Vinte e nove
⚠️Atenção⚠️
Esse capítulo pode conter cenas sensíveis para algumas pessoas. Seja cauteloso (a) com a sua saúde mental. Não prossiga com a leitura caso sinta-se incomodado.
Boa leitura.
A segunda feira surgiu sem que eu pregasse os olhos.
O que era péssimo, visto que eu teria uma longa cirurgia de transplante de coração pela frente. Para executarmos com perfeição o plano, era necessário agir com naturalidade, o que talvez seria a parte mais difícil pra mim.
Eu observava o Michael dormir ao meu lado, na sua cama, de forma angelical. Seu torço estava nu, sua barriga virada pra cima, porém o seu rosto estava na minha direção.
Agora que o meu pedido de misericórdia havia sido concedido, voltei a sentir o caos pulsar novamente dentro de mim.
- Já acordou? - sua voz saiu preguiçosa e rouca.
- Eu não dormi - sorri fraco.
- Vai dar tudo certo, Anne, eu vou estar lá o tempo inteiro - assenti e o beijei nos lábios - Porra, acordar com você é melhor do que eu me lembrava - sorri e o abracei - Quer desistir? Podemos simplesmente fugir! México não deve ser tão ruim assim... - ri e senti a ponta dos seus dedos acariciar a raiz do meu cabelo.
- Não, temos que fazer isso...
- Então fica tranquila. Vai dar tudo certo, meu amor, você vai ver... - fiz que sim com a cabeça.
Com muito custo, sai do aconchego do Mike. Ingeri dois comprimidos de cafeína e me arrumei para o grande e caótico dia.
Se eu soubesse que seria o pior dia da minha vida, talvez teria me dado o luxo de usar o meu Louboutin.
Cheguei trinta minutos antes do meu horário, afim de repassar mentalmente os procedimentos da cirurgia. Quando, por fim, chegou o momento, respirei fundo e mergulhei de cabeça no que deveria ser feito.
- Pronta, doutora Steinfeld? - Tyler perguntou à mim quando já estávamos na sala de cirurgia.
A galeria estava cheia. Ninguém queria perder o astro do rock de traumatologia fazer um transplante de coração. A paciente já estava sedada e todos estavam apreensivos.
- Sim - ele assentiu nitidamente alegre.
- Lâmina dez - pediu a enfermeira com firmeza.
Foram quatro horas cronometradas de cirurgia. Quatro horas apreensivas, tensas, em que eu pensei, diversas vezes, que não daria certo. Mas deu. A genialidade do Tyler me surpreendeu mais uma vez e, com excelência, implantou o coração na paciente.
Todos o aplaudiram ao finalizar a cirurgia. Inclusive eu.
Mas era custoso acreditar que, um homem tão genial quanto ele, aloque os seus esforços para traficar pessoas e órgãos.
Após a longa cirurgia, foi me concedido um intervalo. Tratei de ir para os dormitórios e dormir todo o tempo que me foi concedido, afim de não encontrar o Tyler. Eu não aguentaria fingir ser namorada dele. Não depois de tudo.
Nojo era o mínimo que eu sentia.
Quando acordei, já estava próximo da hora do jantar de gala do hospital, portanto já fui ao vestiário me trocar. Só os funcionários mais importantes do hospital haviam recebido o convite.
Quarterback ♥️
Tudo certo? Já estou aqui.
Anne
Estou terminando de me arrumar. Boyle já está aí?
Quarterback ♥️
Sim. Eu vou abordar ele assim que você me der o sinal. Você terá exatamente sete minutos, depois não garanto que consigo distraí-lo.
Anne
Pode abordar ele! Estou indo. Eu te amo.
Mike
Te amo. Te vejo daqui a pouco.
Assim que o Michael respondeu. Olhei os dois lados do corredor e entrei na sala do Boyle.
Céus, me ajude! Me ajude!!
A sala estava escura e vazia. Caminhei instintivamente até a minha visão se acostumar, visto que acender a luz poderia gerar suspeitas. Fui até o seu banheiro e senti o meu coração pulsar fortemente contra o meu peito.
Aguenta, coraçãozinho. Agora não temos tempo para um ansiolítico!!
Digitei exatamente os números que o Richard havia me dado. Uma porta oculta se abriu do revestimento da parede. Foi a situação mais horripilante que eu já vivenciei! Trilhei o corredor, que parecia ter saído de um filme de terror, com direito a luzes piscantes e tudo.
