Prólogo
E lá estava Megan, com apenas sete anos. Um revólver taurus 82 de calibre 38 na mão direita. Sua mãe jogada no chão, com metade do rosto coberto por sangue e a outra metade em tons distintos de roxo. Sem sinal de vida. Seu pai ao lado, constatadamente morto. Um tiro na cabeça. Não teve tempo nem de se virar para olhar a menina nos olhos disparando a bala que finalizou sua vida. Se houvessem comparações possíveis para a cena que se passava na pequena cozinha da família, seria com um filme de terror em que não há final feliz. Há apenas o final. O final da vida de Megan. Não literalmente. Ela continuava viva, respirando, mas sua alma havia sido levada no exato momento em que matou seu próprio pai.
Megan acordou em um pulo mais uma vez após ter o pesadelo. Na verdade, a lembrança. Lembrança do dia em que se tornou um monstro.
Como de praxe, levantou-se, livrando-se dos lençóis acinzentados que a envolviam, e passou a mão pela testa para limpar a fina camada de suor que se acumulou durante os minutos desconfortáveis de sono que acabara de ter. Pensou no dia de trabalho que viria e já começou a sofrer antecipadamente. Maldita é a ansiedade que não a abandona um dia sequer. Cruzou seu quarto, arrastando os pés pelo chão cinza opaco até chegar ao seu banheiro elegante, espaçoso e totalmente equipado para, pelo menos, cinco pessoas. Lavou seu rosto, se encarando no espelho por alguns segundos apenas para confirmar sua aparência de cansaço e perturbação de sempre.
Após uma boa ducha, Megan vestiu seu uniforme: uma calça social com risca de giz, uma camisa branca de seda muito bem ajustada ao seu corpo e um paletó feminino na cor cinza escuro, formando um conjunto com sua calça. Se olhando no espelho, mais uma vez, vem o pensamento "eu pareço uma bancária"; sua aparência mais requintada e séria é exigida todas às quintas por conta das reuniões com o Conselho de Segurança Mundial composto pelos mais importantes políticos do mundo todo. Megan é a responsável da mais alta representação da S.H.I.E.L.D., uma organização de inteligência extragovernamental que tem como a única mulher entre os fundadores a agente Peggy Carter. Sua avó.
Alexander Pierce pode dizer que ela só chegou a essa posição graças ao seu sobrenome, mas é inegável a sua habilidade em espionagem. Ela pode não ganhar o devido respeito de seus colegas por não ser uma agente de campo e não conseguir nocautear cinco brutamontes de uma só vez como uma famosa agente Romanoff, mas Megan Carter é capaz de formular as mais digníssimas estratégias de combate para evitar, bem, um combate. Ela já derrubou governos utilizando apenas um walkie-talkie. Já acabou com vilões interessados em mudar o status quo político através de bombas nucleares com apenas uma frase na negociação. Faz as ameaças mais impensáveis e cruéis, sabe todos os seus medos apenas pelo seu modo de andar. É capaz de descobrir o passado de alguém apenas pelo formato de seus olhos. Ou seja, é uma arma humana muitíssimo poderosa e extremamente estratégica para a S.H.I.E.L.D. Se alguém pode comandar essa organização, esse alguém é a agente M Carter. Entretanto, ela é como um fantasma. Ninguém sabe de sua existência dentro da organização, exceto o Conselho, Pierce e Fury, os dois figurões da 'SHIELD'. É um fato que Pierce nunca concordou com a ideia de tê-la a frente de tal responsabilidade, mas, com o treinamento dado por sua avó, aos cinco anos ela já podia acabar com todo o seu bairro. Fury preferia tê-la sob sua supervisão a perdê-la para qualquer grupo terrorista que fosse usar suas habilidades para destruir o mundo. Mas, indo ao que importa, Megan chegou para mais um dia de trabalho fingindo ser apenas uma secretária dos andares mais altos, onde se localizam os mais importantes membros da organização e onde são discutidos os mais fortes pepinos. A verdade é que ela tem um andar só para si, com um escritório e diversas salas de tecnologia abarrotadas dos aparelhos mais avançados do universo, os quais nem 1% dos humanos sabem da existência. Entretanto, esse dia parecia diferente. Ela tinha o pressentimento de que algo iria acontecer. E aconteceu. Tudo começou.
Às dez horas da manhã daquela quinta feira, Nick Fury subiu à sua sala entrando sem nem cumprimentá-la. Apenas ligou o grande painel em sua parede no qual dois apresentadores de um telejornal apareceram. Embaixo, a legenda "Milionário Tony Stark desaparecido" rodava em amarelo. Ela logo ligou os pontos. Tony é o maior engenheiro e vendedor de armas do planeta, e seu sumiço não pode ter sido um acaso.
-Já entendi. Vou encontrá-lo em vinte minutos. – disse ela, já com pelo menos dezenove possíveis locais na mente em que ele poderia estar em cativeiro e com o nome de sete grupos que poderiam ter recursos para obrigá-lo a construir algum tipo de arma muito poderosa.
-Te dou dez para estar em minha sala com o local exato. Quero tê-lo de volta em nosso território em uma hora. –disse, autoritariamente, Fury. Ele pode não ter as mesmas habilidades ou o controle sobre Megan, mas sabia muito bem como dar uma ordem de forma a desafiá-la.
-Feito, chefinho. Você está radiante hoje.
Em doze segundos ela já estava sentada em seu computador pesquisando sobre as últimas aparições de Tony. Nada de importante, apenas algumas festas e jantares sociais e algumas manchetes sobre mulheres com as quais ele saíra recentemente. Na verdade, muitas manchetes, e cada uma com um nome e uma foto de uma mulher diferente.
