CAPÍTULO 4
A noite estava estupidamente gelada e eu não tinha nenhum casaco, vestia apenas uma calça moletom rosa e uma fina regata branca, a roupa que eu havia escolhido para usar naquela fatídica manhã, nunca imaginei que seria sequestrada vestindo aqueles trajes.
Eu tremia de frio e de medo? Sim. Eu estava apavorada, queria ir para casa, queria um remédio para dor e um chocolate quente para me aquecer. Mas tudo o que eu tinha no momento era um trio de malucos, e um deles me levava em direção á alguém que eu não sabia se me salvaria ou me levaria para a total perdição.
Conforme caminhava, minha visão foi se ajustando a penumbra da noite e a leve claridade proporcionada pela lua, que vinha surgindo no alto do céu. Entorpecida pela adrenalina que percorria meu corpo, tropecei em um amontoado de cascalho e quase caí no chão de terra batida, mas Martin foi rápido o suficiente para me manter em pé.
- Não tenha medo, Sophia. – Martin sussurrou no meu ouvido. – Ele só quer saber se você está bem.
- Uhum. – Foi a única coisa que consegui pronunciar, quando a sombra do homem misterioso tomou forma e vi que estava sendo levada em direção á Lion. Mesmo com o perturbado momento em que estivemos na noite do assalto, reconheceria seu corpo sob qualquer condição de tempo ou lugar.
De estatura imponente, ombros estreitos e o cabelo castanho cortado bem baixo. Lá estava ele todo vestido de preto, parecia ter saído de um filme de época. Não conseguia ver as feições de seu rosto, mas eu sabia que era ele.
- Olhe aqui, Lion. Ela está bem. – Martin parecia defender-se.
Lion fez sinal para que eu chegasse mais perto e tive vontade de fugir. Dei dois passos em sua direção e ele foi ao meu encontro, notou a mancha de sangue por cima de minha regata. Balançou a cabeça de um lado para o outro.
- Martin seu idiota. Não é difícil me obedecer, ou é? – Lion falava alto e andava de um lado para o outro.
- Não tivemos escolha, Lion. Ou a trazíamos conosco ou Elias a encontraria, vimos a protetora nos arredores do apartamento – Martin olhou-me e voltou a olhar para o Lion. – Não dava para ela sozinha.
Quem é Elias?- Pensei.
- Eu falei que tinha um plano, merda. Agora Elias está furioso e eu não sei o que farei para conseguir mantê-la em segurança.
- Por favor, Lion... – Martin não conseguiu terminar a fala, pois foi atingido por um soco no queixo. – Argh!. – Ele limpou o sangue que escorreu na lateral do lábio, mas não revidou. Tive vontade defender Martin, mas eu não sabia bem se deveria defender a pessoa que tinha me sequestrado.
- Agora terei que cuidar dessa bagunça que vocês criaram. – Lion abriu a porta do carro e fez sinal para que eu entrasse. – Sophia, entre no carro. – Ordenou e a luz da lua refletiu em seu rosto, pude notar que ele estava irritado.
Naquele momento, correr não era uma opção. Estava escuro demais e seria impossível fugir de quatro pessoas. Olhei para Martin e ele deu de ombros, procurei por Gouiva e não a encontrei, talvez estivesse no carro com Daniel.
- Martin? – Um turbilhão de pensamentos me ocorreu, era seguro trocar Martin e sua turma por Lion? De toda forma, mesmo brigando, eles pareciam estar juntos no sequestro.
- Vá com ele, Sophia. Te vejo em breve. – Ele sorriu e seus lábios voltaram a sangrar.
Respirei fundo e obedecia à ordem de Martin, seja lá qual for o plano dele, eu vou fugir. Uma hora ou outra ele terá que dormir e eu poderei fugir.
Alguns segundos após entrar no carro, Lion também entrou, respirou fundo, virou-se para mim e pediu para ver minha atadura. Obedeci.
- Você precisa trocá-las com urgência. – Disse ele. – Sente dor?
