Trinta
- Alô?
- Ashley, por favor, me deixa falar com o Mike...
- Mike, é a Anne... - ouvi a Ashley dizer um pouco mais afastada do aparelho - Ele não quer falar com você.
- É urgente! - ouvi um suspiro ao fundo de impaciência.
- O que você quer? - sua voz ríspida ecoou no aparelho celular.
- Eu matei o Tyler.
Eu
Matei
O Tyler.
Passei o endereço do apartamento dele ao Michael, que me garantiu que chegaria em poucos minutos com o Danny e o Matthew.
Eu ainda estava apenas de roupa íntima e mantinha a arma próxima de mim. Não fazia a mínima ideia de como prosseguir após um homicídio.
Eu deveria me vestir? Tomar banho?
A pólvora da arma sairia do meu corpo apenas com banho ou eu teria que usar algo específico?
Tudo estava o mais absoluto silêncio. Até minha respiração tratou de ficar silenciosa, após o barulho estridente que a arma fez. Ouvi a porta do elevador se abrir no andar abaixo.
- Anne?? - era a voz do Danny.
- Aqui em cima! - senti gosto de ferro na minha boca. Era pólvora? Isso sai da boca?
- Puta que pariu! Você não matou ele, você massacrou! - o Danny falou assim que chegou a porta do quarto.
Pela primeira vez, tirei meus olhos do corpo sem vida do Tyler e olhei para eles. Os três estavam parados e analisavam a situação. Imagino que ponderavam uma forma de entrar no quarto sem deixar seus vestígios.
- Eu... Eu não sei... eu... Como... - tentei dizer, mas o estado de choque não me deixou.
- Anne, vem pra cá... - Danny fez sinal com os braços. Antes de andar, fiz menção de deixar a arma na cama - Não!!!! Trás a arma com você. Não toca mais em nada, vem...
Andei lentamente até eles e pedi mentalmente para que os meus joelhos não falhassem agora.
- Joga ela aqui - Mike pediu assim que eu cheguei na porta, após abrir um saco preto. Fiz o que ele pediu e percebi que ele usava luvas.
- Gente, desculpa... - me abracei e revezei o olhar entre o Mike e o Danny - Desculpa, eu ferrei tudo...
- Mike, não! - Danny disse e eu percebi que o Mike ia me abraçar - Ela tá cheia de pólvora, não chega perto - Mike recuou um passo - Anne, olha pra mim! Você precisa ter foco agora, ok? Promete que vai seguir exatamente o que eu vou te falar? - assenti - Ok, eu e o Matthew vamos fazer umas ligações pra resolver isso. Eu preciso que você tire o que você está usando e coloque na mesma sacola que está a arma. Consegue fazer isso? - assenti - Tem outro banheiro que você possa tomar banho? - assenti novamente - O Mike vai ficar com você. Ele vai te dar um sabão específico pra você tomar banho. Depois veste isso... - o Danny tirou a blusa de frio que usava e deixou com o Mike - E fica na minha casa até... Na verdade, acho que você vai precisar morar comigo. A morte do filho do Vincent não vai ser algo fácil e você será o primeiro alvo dele - e aqui eu percebi o tamanho da desgraça que eu havia cometido.
Deixar o Tyler vivo seria ruim, mas matá-lo foi como colocar um alvo nas nossas cabeças.
- Desculpa, Danny, me perdoa por isso... - me abracei ainda mais, ao passo que ele fez uma expressão de pesar.
- Vamos passar por isso juntos, Lise. Fica tranquila, tá tudo bem... - ele sorriu pesaroso e, em seguida, ele e o Matthew se afastaram.
Respirei fundo e soltei o meu sutiã. Depois desci a calcinha pelas minhas pernas. Coloquei os dois itens na sacola preta.
O Mike lacrou a sacola e me encarou. Ele estava impassível, então não consegui identificar o que se passava com ele.
Silêncio.
Fui até o banheiro da outra suíte daquele andar. Antes de ligar o chuveiro pra mim, o Michael derramou sabão no meu copo. A textura era diferente e tinha cheiro de chá de erva doce. Curioso.
Só me dei conta que tinha sangue em mim quando vi a água avermelhada no ralo. Eu estava tão perto assim dele? Ao ponto de respingar?
Tomei o banho mais rápido da minha vida. Michael me estendeu uma toalha e, após eu me enxugar, ele também a colocou em outro saco preto. Peguei o moletom do Danny e vesti. Pra minha sorte, cobriu até metade da minha coxa.
A próxima coisa que senti foram os braços do Michael ao meu redor, que me abraçaram apertado. Devolvi o seu abraço da forma mais apertada que consegui.
- Mike, eu...
- Não. Daqui a pouco a gente conversa. Vamos sair daqui... - ele se afastou e depositou um beijo na minha testa - Só precisava te abraçar agora, o resto a gente resolve depois.
Foram dez tiros que eu acertei no corpo do Tyler.
Cinco no abdômen.
Um no pescoço.
Um na coxa direita (porque não acertei seu pênis).
Um no ombro direito.
Um no joelho esquerdo.
Um na testa.
- Por que você não me respondeu? - perguntei quando saímos do condomínio, dentro de um dos carros de vidro preto do Danny.
Ele subornou a administração do condomínio e fez com que as câmeras "não gravassem" a hora da entrada e da saída deles. Estávamos com os olhos fixos na rua a nossa frente, inertes na situação caótica.
- Porque eu achei que...
- Eu tinha escolhido ele? - o olhei. Após alguns instantes ele assentiu.
