CAPÍTULO 1
Houve um tempo em que eu acreditei que após a morte, tudo estaria acabado. Não haveria mais dor nem tristeza, onde a solidão seria o remédio que curaria as dores que carrego na alma.
Eu poderia nunca ter entrado naquele carro, mas se não tivesse entrado, não estaria aqui, tentando me decidir se morrer é ou não a melhor opção.
Era uma noite de inverno, estava absurdamente frio e eu havia bebido mais do que estou acostumada. Helena e eu estávamos comemorando meu aniversário de 19 anos e ela parecia não estar nem um pouco interessada em ir embora.
- Ai, Sophia. Não seja careta, tome mais uma cerveja – disse ela, enquanto se agarrava á Marcos, um carinha que ela havia conhecido mais cedo. Eu realmente não conseguir entender o que ela viu nele, apesar de ser muito simpático, ele fedia a esgoto.
Olhei para o relógio que ficava na parede do lado oeste do bar, já passava das 3 da manhã e já não havia quase ninguém no local, apenas alguns poucos casais bêbados. Por alguns instantes senti que não deveria estar ali, senti uma vontade desesperadora de ir para casa.
- Não, Helena. Não me sinto bem – Não menti, pois de fato algo em mim não estava bem, talvez já estivesse bêbada, - Você vem comigo?
- Hmm, Marcos e eu temos outros planos – Disse ela, dando um sorrisinho sarcástico. – Pode ir sem mim, amiga. – ela então se voltou para Marcos que esboçou um cara de felicidade ao notar que eu estava de saída.
Peguei minhas coisas e fui para o lado de fora da boate, estava tentando chamar um taxi, mas a linha estava ocupada. Santo Deus estava muito frio do lado de fora. Encolhi-me em um cantinho e notei que um vulto vinha em minha direção, ao tempo de piscar e voltar a olhar na direção de onde avistei o vulto, ele desapareceu. O álcool estava me fazendo ter pequenas alucinações.
Lembrei-me que havia um ponto de ônibus a 4 quadras de onde eu estava e ainda não tinha conseguido fazer a ligação para o taxi. Resolvi caminhar até o ponto e ir de ônibus para casa, já que eu estava cansada demais para tentar conseguir um taxi.
A cidade inteira dormia e eu era a única pessoa caminhando na rua. Nunca havia reparado como a noite é silenciosa e eu aprecio o silencio. Todas as casas com suas luzes apagadas e a única claridade disponível eram as lâmpadas de ruas. Um cachorro passou por mim e eu me assustei.
Fui tomada por uma estranha sensação de estar sendo seguido, o medo fez com que todos os pelos da minha nuca se ouriçarem. Continue andando, não pare. Uma vozinha sussurrava em meus ouvidos. Continue, não olhe para trás.
Por algum motivo a temperatura pareceu cair ainda mais e o frio me deixava mais lenta. Corra, corra muito – Não pensei duas vezes e obedecia aquela voz e corri desesperadamente, olhei para trás e não vi ninguém. Cheguei ao ponto e lá fiquei por um bom tempo, até que ônibus passou, mas não parou, o motorista nem sequer notou que eu estava aguardando.
Merda! Terei que ficar mais um pouco. Ainda sem sucesso ao tentar chamar um taxi.
Então senti a gélida faca encostada á minha cintura. Olhei para o lado e ali estava o mesmo vulto que havia visto no beco da boate. Era um homem louro, ele estava visivelmente nervoso, falava com dificuldade.
- Calada, ruiva. Passe-me a bolsa. – Não sei se era o medo ou o frio, mas eu fiquei sem reação, travei por completo. Meu coração batia descompassado, meu corpo não respondia aos comandos indicados pelo cérebro. – Você cheira bem, ruiva. Acho que não quero só sua bolsa – ele então segurou meus cabelos e eu comecei a chorar.
- Por favor, não me machuque, leve a bolsa...
Foi tudo o que eu consegui falar, pois para meu total desespero, um carro veio como eu raio em nossa direção, e por alguns instantes, pensei que fosse um possível comparsa. De dentro do carro saiu um jovem que se vestia totalmente de preto, parecia ter saído de um show de rock.
O homem com a faca empertigou-se e me puxou para junto dele, com a faca encostada em minha cintura.