- Sim, sinto. – Não tinha me dado conta do tanto que meu corpo doía. Talvez a adrenalina de toda a situação anterior pudesse ter me impedido de notá-la e o cansaço começava a me dominar. E para meu total espanto, as palavras de Lion me arrebataram.
- Cuidarei de você.
Ele ligou o automóvel e partimos em direção as luzes da cidade á nossa frente. Queria perguntar a ele o que aconteceria depois, se me manteria como sua prisioneira ou se me mandaria de volta para casa, mas estava cansada de mais para fazer qualquer pergunta. Fui me deixando levar pela música baixa que tocava no player e o leve ruído do motor, apoiei minha cabeça no encosto do carro e adormeci.
**
- Acorde Ruiva. – Ouvia uma voz me chamando. – Ei, preciso fazer um curativo em você, acorde.
- Hmmm. – murmurei. – Onde estou?
- No meu carro. – sussurrou. – Estamos em frente à casa de uma amiga. Vamos entrar assim você poderá tomar um banho e trocar as ataduras. Não precisa ficar com medo, ninguém vai te machucar, só quero cuidar de você pra sua ferida vai infeccionar.
Como confiar em alguém que é cumplice do seu sequestro? Fingi concordar e assenti com a cabeça.
- Ótimo. Vamos entrar. - Ele saiu, deu a volta, abriu a porta do carona e me auxiliou a sair do carro.
A casa na verdade era uma cabana feita de troncos de árvores, com apenas quatro cômodos, sendo uma sala com uma lareira e tapetes de couro de animais com uma cabeça de veado pendurado em uma das paredes e um grande relógio na parede contrária. Uma cozinha com um fogão a lenha. A porta do banheiro estava aberta, pude ver havia uma pequena banheira antiga.
- Onde está a sua amiga? – perguntei enquanto estrávamos na cabana.
- Ela está em outra cidade, mas me deu autorização para ficarmos aqui. – Disse ele enquanto acendia a lareira da sala.
Quanto tempo ficarei aqui? Muitas perguntas em minha mente, nenhuma delas com resposta.
- Venha. – Disse ele, seguido até o banheiro e ligando a água quente para encher a banheira. – Aqui estão os sais de banhos. – Colocou um pote azul na lateral da banheira.
Eu precisava tomar banho e cuidar do meu ferimento, peguei o pote azul e fiquei esperando que ele saísse do banheiro.
- Com licença- pedi.
-Ah, me desculpe. Vou ver se encontro alguma roupa de Diana que dê em você. – Girou nos calcanhares e saiu.
Finalmente um banho.
Os vapores que levantavam da banheira contrastavam-se com o frio que fazia lá fora e me convidavam para um banho aconchegante. Conforme deslizava pela água quente, cada pedacinho do meu corpo ia sendo tomado por uma estranha calmaria. Senti vontade de ficar ali para sempre. A água quente tem um poder quase anestésico, fechei os olhos e tentei não pensar nas circunstâncias em que me encontrava.
Tinha certeza de que Helena já havia comunicado o meu desaparecimento para a polícia. Como meu celular não estava comigo, seria impossível que ela usasse a localização do GPS. Só me restara aguardar e rezar para que conseguissem me encontrar.
A água foi esfriando gradativamente, notei que sobre a cômoda ao lado da banheira, havia um roupão amarelo dobrado. Peguei-o e vesti. Saí do banheiro vestida com o roupão e uma toalha enrolada nos cabelos
Um delicioso cheiro de macarrão vinha da cozinha. Meu estômago clamou por comida.
- Encontrei algumas roupas de Diana, coloquei-as sobre a cama. Pode escolher a que servir em você. – Disse ele, ao notar a minha presença. E voltou sua atenção para o macarrão que estava preparando.
- Obrigada. – Murmurei e saí.
O quarto não era grande, havia apenas uma cama, uma escrivaninha, um armário de madeira e um espelho que ficava atrás da porta. As paredes eram simples e sem pintura, somente a cor natural de madeira dos troncos de sua construção.