- Por que você o matou? - engoli seco.
- Ele tinha fotos minhas com as meninas na boate do Danny. Também ameaçou denunciar o Danny e... - Minha voz saiu falhada e as lágrimas já se formavam nos meus olhos. Instintivamente me encolhi no banco e me abracei.
- E o que, Anne? - vi pela visão periférica que ele revezava o olhar entre mim e a estrada. Contudo, mantive a cabeça baixa.
- Bom, eu era a noiva dele... - minha voz saiu baixa e embargada.
Ficamos alguns segundos em silêncio, até que o vi parar o carro bruscamente, ao ponto dos pneus protestarem, em uma vaga qualquer.
- Ele te forçou? - sua voz tentava soar mansa, mas eu pude sentir sua tensão. Vi de canto de olho que o seu corpo estava virado na minha direção. O senti tocar delicadamente o meu joelho. Ergui a cabeça, mas ainda não conseguia virar o meu rosto na sua direção - Conversa comigo, meu amor. Eu não vou te julgar. Eu nunca faria isso.
Essa foi a mesma frase que ele usou no dia em que eu tentei me matar, mas naquela ocasião eu não acreditei. Eu não acreditei que ele não me julgaria, não me condenaria e ficaria ao meu lado.
Contudo, nesse momento, eu escolhi confiar, me abrir e deixar ele me ajudar carregar esse fardo. Sua frase me aqueceu e me abraçou psicologicamente.
- Sim, ele me forçou - virei minha cabeça na sua direção e o olhei nos olhos a tempo de ver sua feição passar de torturada, para ódio e para confusão em seguida.
Tudo em questão de segundos.
Quando o seu olhar foi atraído para a minha bochecha, vi a sua feição tornar-se raivosa, ao ponto de beirar algo maligno.
Ficamos um longo período nos encarando. Ele levou a ponta dos dedos até a minha bochecha e a acariciou. Recuei um pouco por estar sensível.
- Eu devia ter ficado...
- Não.
- Porra, foi minha culpa!
- Não, Mike!
- Eu devia ter te tirado de lá assim que te encontrei no salão...
- Mike, já foi... já acabou - lancei um sorriso pesaroso em sua direção - Estamos livres desse pesadelo. Eu sou sua - mesmo destruída por dentro, o olhei aliviada. Ele mantinha-se sério, porém me puxou pra um abraço e me aninhou a ele.
- Porra, me perdoa...
- Sh... Acabou.
- Você tem certeza que quer continuar com isso?
Sim! Eu precisava de um tempo.
Ser médica agora era a coisa mais dolorosa pra mim.
Além de ter o meu sonho destruído perante os meus olhos, eu infringi tudo o que eu havia jurado que não faria. Até matei um homem a sangue frio!
Após sair da igreja católica, que foi o que vocês leram no começo desse diário, fui para o meu tão aclamado local de trabalho. Me dirigi ao andar administrativo e entreguei o meu crachá sem maiores explicações. Encontrei o Chris pelo corredor e o abracei forte. Ele ficou sem entender nada.
- Seja o melhor médico que esse hospital já teve! Obrigada por tudo. Eu te amo - dei um beijo demorado na sua bochecha e sai.
Entrei novamente no carro e olhei o rosto do homem que eu mais amei e amo no mundo.
- Las Vegas? - sorri animada.
- Vegas, baby - dei um beijo estalado nos seus lábios e coloquei meus óculos de sol.
Durante o trajeto de carro de Boston até Nevada, decidi escrever isso a vocês.
Danny, com a ajuda do Matthew, pagou alguns homens para simular um assalto que sucedeu em homicídio ao Tyler.
Obviamente que o Vincent Stoessel ficou louco. Todos os dias saía no noticiário as mais de vinte mortes, executadas pelo seu cartel. Após um mês nesse inferno, ao qual eu não podia nem sonhar em sair de casa, Vincent percebeu que nenhuma morte faria o seu plano de anos ser refeito. Então, pulou da varanda do apartamento do Tyler e se matou.
Eu enviei as fotos que tirei do escritório do Peter e da casa do Tyler de forma anônima à Interpol e, honestamente, não sei o que vai acontecer.
Quando chegarmos em Las Vegas, não sei se eu e o Michael iremos nos casar, ou apenas tomar um porre e transar até todos os meus músculos darem cãibra.
Não sei se um dia voltarei a ser médica, ou se vou aceitar um cargo efetivo como cafetina do Danny.
Não sei se eu e o Michael seremos dois adultos tediosos que trabalham em escritório ou se seremos uma espécie de Bonie e Clyde.
O que eu sei é que, independente do rumo que eu escolha tomar na minha vida, não vou mais abrir mão do meu amor por esse ex quarterback, atual advogado, ridiculamente lindo, que está ao meu lado, nesse exato momento, cantando Why'd You Only Call Me When You're High, de Arctic Monkeys, completamente desafinado.
Não irei mais abrir mão de tocar seus cabelos sedosos, degustar da sua luxúria e me perder nos seus lindos olhos esverdeados, que possui um tom caramelo em torno das suas pupilas.
Não irei mais abrir mão das pessoas que amo em troca de uma realização profissional utópica. Aliás, nem me lembro quando foi a última vez que vi os meus pais! Definitivamente iremos passar em Los Angeles.
Acima de tudo, aprendam com os meus erros e, na dúvida, sempre escolham ter coisas que o dinheiro não compra.
Ah! E não esqueçam de queimar esse diário depois de ler.
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