A maçaneta era fria e, ao abrir a porta, um vento gelado me cercou. Era uma sala refrigerada com várias prateleiras na parede, recheadas de coolers de órgãos. Haviam órgãos recém tirados dentro, outros estavam vazios. Havia um relógio que marcava o horário para saída do hospital de cada órgão.
Fotografei tudo o que consegui e sai da sala. Andei a passos apressados pelo corredor horrível.
Ufa! Deu certo! Nem acredito!!
Anne
Peguei tudo! Tô saindo!!
Encostei a porta oculta com cautela e continuei o meu percurso apressada. Uma euforia se instaurou no meu coração. Era só eu me perder nos braços do Michael. Do meu amor Michael.
- Eu te subestimei - a luz da sala do Peter acendeu. A voz do Tyler soou, de maneira que me assustou e me fez parar bruscamente a caminhada.
Instintivamente me virei na direção que a sua voz saiu. Ele estava sentado na cadeira do Peter, com uma perna apoiada em cima da outra e uma postura relaxada.
Eu estava tão desesperada que não o vi.
De repente, a sensação caótica se consolidou no meu peito. Uma enxurrada de sentimentos que me diziam que a tempestade estava perto.
Muito perto.
Fiquei estática, muda, em choque.
Ao perceber isso, um sorriso pesaroso se formou no seu lábio e ele continuou...
- Achei que o meu amor por você bastaria, mas eu estava errado... - havia dor no seu semblante - você nunca me amou, não né?
- Claro que sim, Tyler...
- Então por que foi parar na cama daquele verme ontem? - ele falou em um grito que me assustou, me amuou.
Continha raiva, ódio.
Ele ficou em pé e aquele brilho de agressividade voltou para os seus olhos.
- Você também sai com a Marie! Você não pode me julgar! - o ouvir gargalhar de uma forma maléfica.
- Eu deveria ter ficado com ela mesmo. Talvez a sensação de traição não doesse tanto, mas saiba que não o fiz. Ela faz parte desse trabalho junto comigo, ao contrário de você... - aqui a voz dele aumentou um tom - que saiu com aquele verme por puro prazer!
- Tyler, se acalma... - tentei dizer de forma serena, mas a minha voz entregou o quanto eu estava com medo. Recuei alguns passos.
- Me acalmar? Eu vou me acalmar sim, quando me explicar que merda você tava fazendo aqui dentro! - cheguei até a porta de saída e tentei virar a maçaneta, porém estávamos trancados. Ele alargou um sorriso maldoso.
- Tyler, você não está bem, depois a gente...
Fui impedida de terminar a frase, por conta de um tapa extremamente ardido na minha bochecha direita, que me fez cair no chão. Um som agudo inundou o meu ouvido direito, que custou a me deixar.
- Sério! O que você pensou que ia fazer? Ia tirar foto de tudo, nos denunciar e ia ficar tudo bem? - ele deu uma risada maldosa. Eu ainda estava caída, com a mão na minha bochecha, sem conseguir subir o meu olhar do chão - Eu te dei tudo, Annelise, eu fiz tudo... Casa, carro, jóias, status... Fui seu mentor e te fiz a melhor desse lugar! Teria sido tão mais fácil você ficar ao meu lado... - ele deu uma breve pausa - Mas quando uma mulher nasce pra ser vadia o tudo torna-se nada. É vão - de repente o senti pegar na raiz do meu cabelo e me colocar em pé novamente. Eu não conseguia fazer nada, além de chorar silenciosamente e tremer - Se você não fica pelo amor, você fica pela dor.
Tyler se distanciou, pegou um envelope que estava na mesa do Peter e me entregou. Com muito custo, por conta das minha mãos tremulas, consegui abri-lo. Haviam fotos minhas na boate com as prostitutas e fotos do Danny. O olhei incrédula.
- Vamos ver quem passa mais tempo na cadeia? Se sou eu, você ou o seu amiguinho Dwane?
- Não, Tyler... você não pode... - falei e um soluço de choro escapou.
- Poder eu posso, mas eu prefiro te ter - e aqui eu cai na realidade.
Sempre foi obsessão.
Ele me cercou durante meses, me cativou, tentou de todas as formas me manter em uma vida perfeita para que eu não o deixasse.
Era obsessão na sua forma mais explícita e eu não consegui enxergar.
- Tyler, a gente pode terminar em paz, - eu dizia enquanto chorava - eu apago tudo...