As roupas de Diana eram estranhas, só tinha vestidos com mangas longas e capuz. Todos eles eram pretos com detalhes de cores diversas no capuz e por dentro das mangas. Entre o mais estranho e o menos esquisitos, optei pelo preto com detalhes verdes nas mangas e na cintura, havia botões que iam do busto á altura do umbigo. Olhei-me no espelho e me espantei ao notar que o estranho vestido combinava com o meu medalhão e comigo, era como se fosse feito somente para mim.
- Sophia. – Disse Lion batendo na porta do quarto. – Está com fome? Eu improvisei um jantar.
- Sim. – Disse, ao abri a porta do quarto. Lion pareceu engolir em seco.
- Então venha, coma e depois te ajudarei com o curativo. – Ele caminhou em direção á cozinha, onde havia dois pratos e uma tigela de macarrão sobre a mesa.
Segui-o e sentei-me à mesa enquanto ele colocava macarrão nos pratos.
- Espero que goste. Só encontrei macarrão no armário. – Ele me passou um prato e um garfo. O cheiro estava delicioso.
- Sua amiga tem umas roupas diferentes. – Disse, enquanto enrolava o macarrão no garfo e ele riu e não foi um riso sarcástico, foi um riso sincero.
- De onde Diana vem, essas roupas são muito comuns. – Ele colocou uma porção de macarrão na boca.
- Pelo menos ela é quentinha. – Podia até ser entranha, mas era muito confortável e por ter mangas longas, me mantinha aquecida.
- Você está com frio? – Ele me olhou sério.
- Até que não, o calor que vem do fogão a lenha é reconfortante. – Falei apontado em direção ao fogão logo atrás dele. Ele apenas assentiu.
Nada mais foi dito durante o nosso jantar. Lion parecia distante, às vezes pegava-o me encarando de maneira estranha.
- Lion. – Disse, quebrando o silêncio. – Você tem algum remédio para dor? – Naquele momento minha ferida latejada de tanto que estava doendo.
- Ah, tenho sim. – Ele foi para o quarto de Diana e eu o acompanhei.
Ele abriu o armário e retirou uma pequena caixa amarela.
- Diana sempre tem essa caixa de primeiros socorros. Para dor tem Tylenol e também tem ataduras novas. Deite-se, vou fazer um curativo em você.
- Hmmm, deixe que eu mesma faço o curativo. Apenas vire-se de costa – Disse fazendo sinal para que ele virasse para o outro lado.
- Oh, claro. – ele entregou-me a caixa e virou-se.
Em poucos minutos desabotoei todos os botões da parte da frente do vestido. Limpei a ferida com iodo e fiz o curativo com ataduras novas.
- Pronto – falei enquanto abotoava o penúltimo botão do vestido. Ele virou-se devagar.
- Você está bem? – questionou.
- Sim, mas com tudo o que passei hoje, estou muito cansada. – Bocejei.
- Você pode dormir aqui na cama de Diana. – Ele pegou um travesseiro no armário e me entregou.
- E você? – questionei.
- No sofá. – disse enquanto pegava outro travesseiro e um cobertor. – Espero que não esfrie mais, o único cômodo com aquecimento é o quarto.
- Já que o quarto é mais quente que a sala, você pode colocar alguns cobertores naquele canto. – Disse, e apontei para o chão no lado direito da cama.- E assim ficará mais aquecido.
- Você não se importaria? – ele parecia meio sem jeito.
- Não. E já percebi que o frio está aumentando. Aqui está quentinho. – De fato estava muito frio e o vento chicoteava violentamente contra a porta e as janelas da cabana.
Deitada, fiquei observando os malabarismos de Lion para deixar sua cama confortável. Ele então tirou todos os cobertores do armário e pegou as almofadas do sofá da sala e improvisou uma cama ao lado da minha.
Ele apagou a luz do quarto e ficamos na total escuridão.