- Não se atreva a me atrapalhar, Lionel – Bufou o louro, apertando a faca e me fazendo a senti-la quase me perfurando. Sua respiração era acelerada e notei que ele sentia medo.
- Você sabe que ela não deve ser ferida, Ezequias. Solte-a. – O tal Lionel, falou com a voz de trovão, enquanto caminhava em nossa direção.
- Não! – disse Ezequias. – Você sabe que não será capaz de impedir a profecia, Lion. Deixe-me acabar com tudo agora mesmo.
Hã, profecia? Era só o que me faltava, eu estava sendo assaltada por dois loucos.
- Você sabe que nunca deixo um serviço pela metade, Ezequias. – Lionel olhou-me de soslaio e em uma fração de segundos, tudo aconteceu muito rápido.
Lionel se jogou em cima de Ezequias que ao tentar escapar da investida, acabou cortando-me e me jogando para o lado. A dor me fez encolher e urrar como um animal no abatedouro. E, enquanto eu gritava de dor, Lionel e Ezequias lutavam como dois felinos.
Lionel deu-lhe um soco que fez com que Ezequias tombasse em minha direção, mas ele se levantou e partiu para cima de adversário com a faca empunhada. Lionel foi mais rápido e conseguiu tomar-lhe a faca.
Ezequias levantou as mãos para cima, em sinal de trégua e rendeu-se.
- Desculpe-me Lionel. – disse, olhando diretamente para mim – King, eu não duvidei de sua capacidade, mas tive medo. Por favor, pode matá-la o senhor mesmo.
King? Eu precisava sair dali, mas eu estava sangrando e sentia muita dor, mal conseguia me levantar.
Lionel fitou-me por alguns instantes e depois á Ezequias. Quando finalmente falou, algo em sua expressão me assustou. Ele caminhou até Ezequias e disse:
- Matá-la? Não hoje! Mas você, bem, você morre agora. – Lionel então enterrou a faca no coração de Ezequias e o observou perder os sentidos.
Não hoje!. Ele pretendia me matar? Eu precisava fugir, mas minhas pernas estavam travadas e a dor lancinante me impedia de tentar fazer qualquer movimento. Pedi aos céus para que Helena viesse ao meu encontro, mas tudo o que eu via á minha frente, era Lionel segurando a faca encravada no coração de Ezequias. O uivo do vento gelado, fez com que todo o meu corpo estremecesse e a dor aumentou.
Quando Lionel finalmente levantou-se, caminhou em minha direção e muito sério pediu para olhar a minha ferida. Ele parecia divagar entre me socorrer ou fugir.
- Não ouse tocar em mim – Gritei apavorada, enquanto olhava o corpo de Ezequias caído ao meu lado.
- Acalme-se, você precisa de um médico. Vou pegá-la no colo e te levarei de carro ao hospital – Sua voz era autoritária.
- Você acabou de matar um homem – Pelo estado da minha voz, notei que estava entrando em estado de choque.
- Se não fosse o corpo dele caído aqui, seria o seu. Não seja marrenta e vamos logo.
- Marrenta é sua mãe – Rugi de volta – Temos que chamar a polícia.
- Que garota estupida! Quer sangrar até morrer? – Lionel indagou-me e eu estremeci. – Você precisa de cuidados médicos.
- Ligue para a emergência e deixe-me aqui. Eu não vou com você para lugar algum. – Comecei a chorar.
- Você é louca, ruiva?
- Não me chame de ruiva – rugi em meio à vontade de gritar de tanta dor. – Meu nome é Sophia.
Eu não havia notado, mas ao meu redor acumulava-se uma pequena poça de sangue. Levantei a beirada da blusa e notei que o corte do lado direito era maior do que eu imaginava.
- Sophia, veja bem. Você está sangrando, está muito frio, não tem ninguém passando na rua e se eu ligar para a Emergência o socorro vai demorar em chegar. – Sua voz já não era tão autoritária. – Deixe-me ajuda-la.
Naquele instante, me odiei por ter saído de casa. Eu poderia estar em casa, dormindo tranquilamente, mas ao invés de estar no conforto da minha cama, eu estava sentada em uma calçada, com o lado direito de minha cintura se desmanchando de sangue e dor. Não conseguia me decidir se deveria ou não fugir de Lionel.