Em dois minutos, ela já estava dentro do sistema das Indústrias Stark. Hackear sistemas era como um passatempo, e este havia sido um ótimo desafio. Geralmente ela não demorava mais de quarenta segundos. Tony realmente sabia como proteger seu patrimônio de pessoas comuns, mas ainda assim estava à sua mercê.
Em sua agenda pessoal, o último compromisso de Stark foi uma visita para venda de armas no Afeganistão. Aparentemente, ele foi capturado lá. Megan se levantou de sua cadeira e correu para o andar de baixo. Logo que adentrou a sala, encontrou um Nick sentado em sua imponente cadeira preta de couro analisando um mapa do Afeganistão.
-DEZ ANÉIS! –gritou ela, se referindo ao grupo terrorista que ocupa as mediações do local em que Stark sumiu.
-O Natal está um pouco longe, Megan. Compre você mesma os malditos anéis. –disse Nick, num tom sarcástico, alcançando o telefone em sua mesa para acionar a força tática da SHIELD.
-Esse não teve nem graça. Até a prima Sharon poderia ter solucionado em dez minutos, Nicky.
Ela já estava sentada na cadeira de visitantes de frente com a mesa de Fury num tom largado. O desdém de Megan para com Sharon é algo muito antigo. As duas competiam pela atenção da avó Peggy e isso a deixava profundamente louca. A prima possuía uma família perfeita e ainda queria Peggy somente para si. Ela não entendia que era doloroso demais para Megan ter que dividir a única pessoa que tinha em sua vida.
Ela voltou à sua sala, lendo alguns livros sobre história e geopolítica africana, sempre para guardar informações que podem ser importantes num futuro próximo. Seu celular vibrou para informar que Tony Stark já havia sido encontrado e resgatado por um helicóptero da SHIELD e estava em casa descansando.
Seu dia continuou pacato, com uma reunião com o Conselho apenas para debater sobre as ações que estavam sendo tomadas pela SHIELD, quais os casos que estavam em aberto atualmente e o que deveria ser feito ou investigado por eles em breve. Era uma agenda sem muito alarde, podendo ser facilmente manejada por Alexander. Megan continuava entediada por nada que seja de seu patamar surgir.
Foi para sua "casa", um edifício completamente coberto pela cor cinza que abriga cerca de 87% dos agentes da SHIELD. Como a maioria não tem tempo ou possibilidade de ter uma família, a organização disponibiliza todo um prédio com um estrutura muito confortável para os membros de certa importância enquanto não estão em missões internacionais. Megan já esbarrou em Natasha Romanoff algumas vezes, mas não nutre sentimentos muito positivos em relação à ela. Acha que sua fama é exagerada e que seu cabelo é muito ressecado.
Divagando sobre o que poderia estar acontecendo no mundo neste exato momento, ela sobe para a cobertura muito bem feita do prédio onde se localizam seus aposentos. Ninguém sabe disso também. Ela é como um mito que as pessoas reproduzem umas às outras. Já foi descrita como um homem velho com uma perna mecânica, uma mulher jovem e peituda que seria amante de Alexander ou Nick, mas ninguém nunca cogitou de uma jovem de 21 anos, altura mediana, cabelos castanhos que alcançam sua última costela, ser a figura que está por trás da mais complexa ala de inteligência da SHIELD.
Quando chegou, foi direto ao seu quarto para se jogar em sua cama. Ligou a TV e lá estava passando um documentário sobre Howard Stark. Ele teve uma vida muito interessante, ela pensou. Conheceu e trabalhou com o lendário Capitão América, construiu uma vida de muito luxo através da fabricação e venda de armas cada vez mais tecnológicas e ainda conseguiu formar uma família. Tony é filho único. Morreu, entretanto, em um acidente de carro, estranhamente sem muitos detalhes. Ela nunca se interessou pela família Stark, já que Tony não passava de um playboy mimado que achava que tinha tudo aos seus pés, sendo o "tudo" as festas, dinheiro, mulheres e fama.
Após algumas horas deitadas em frente à TV, Megan pegou no sono. E, com ele, chegou sua tormenta.
Ela estava em seu quarto, amarrada por uma corda muito grossa e nada confortável. Ouvia os gritos desesperados e cada vez mais altos de sua mãe e isso era o suficiente para ela rasgar a pele dos próprios pulsos deslizando as mãos sem nem pestanejar para se livrar daquelas amarras. Quando finalmente se soltou, seu sangue escorrendo pelos pequenos cortes que havia apenas feito, ela foi até o quarto de seus pais, passando a mão por baixo da cama até que tocou o pedaço de metal frio que procurava. Sentiu um choque. Estava com medo do que ia fazer. Mas era necessário. Ela só queria assustar seu pai, tirá-lo de perto da sua mãe e mandá-lo embora para que as duas finalmente tenham seu final feliz. Poderiam se mudar para a Califórnia. Ou Orlando. Ela sempre ouvira muito sobre as praias e os parques que Sharon visitara no verão com seus pais. Segurou a arma que sua mãe pensava esconder e foi até a cozinha. Os gritos já haviam parado. Torceu para que talvez nem precisasse mostrar o que segurava. Para que, talvez, ele já houvesse ido embora, assim ela poderia apenas juntar as malas e partir com sua mãe. Mas, quando chegou à cozinha, se deparou com a cena. Sua mãe. Jogada no chão. Sem a parte de baixo da roupa. Estuprada. Agredida. Pelo marido alcoolizado. Mais uma vez. Aquele foi o ponto em que ela já não mais se importava com os parques, ou com as praias. Apenas queria ele fora. Custe o que custar. E custou.
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