- Terminar? Depois do que você viu? Desculpa, mi hermosa, mas não tem muitas opções pra você - ele sorriu com uma maldade que eu nunca vi antes.
- Por que eu? - perguntei baixo, ao ponto de mal ouvir as palavras que saíram da minha boca.
- No começo, era porque você é filha do embaixador e não levantaria suspeitas sobre mim e o Peter. Agora é porque eu te amo - nunca pensei que teria nojo de alguém falar que me ama - Agora vamos fazer o seguinte... eu vou descer. Você vai arrumar sua maquiagem e eu vou te esperar no salão de jantar - ele alinhou o seu terno no seu corpo - Não faça nenhuma besteira. Com um clique, as fotos do seu amigo vão parar na Interpol - ele se aproximou de mim e fez menção de me beijar, contudo me esquivei. Ele soltou um riso debochado, mas saiu sem insistir.
Deu tudo errado.
Na verdade deu mais do que errado.
Fui até o banheiro do escritório do Peter novamente e vi a mancha avermelhada no meu rosto. Como eu iria disfarçar aquilo?
Joguei meu cabelo pra frente e pedi aos céus que fosse o suficiente. Limpei o rímel que havia escorrido, peguei a maquiagem que havia na bolsa e retoquei o que dava.
Eu me esforçava ao máximo para sorrir simpática a todos pelos corredores pelo hospital. A minha maior prova de resistência foi andar em um salto agulha sem que os meus joelhos vacilassem.
Assim que cheguei no salão, encontrei o Michael na porta, nitidamente preocupado. Joguei ainda mais o cabelo a frente do meu rosto. A última coisa que precisávamos era que o Mike socasse a cara do Tyler na frente do hospital inteiro, com as fotos do Danny a um clique de serem enviadas as autoridades.
- Porra, você demorou! Aconteceu alguma coisa?
- Eu conversei com o Tyler na sala do Peter! Ele...
- Gostaria de chamar para o meu discurso a doutora Annelise Steinfeld! - a voz do Tyler no microfone interrompeu a nossa conversa. Ele estava no palco do salão.
Merda.
Intercalei o olhar entre o Tyler e o Michael por alguns instantes. Por fim, sorri nervosamente e me dirigi até o palco, onde ele me aguardava alegre. Nem parecia que tinha me batido a minutos atrás.
- Fico feliz pelo sucesso de cada um aqui e mais ainda pela oportunidade de aprendizado que o hospital me concede, mas se tem algo que eu amo mais do que a minha profissão, é essa mulher! - ouvi diversas pessoas fazerem sons de comoção - Com ela eu aprendi o significado da palavra alegria, companheirismo, fidelidade, respeito, amor, carinho - MEU DEUS DO CÉU, COMO EU NÃO VI A DISSIMULAÇÃO DELE ANTES???? - Aprendi a viver o lado bom da vida. E é por isso que eu quero te perguntar, na frente de todos os nossos amigos, se você aceita ser minha esposa? - Sua expressão era alegre, mas o seu olhar era intimidador.
Eu sabia muito bem o que iria acontecer se não aceitasse.
Senti o meu interior se partir em milhões de pedaços. Parecia que eu estava em um pesadelo, ao ponto de diversas vezes me beliscar para tentar me acordar.
Infelizmente, era a realidade.
A mais pura e caótica realidade.
Eu me rendi a um choro desesperado. Olhei nos olhos do Tyler, que muitas vezes foi o meu paraíso, e vi ali o meu tormento, o meu inferno.
Fitei seu rosto por longos segundos e vi que, se eu não concordasse com isso, o Danny possivelmente seria preso, o Michael morto e eu tentaria me matar de novo.
Não aguentaria conviver com a culpa de arruinar a vida deles nessa proporção.
Portanto, com muito custo, respondi...
- Aceito - Ouvi todos aplaudirem e regozijarem, como se eu tivesse acometida de um choro de alegria.
Ele se aproximou e depositou um beijo calmo nos meus lábios. E algo dentro de mim se deteriorou.
Havia uma paixão dentro de mim, acerca da minha profissão. Havia uma magia em torno do juramento que eu fiz antes de ser residente. Havia um encantamento que me prendia nisso, mas me foi tirado da forma mais covarde.
Quando olhei para a multidão, não achei o Michael e o meu coração apertou no meu peito. Se eu pudesse me causar um infarto e acabar com a minha vida, esse teria sido o momento.