Com muita dificuldade, consegui me levantar e com as duas mãos eu pressionava a minha ferida em uma inútil tentativa de tentar estancar o sangue. Consegui dar não mais que 10 passos e caí.
- Sophia, não faça isso – Lionel vinha logo atrás de mim.
- Deixe que eu me viro, Lionel – Eu precisava fugir daquele assassino. Ele havia matado Ezequias a sangue frio e algo em minha mente me dizia que de alguma forma eu também seria sua vítima. Matá-la? Não hoje! Foram as palavras dele. Eu realmente estava em apuros.
- Eu só quero te ajudar. – disse ele estendendo-me a mão.
- Não. Você matou Ezequias a sangue frio. – Eu queria correr, mas não conseguia mais me levantar. Estava ficando zonza.
- Ele ia te matar, sua tola. – Disse ele novamente com a voz autoritária.
Maravilha, agora ele estava irritado.
- O quê? Ele se rendeu. Você o matou do mesmo jeito. - Olhei para o corpo de Ezequias caído a alguns poucos metros de onde eu estava – Meu Deus! Vão achar que eu sou sua cúmplice.
- Dá pra parar de teimar e vir logo? Você está perdendo muito sangue. Olhe, se eu não o tivesse matado, ele te mataria na primeira oportunidade. Ele era perigoso.
- Ele era seu conhecido, você sabia o nome dele! Seu nome é mesmo Lionel? De onde você surgiu? Argh! Pela Virgem Maria, eu ia morrer.
- Sim, eu o conhecia, já trabalhei com ele há muito tempo atrás, mas ele preferiu quebrar as regras. Sim, meu nome é Lionel e de onde eu surgi não importa. Agora por favor, deixe-me cuidar de você, ou ter matado Ezequias para tê-la salvo não terá adiantado de nada.
Um golpe no meu orgulho, ele estava certo.
Olhei para a rua vazia, e dei-me conta de que, aquele momento, mais se parecia com uma cena de filme de terror do que como uma noite de comemoração de aniversário. Eu não disse nada, mas assenti com um balançar de cabeça.
Tentei me levantar para caminhar até o automóvel, mas ele não me permitiu sair do lugar. Pegou-me no colo caminhou em direção ao carro.
O cansaço e a dor estavam me fazendo perder as minhas faculdades mentais. Ali nos braços de Lionel, senti-me protegida de todo o mal. Eu nunca tive alguém que se preocupasse comigo e que cuidasse de mim. Lembrei-me da infância conturbada, mudando de um lar adotivo para o outro, de família em família, sem nunca ter sido amada e cuidada por alguém. Deixei as lágrimas rolarem.
Aninhei-me em seus braços e senti que ele enrijeceu-se. Este homem acabara de matar uma pessoa para resguardar a minha vida e perigoso ou não, eu seria eternamente grata. Uma vida por outra vida.
- Ei, ruiva. Você perdeu bastante sangue, mas não se preocupe você ficará bem.
- E o corpo de Ezequias? – Questionei.
- Ligarei para a polícia e contarei tudo o que ocorreu. Não se preocupe.
Ele deitou-me no banco traseiro do carro, e ainda levemente inclinado sobre mim, fitou-me por alguns segundos, foi quando notei a cor de seus olhos, o âmbar mais límpido que eu já vi na vida.
- Obrigada – Sussurrei. Sentia-me sonolenta e notei que minha consciência estava dando sinais de falha.
- Não me agradeça, ruiva. Apenas fique bem, ok? – ele sorriu
- Já te falei que meu nome é Sophia.
- Sim. Eu sei disso, Ruiva.
- Você é um idiota, Lion. – Meus olhos insistiam em fechar-se e mesmo tentando mente-los abertos, minhas forças e meu cérebro já não andavam na mesma direção.
- Lion – Repetiu ele de maneira reflexiva. Pude notar por seu tom de voz que ele ostentava um sorriso, pois as palavras que ele proferiu foram as ultimas que eu consegui entender antes de perder a consciência. – Sim, Sophia eu sou um idiota.
Tudo escureceu e foi a partir daí que tudo na minha vida mudou.
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