aceitando a ocasião e saí da empresa antes do horário de almoço.
Mas assim que saí na rua me senti perdida de para onde ir. Pensei em ligar para Peter, mas talvez ele tivesse voltado a Surrey e ficasse muito cansativo fazer tantas viagens. Cogitei ligar para minha amiga, Helen, mas ela deveria estar tendo suas aulas de artes na universidade.
Sabendo que só queria um pouco de cuidado e carinho, eu fui até o lugar certo.
— Você está horrível. — Vovó disse me olhando quando a encontrei tomando um sol no jardim do asilo. Eu sorri para ela, mas apenas recebi uma careta da senhora. — Deveria cuidar mais de si mesma em vez de vir me visitar no asilo.
A senhora tinha um jeito de ser autêntica mesmo com o uniforme padrão do asilo. Por cima da roupa branca, ela colocou um xale de crochê, na cor vinho, e mesmo sendo manhã pintou sua boca com um batom da mesma cor do xale. Os cabelos grisalhos estavam presos numa trança, a qual pousou charmosamente sobre o ombro.
— Você é muito importante para mim. — Sentei ao seu lado no banco de madeira e a abracei. Eu estava, com certeza, me sentindo carente. — E de qualquer forma tirei o dia de folga. Eu queria muito te ver.
— Que menina boba. — Ela disse alisando meu cabelo e só com isso minha dor foi sendo apaziguada. — Está magoada? Foi Peter?
— Vovó, por favor, more comigo. — Me afastei de repente e supliquei tomando suas mãos.
— Você é muito jovem para ficar cuidando de mim. Eu estou bem aqui e quero ver você fazer coisas importantes.
Neguei com a cabeça já me sentindo triste.
Havia uma governanta na casa quando eu era criança, governanta essa que fez parte da minha criação e me ensinou parte dos valores que eu carregava comigo. Ela se demitiu quando me tornei adolescente e abriu uma loja de coisas antigas em Londres, onde eu passei grande parte do meu tempo para manter sua companhia comigo. E quando meus pais faleceram num acidente nos meus vinte anos, aquela senhora me acolheu e cuidou do meu coração dolorido como se fosse minha avó verdadeira.
Eu trabalhei na lojinha quando ela tomou a decisão de ir para o asilo, eu não quis desistir daquele lugar que tornou-se meu refúgio quando sentia muita dor. Mas quando fui selecionada na empresa para o cargo, vovó me enxotou do lugar e não tive escolha a não ser aceitar o emprego no escritório.
— Vou vender o espaço da lojinha. — Ela disse me fazendo abrir a boca. — Preciso que você tire tudo de lá.
— Mas... — Comecei a chorar. — Por quê? Por que está fazendo isso comigo, vovó?
— Aquele lugar não é útil para mais ninguém. Não quero mais te ver presa a essas coisas, Mila.
Ela riu da situação, como fazia normalmente sempre que eu exagerava no drama. Vovó enxugou minhas lágrimas e acariciou minhas bochechas.
— Mila, me prometa que vai ficar bem. — Ela disse ainda me segurando. — Prometa que vai lutar para encontrar seu lugar. E... Faça o Peter gostar de você. Ele não tem como não gostar de uma mulher como você. Caso ele não queira, deixe de gostar dele.
— Como posso fazê-lo gostar de mim? — Murmurei. — A gente se conhece há tanto tempo, vovó.
— Eu não entendo vocês dois. — Ela beliscou minha bochecha e esticou os braços se alongando. — Se resolvam logo. Mas como uma boa velha experiente, devo te dar um conselho?
— Estou ouvindo. — Falei me recompondo e já sentindo minha cabeça mais leve.
— Seduza-o. — Ela sussurrou e sorriu satisfeita.
— Vovó! — Exclamei já sentindo minha bochecha queimar.
— Ora garota, não há nada melhor para deixar um homem confuso do que fazê-lo sentir atração física. Tenho certeza que Peter não vai conseguir continuar tão cego se estiver numa situação tão excitante.
Limpei a garganta, porque minha mente tentou montar uma cena, e só aquilo me deixou ansiosa ao mesmo tempo que com medo.
Eu e Peter não tínhamos momentos assim. Éramos íntimos, ele dormia na minha casa, bagunçava meus cabelos e até fechou o zíper do meu vestido, mas tudo parecia passar batido por ele.
— Mas... — Gaguejei fazendo vovó gargalhar.
— Você sabe o que deve fazer, e deve fazer já. — Ela segurou meu ombro e sacudiu como se quisesse me acordar. — Seu medo está atrapalhando você. Ele está solteiro agora, então crie coragem e abra seu coração para ele.
— É que...
— Mila, se o ama, se quer tê-lo, seja uma mulher para ele. Tenho certeza que o cargo de melhor amiga não lhe é mais suficiente, então haja como a mulher que quer ser com ele.
— Se ele me rejeitar? Devo me humilhar e ser amiga dele mesmo assim? Ou...
— Tome.
Vovó me passou um caderninho, o qual estava no banco ao seu lado. Ela me entregou também uma caneta e folheou até chegar numa folha em branco.
— Anote o que vou dizer. — Disse. — Vai ser sua lista de metas para os próximos dias.
Sorri e assenti já pronta para anotar.
— Um: Se livre de todas as coisas que não te deixam caminhar para frente. — Ela começou a falar com os braços cruzados, olhando para frente e apreciando a paisagem do jardim. — Dois: Passe mais tempo com seus amigos, não apenas o Peter. Três: Volte a pintar. Quatro: Compre roupas novas. E... Cinco: Conquiste o seu melhor amigo ou livre-se desse sentimento de uma vez por todas.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro