Capítulo 10
(Mila)
Achei que dormiria bem, mas na verdade não dormi quase nada. Estava muito eufórica para pegar no sono, só queria repetir várias e várias vezes alguns momentos em minha mente.
Dirigi para casa de Peter antes do meu expediente. Pensei que ele pudesse estar dormindo ainda, mas usei o carro como desculpa para vê-lo de novo, mesmo que nem tivesse completado oito horas que nos despedimos.
— Eu só vim trazer o carro. — Falei quando ele abriu a porta.
Peter sorriu me observando. Seu cabelo ainda não estava arrumado como de costume, parecia que tinha saído do banho e os fios estavam molhados e jogados para trás despretensiosamente. Peter ficava pálido facilmente, que era o contrário de mim que ficava rosada com qualquer coisa.
— Já tomou café? — Perguntou segurando minha mão junto com a chave do carro. — Eu fiz um bolo.
— É que eu posso chegar atrasada no trabalho... — Murmurei tentada a deixar o trabalho para lá.
— Leve meu carro para o trabalho. — Encolheu os ombros e me puxou para dentro.
— Mas eu vim te devolver o carro.
— Você veio tomar café. — Me guiou para a mesa, a qual ainda não tinha nada sobre ela.
Logo ele trouxe pratos e canecas.
— Sua mão está melhor? — Perguntei sem saber como ajudar.
— Está tudo bem. — Respondeu quando já servia uma fatia do bolo para mim. — Não está quente, porque fiz ontem de noite depois que você foi embora. Mas o café está quentinho.
— Obrigada. — Murmurei feliz pelo cheiro do café da manhã.
Conversamos coisas normais, assuntos que eram corriqueiros para nós, como se tudo estivesse como sempre foi.
— Está com olheiras. — Ele apontou colocando mais uma fatia do bolo de cenoura para mim. — Não dormiu bem?
— Não consegui dormir muito. — Admiti, mas quando chequei as horas levantei de súbito. — Vou chegar atrasada!
Peter me seguiu rindo enquanto eu pescava minha bolsa no sofá.
— Dirija com cuidado. — Colocou as chaves na minha mão. — Não corra.
— Mais tarde eu trago de volta. — Falei apressada já indo para a porta.
— Vou assumir que está me convidando para jantar.
— Não ouse ir trabalhar hoje, ou vou brigar com você. — Parei no corredor e ele assentiu risonho.
— Não se preocupe. Vou só ir ao supermercado e te esperar para o jantar. Pode ser?
— Pode. — Concordei tímida. Quis avançar para beijar-lhe, mas fiquei sem jeito.
Eu queria alguma prova de que o dia anterior foi real. E esperar por algo me deixou um pouco aflita.
Peter me observou um pouco e encostou nossos lábios me beijando, o que foi suficiente para me deixar boba.
— Acho que consigo ler seus pensamentos pelos seus olhos. — Murmurou quando se afastou. — Você fala muito com os olhos.
— E mesmo assim você é muito lerdo. — Respondi, e ele riu. — Até mais tarde.
Eu dirigi ainda pensando em como estava feliz demais, e que mesmo que meu chefe apontasse meu atraso eu estaria imune ao mau humor nesse dia. Nem os saltos estavam doendo meus pés, andar nunca foi tão agradável.
David parecia estar me esperando já que assim que cheguei ao escritório ele acenou para mim de sua sala de vidro.
— Fiquei preocupado. — Falou me analisando de sua cadeira. — Está tudo bem?
— Sim, Peter está ótimo. Obrigada por se preocupar com a gente. — Sorri ainda de pé. — Desculpe pelo atraso, perdi o horário.
— Ontem deve ter sido estressante. — Ele pressionou os lábios. — Devia ter aceitado minha carona.
— Está tudo em perfeita ordem, Sr. Laurence. Bom, tenho muito trabalho me esperando... Precisa falar mais alguma coisa?
— Não. — Sibilou parecendo desanimado. — Espera! Quer jantar comigo hoje?
— Ah... Hoje tenho compromisso. — Respondi e nem consegui não sorrir, e devo ter parecido cínica por isso.
— Entendo. E que tal amanhã? — Ele se ajeitou na cadeira e me observou com expectativa, o que me fez suspirar.
Dei alguns passos para frente, me aproximando de sua mesa, porque não queria falar alto. Ele me observou com atenção quando toquei uma pequena estátua de cavalo em sua mesa.
— Eu ganhei isso quando fui a um evento. — Ele sorriu. — Você gostou? Se quiser pode ficar com ele.
— David, você é uma ótima pessoa. — Falei deixando a estátua de lado. — Mas... Você precisa parar agora.