Anne
Mike??
Anne
Aonde você está?
Anne
Eu preciso te explicar o que houve na sala do Peter...
Anne
Mike???
Anne
Por favor, responde!
Anne
É urgente!!!!
Anne
MIKE!!!!!
Porém era tudo em vão. O Michael não me respondia e eu não tinha privacidade suficiente para ligar pra ele.
Que grande merda!
O resto do jantar foi igualmente regado de atuação. Recebíamos as mais diversas felicitações e eu só conseguia manter o meu sorriso educado e falar falsa e brevemente do meu amor pelo Tyler.
Ao findar dessa noite, ocorreu a parte crucial dessa história toda. O que me motivou a reviver minha vida com vocês.
Tyler me obrigou a ir à casa dele, para conversarmos mais acerca de como agiríamos daqui pra frente.
- Iremos casar em seis meses. Você vai parar de ver o Dwane, o verme que você chama de ex namorado e todos os delinquentes que você tem se envolvido - ele dizia como se ele mesmo não fosse um - Na nossa próxima folga iremos à Los Angeles comunicar os seus pais - assenti. Ele estava na sua adega e se servia de vinho.
- Eu vou ao seu quarto pegar a mala, que ficou aqui da nossa última viagem... - ele concordou e bebericou o vinho.
Fiz o caminho a passos lentos. Custava muito a acreditar que tudo aquilo havia acontecido. Já que o Michael não me respondia, decidi mandar mensagem para a Ashley.
Anne
Você viu o Mike?
Ashley
Chegou agora aqui, por que?
Ouvi a porta do quarto se fechar.
Um medo assombroso percorreu todo o meu corpo.
Instintivamente levei o meu olhar até a porta.
- Temos que comemorar o nosso noivado, não acha?
Meus olhos começaram a marejar.
Meu peito subia e descia de forma intensa.
Minhas minhas mãos começarem a tremer.
Ele não ia fazer isso...
- Tyler, por favor... - supliquei, ao passo que uma lágrima teimosa desceu pela minha bochecha.
- Você é minha noiva... - ele se aproximou - uma noiva que não quer que o melhor amigo vá preso, não é? - já aos prantos, assenti - então... - ele acariciou minha bochecha com o nó do seu dedo indicador.
O seu toque era nojento.
Seus beijos no meu corpo eram piores.
Assistir ele se despir foi o maior terror que eu já passei na minha vida.
Ele tirar a minha roupa foi como as maiores das invasões.
Suas investidas em mim, enquanto eu estava de quatro, foram uma das piores experiências que eu já pude vivenciar.
Nem a abstinência de droga, nem o processo de desintoxicação, nem o Richard, nem a tentativa de suicídio fizeram eu me sentir daquela forma.
Desprotegida.
Desamparada.
Desalmada.
Violada.
Ao terminar, ele depositou um beijo nas minhas costas e foi ao banheiro. Somente quando o ouvi ligar o chuveiro, tive coragem de me mexer.
Eu sentia nojo do meu próprio corpo.
Prendi meu cabelo em um coque frouxo, vesti minha calcinha, meu sutiã e fui até a minha mala, onde tirei a bolsa de veludo que a Rebecca havia me dado.
Sentei-me na beira da cama.
Carreguei o pente.
Engatilhei a bala.
Destravei a arma.
Observei por longos instantes o cano da arma apontado pra mim. Mais especificamente, na minha cabeça. Ponderei se teria coragem de fazer o que eu estava em minha mente.
Como foi que eu cheguei nesse extremo?
Não sabia a resposta exata para essa pergunta, mas tinha certeza de que tudo ia acabar ali.
Ao ouvi-lo chuveiro desligar, me pus de pé e mirei a arma na saída do banheiro. Ele demorou mais alguns instantes até se secar e, quando apareceu na porta, exatamente aonde eu mirava, tinha apenas uma toalha em volta da cintura.
Ao vê-lo, um lapso de coragem me inundou.
Ao vê-lo, todas as dúvidas desapareceram.
Eu só tive uma certeza.
- Anne... - sua voz soou como alerta - Mi hermosa... - minha mente já estava anestesiada demais pra aceitar qualquer aviso contrário ao meu querer.
Senti um sorriso de felicidade genuína inundar os meus lábios e, mentalmente, iniciei a contagem de disparos.
Um.
Dois.
Três.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Sete
Oito.
Nove.
Dez.
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