***
Acordei com um barulho estrondoso vindo do lado de fora. Lion levantou assustado e correu para ver de onde vinha o barulho.
- Merda! – gritou ele. – Levantei e fui ver o que estava acontecendo.
Com a força do vento, um galho acertou uma das janelas da sala e o vidro quebrou. O vento atingia de maneira violenta a pequena cabana. Lion andava de um lado para o outro a procura de alguma coisa para tapar o buraco da janela.
- Ruiva, veja se no quarto tem algum pedaço de madeira. - Obedeci e revirei o quarto, mas não encontrei nada.
- Lion, não tem nada lá.
- Porra! Não tem nada aqui na sala e nem na cozinha. Se não taparmos essa janela, morreremos congelados. – Disse ele, enquanto vasculhava dentro do banheiro.
Foi quando tive a ideia de pregar as cobertas na janela. Havia quatro cobertas na cama improvisada da Lion. E eu notei que na cozinha havia um martelo e alguns pregos.
- E se você pregar as cobertas na janela? É a única coisa que temos. – apontei para o martelo. – Ele me olhou de maneira estranha e sacudiu a cabeça.
- Não vai segurar muito o vento. – ele caminhou em direção ao quarto e voltou com as cobertas.
- Eu sei que não vai segurar muito, mas vai diminuir as rajadas e isso já ajuda.
- Vou precisar de seu auxilio. – Ele me deu as cobertas. – Segura que eu vou prendê-las. – Ele então pegou o martelo e os pregos, subiu em uma cadeira que pegou na cozinha e começou a cobrir o buraco.
- Colocar mais um prego ali. – Apontei em direção á ponta de uma coberta que estava solta na parte de cima do lado esquerdo da janela.
- Essa parte aqui? – Ele apontou para a parte certa e eu concordei. – Pronto!
A janela estava coberta, mas o vento atravessava as fibras dos tecidos e a pequena cabana ficara muito gelada. Voltei para o quarto no intuito de me aquecer, mas o aquecedor não era suficiente já que o vento soprava muito forte. Comecei a tremer.
- Você não parece bem. – Lion percebeu que mesmo embaixo das duas únicas cobertas que deixamos fora da janela, eu estava tremendo. – Isso não é bom, você vai acabar tendo uma hipotermia.
- E-eu est-tou bem. – Não conseguia falar, pois meu queixo tremia de frio.
- Pegue a minha coberta, também – Ele estendeu sua única coberta sobre mim.
- E... vo-cê? - tentei falar.
- Eu me viro – Disse ele indo em direção á sala.
Ele ia dormir na sala, que no momento era o local mais gelado de toda a casa e sem nenhum cobertor. Eu tinha certeza de que me arrependeria do que estava preste a fazer, mas não deixaria Lion morrer de hipotermia.
- Lion. Du-durma comi-mi-go. – Era impossível falar com toda a tremedeira.
Ele olhou-me com surpresa, balançou a cabeça em sinal de negação. Caminhou em minha direção, pareceu pensar um pouco. Parou, fitou-me por alguns instantes.
- Eu não deveria fazer isso, mas dadas as circunstancias talvez essa seja uma solução plausível. O corpo humano tem um curioso sistema de troca de calores, talvez com a proximidade dos nossos corpos, o calor possa diminui. – Ele me fitou por alguns instantes, então apagou a luz e eu pude ouvir seus passos caminhando em direção minha direção.
Nunca pensei que o perigo se tornaria a minha âncora. Aquela que nos prende e nos envolve, mantendo-nos onde deveríamos estar, e não nos deixando fugir. Lion deitou ao me lado e pude sentir o calor de seu corpo próximo ao meu, minha garganta secou, meu coração disparou. O frio foi se dissipando e o calor nos envolvendo enquanto o mundo foi desaparecendo, restando apenas o barulho de nossas respirações e eu pude notar que a dele estava tão alterada quanto a minha. É o frio, pensei e então adormeci.
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