— Parar o que?
— De tentar algo comigo. — Pressionei os lábios num sorriso sem graça. Ele franziu as sobrancelhas, mas parecia mais sofrimento do que confusão. — Pode ser só meu chefe. Seus outros funcionários vivem falando mal de mim por causa disso.
O homem a minha frente ficou apenas calado me observando num momento de susto.
— Desculpe estar falando isso no escritório, mas não quero que se iluda por mais tempo. Se eu estiver enganada, podemos rir desse momento. — Sorri. — Ok?
— É por causa do que as outras pessoas podem pensar? — Ele disse rápido com os olhos bem abertos.
— Você disse que era meu amigo... Então David, eu já amo outro homem e finalmente algo está acontecendo, estou muito feliz. Obrigada por ser gentil, espero que entenda.
— Aah. — Ele suspirou e desviou seu olhar. — Eu...
Mas o telefone começou a tocar interrompendo seu momento. Ele respirou fundo e me encarou sem graça.
— Podemos falar sobre isso depois? — Pediu. — Por favor, separe algum momento para me ouvir.
— Ok. — Assenti. — Mas hoje não. Pode atender.
Me retirei e tentei não me sentir culpada por ter sido tão franca.
***
— David me convidou para sair hoje. — Contei ao Peter durante o jantar, o que o fez parar no momento em que levava o garfo a boca, foi uma cena engraçada.
— Ele é bem insistente, não é? — Resmungou deixando a comida de lado e me encarou.
Eu acabei rindo.
— Vou te contar o que ele fez, e não vai achar tão engraçado. — Torceu a boca e apoiou os cotovelos na mesa.
— Eu sei o que ele fez. — Encolhi os ombros. — E você bateu nele.
— Bati. — Admitiu decidido. — E queria ter batido mais.
— Nossa, que horror. Você não é assim.
— Ele pulou o muro da sua casa e espiou numa janela. — Aproximou seu rosto. — O que acha que ele estava esperando ver? Eu me lembro bem daquele dia. Estava indo te levar o jantar como todos os dias desde...
— A morte dos meus pais. — Completei lembrando-me de como o inicio da minha vida adulta foi difícil. — Mas sim, naquele dia?
— Eu fui até sua casa no final da tarde como sempre. — Ele limpou a garganta antes de começar. — Ouvi o som do chuveiro, como sempre, você ia tomar banho quando chegava da universidade. E encontrei o idiota tentando espiar seu momento. Ele podia dizer que gostava de você, mas ele não te respeitou e eu odiei ver aquilo. Prometi não te contar se ele nunca mais se aproximasse de você outra vez...
— Deve ser por isso que gosto tanto de você. — Suspirei.
— Deveria estar chateada com aquele idiota.
— Não sinto nada por ele, eu nunca me importei com ele nem antes e nem agora. É apenas mais um homem comum regido pelo seu órgão reprodutor.
Peter riu, não, gargalhou.
— De qualquer forma, eu dei um fora nele hoje. — Contei e me diverti em ver seu semblante se iluminar.
— Yes! — Ele fechou o punho.
— Bobo. — Continuei rindo e voltei para o meu prato que estava colorido com as verduras que ele usou na receita.
Peter me deixou escolher o filme enquanto fazia algo na cozinha, algo esse que veio em forma de chocolate quente depois. Escolhi o filme As férias da minha vida, porque gostava e queria assistir de novo.
— Eu me inscrevi na pós-graduação. — Falei de repente, o que fez Peter se virar para mim com um bigode de chocolate.
— Sério? Achei que não gostasse muito da área.
— Mas prefiro estudar que atuar nela... Muita loucura? — Choraminguei.
— Não, claro que não. Eu apoio. Mas será que vai dar conta com o trabalho?
— Se eu passar na seleção vou me demitir. Talvez ganhe uma bolsa de estudos e acho que vai ser legal.
Peter riu, mas pareceu preocupado.
— Mila, você sabe que pode investir em si mesma e nem precisa dessa bolsa de estudos. Seus pais ficariam tristes se a visse ignorando tudo que deixaram para você.
— Não quero falar disso. — Torci a boca e bebi um pouco do chocolate, amuada no canto do sofá.
— Desculpe. — Peter colocou sua caneca na mesinha de centro e fiquei sem reação quando ele tomou a minha caneca também. — Vou te beijar agora.
Estreitei meus olhos, não queria parecer tão ansiosa. Mas ele riu e se aproximou mesmo assim. Permiti seu encanto fazer efeito, e senti o gosto do chocolate se misturando com o nosso.
— Posso dormir aqui? — Perguntei depois que nossos lábios se afastaram. — Não quero ir embora.
Ele parecia pronto para continuar e murmurou algo que não pude entender antes de me beijar novamente.
— Peter?
— Só tem um quarto. — Ele respondeu, mas não parecia querer conversa.
— Isso é um problema? — Insisti rindo depois de mais um beijo demorado.
— Sobre o que? — Peter perguntou rindo também.
— Eu dormir aqui hoje. — Franzi o cenho perdendo o jeito, já que ele estava finalmente observando sobre o que eu estava falando.
— Pode ficar, é claro.
Mas talvez Deus não quisesse que nada acontecesse, já que a campainha tocou segundos depois. Ele ergueu as sobrancelhas ainda fitando a porta.
— Quem será? — Murmurou levantando.
Fiquei atenta quando ele abriu a porta e sorri sem jeito quando Theo entrou. Desliguei a TV, que ainda estava passando o filme, o qual nem estávamos mais assistindo.
— O que está fazendo aqui? — Peter disse recebendo um abraço do seu amigo.
— Nossa, você está cheiroso. — Theo respondeu cheirando Peter. — Ah, Mila! Oi!
Ele levantei do sofá e aceitei o abraço do Theo. Queria rir da situação, mas sentia como se fosse pega no flagra. Pisquei sem jeito quando Theo me cheirou.
— Peter está roubando seu perfume. — Sussurrou antes de se afastar.
— Theo, o que está fazendo aqui a essa hora? — Peter insistiu vendo o rapaz se sentar no sofá e me puxar para ficar ao seu lado.
— Me sinto só e soube que estava de atestado então vim te fazer companhia. — Theo choramingou fazendo um bico. — Ninguém mais quer ficar comigo.
— Eu também não quero. — Peter cruzou os braços e eu fiz uma careta para ele me sentindo mal pelo Theo.
— O que houve, Theo? — Perguntei me virando para o rapaz, que parecia amuado no canto como um filhote.
— Todo mundo tem alguém ou está ocupado. — Ele respondeu suspirando. — William só quer saber da Helen, Robert mora com a Mary, Ethan não deixa ninguém ficar com a Hana, Natan fez uma viagem da empresa e James... Ele disse que tinha que acordar cedo porque agora ele faz caminhadas todos os dias e pediu que eu não fosse... Ele me trocou por uma caminhada!
— Todo mundo tem sua própria rotina. — Toquei seu braço, mas ele apenas suspirou. — O que você tem feito? Como vai a graduação?
— Eu apenas pratico todos os dias. Estou começando a odiar violinos. — Bufou e sorri compadecida. — Às vezes penso em desistir de tudo.
Theo era inclinado para a música, e todos esperavam que ele entrasse no ramo, já que sua família tinha uma enorme empresa que produzia instrumentos musicais. Ele tentou tocar de tudo, e parecia realmente bom em tudo, mas todos os professores diziam que ele era inclinado para o violino. Porém poucas vezes pude vê-lo tocar.
— Mas você é tão talentoso. — Peter sentou-se do outro lado, mantendo Theo entre nós. — Não pode desistir. E a história de ficar sexy com a roupa da apresentação? Você adora tudo isso!
— Eu parei de fazer apresentações e neguei entrar na orquestra da universidade. — Cruzou os braços.
— Se você entrar na orquestra vou assistir sua apresentação. — Falei animada.
— Você vai mesmo? — Ele sorriu animado. — Ah, mas tem alguém lá que não me suporta, acho que vai ser um saco lidar com ela, não quero.
Eu e Peter trocamos um olhar. Eu quis rir de como nosso momento romântico tornou-se uma sessão de terapia para Theo. Peter suspirou e negou com a cabeça, mas eu sorri.
— Quem não te suporta? — Perguntei ao Theo.
— A pianista. — Ele revirou os olhos.
— Peça desculpa. — Peter disse me fazendo rir. — E pronto, acabou o problema.
— Não fiz nada de errado. — Theo cruzou os braços e ficou emburrado outra vez.
Peter bagunçou o cabelo de Theo e puxou suas orelhas.
— Posso dormir aqui? — Theo abraçou Peter no sofá. — Sinto falta da sua comida.
Eu assenti sentindo empatia pela solidão de Theo.
— Eu vou indo. — Levantei conformada.
Peter tentou me levar para casa, mas pedi que ele ficasse com Theo e caminhei um pouco até a estação de metro me sentindo tão bem, que mesmo a brisa fria não me abalou.
Recebi algumas mensagens de Peter quando cheguei em casa, mas percebi que estava com muito sono, e dormi tranquila.
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