Dezesseis
- Anne! Anne!! Acorda!! - eu sentia alguém chacoalhar o meu braço bem distante - Por favor, Anne, acorda!! Acorda! - minha consciência, mesmo relutante, começou a voltar para mim. Quando abri os olhos, encontrei os de Michael a minha frente - É o Danny! Por favor, me ajuda! - olhei ao redor e vi que estava na suíte verde do apartamento do Danny.
Observei o homem a minha frente e percebi que estava com a camisa social, que até então era branca, forrada de sangue. Pisquei algumas vezes para me assegurar de que não era um sonho e, finalmente, me levantei.
Instintivamente, desci as escadas apressada com o Michael ao meu lado. Quando cheguei a sala, encontrei o Danny no chão, com a mão no abdômen. Ele estava todo ensanguentado e gemia de dor.
Ao me aproximar, constatei que ele estava com um canivete dentro da sua barriga. Rapidamente pedi ao Michael que pegasse o kit de primeiros socorros que ficava na minha suíte.
- Meu Deus! Precisamos ir ao hospital!
- Não! Nada de hospital! - Danny disse em meio a gemidos.
- Mas Danny...
- Nada de hospital! - ele reafirmou de uma forma que não me deu brechas para protestar.
- Qual é o tamanho do canivete?? - perguntei assim que o Michael me entregou a caixa, mas estava tão perplexo que pareceu não assimilar a minha pergunta - O TAMANHO! QUAL É O TAMANHO DO CANIVETE? - ele fez um sinal com a mão, que me indicava que tinha cerca de quinze centímetros. Se eu estiver certa, de acordo com o angulo, não foi fundo o suficiente para perfurar nada.
Deus queira que eu esteja certa.
Posicionei minha mão firmemente no canivete e o puxei. Para o meu alívio, não esguichou sangue o que indica que não tinha hemorragia. Peguei gase e coloquei dentro do ferimento, até que estancasse o suficiente para eu conseguir visualizar internamente.
E mais uma vez constatei: sem perfurações de órgãos vitais e sem hemorragia.
- Me trás um uísque - disse ao Michael, que prontamente me entregou uma garrafa.
Esterilizei minhas mãos, a agulha e o ferimento, e comecei a dar ponto sem anestesia, o que fazia o Danny gemer de dor. Eu só me concentrava na sua pele e no movimento da agulha entrando e saindo.
Quando finalmente terminei, fiz um curativo simples e me levantei em um salto, totalmente em estado de negação. Eu andei de um lado para o outro perplexa com o rumo que esse dia tomou. Michael tentou se aproximar de mim, mas eu fiz que não com a mão.
Era muito pra minha cabeça! Muito pra uma cabeça tão danificada quanto a minha.
Instintivamente, fui até o sofá em que o terno do Michael repousava, tateei os bolsos e tirei de lá o seu maço e o isqueiro.
- Anne... - a voz rouca do Michael disse do outro lado da sala. Seu tom era de alerta e preocupação.
Olhei aqueles dois componentes que antes eram peças fundamentais da minha vida. Tirei um cigarro do maço e o cheirei.
- Você não quer fazer isso... - Ouvir ele falar comigo daquele jeito zeloso e preocupado fez um frio passar pelo meu estômago.
Eu precisava de um alívio.
Eu queria um alívio.
Mas conclui que... não podia regredir.
Após alguns instantes inerte, devolvi o cigarro ao maço e coloquei as coisas de volta no terno do Michael, que me olhava analítico. Quando olhei novamente para o Danny, ele já estava sentado no sofá da sala, com a garrafa de uísque na mão.
- Eu acho que você deveria se sentar, Lise, porque o que eu estou prestes a te contar não vai ser nada fácil - ao dizer, Danny deu uma golada na garrafa. Ele só me chama de Lise em situações extremamente urgentes, o que piorou a minha ansiedade - A vida é uma merda. Em um dia você é bom e no outro... - ele deu um riso sem humor - Seu pai te enfia um canivete na barriga.
Espera! O que? O pai dele fez aquilo??
Ele deu mais um gole na garrafa. Observei o Michael se sentar no sofá próximo ao Danny. Agora, com mais calma, pude ver que suas mãos e o seu rosto estavam feridos
- Porra, eu preciso de um baseado... - Danny tentou se levantar, mas não conseguiu por causa da dor.
Meus olhos começaram a marejar e a única coisa que eu falava na minha mente era: Eu não acredito que isso está acontecendo.
O semblante pesaroso do Danny, em junção com todos os fatos que eu presenciei hoje, me fizeram cair na realidade que estava à minha frente, mas que eu não conseguia enxergar: o Danny estava perdido.
Meu meu melhor amigo estava tão perdido quanto eu estava no dia em que eu soube de tudo acerca da Rebecca.
O Danny era a âncora. A minha âncora.
Era quem se esforçava para me manter bem, o dono dos abraços consoladores que eu necessitava nos dias de tempestade. Meu irmão de outra mãe, meu melhor amigo...
Perdido.
Eu nem sabia que ele fumava baseado!
Na tentativa de não ser egoísta, eu fui mais ainda. Na tentativa de ser curada, acabei por não perceber quem estava ferido esse tempo todo, na minha frente, sem que eu me desse conta. Eu me fechei na minha bolha de vida perfeita e fiquei alheia aos problemas do meu melhor amigo.
A constatação desse fato me quebrou inteira por dentro. Vê-lo ferido, infeliz, ensanguentado, bebendo e ansiando por um baseado... Se eu não tivesse tão focada em mim eu poderia ter visto antes, mas...
Michael se levantou, foi até um dos armários da sala e tirou de lá uma pequena caixa em madeira.
- Danny, eu não... - minha voz saiu fraca e embargada.
- Entende como tudo isso aconteceu? - ele sorriu irônico e tentou disfarçar seu estado de pânico. Meus olhos foram atraídos para o Michael, que dichavava a maconha - Te ver naquela clínica me fez querer fazer tudo diferente, ser uma pessoa diferente, mas... - ele deu mais um gole na garrafa - Eu não posso lutar contra o meu sangue. Você entende o que eu digo?
Não. Não entendo, mas também não consigo ter uma reação além de chorar. Dei as costas para a cena do Michael enrolando o baseado e passei as mãos nervosamente pela raiz do meu cabelo.
Um silêncio se instaurou entre nós.
Um silêncio constrangedor, maçante e torturador.
Um silêncio que me esmagava e gritava aos meus ouvidos o quanto eu fui uma péssima pessoa. Uma péssima amiga.
Eu sentia como se uma mão apertasse o meu coração, tamanha a culpa por ser negligente ao meu amigo. Meu melhor amigo. Meu irmão.
- Você não me vê mais como antes, né? - a voz do Danny estava embargada e me fez virar novamente pra ele - Eu sei que não, não precisa mentir pra mim... - ele deu um sorriso pesaroso - Pode ir embora se quiser, não vou te condenar.
Ir embora? Como eu poderia ir embora?
Eu queria abraçá-lo e aperta-lo junto a mim. Transmitir nesse gesto de afeto que eu estaria aqui para tudo. E foi isso o que eu fiz.
Caminhei até ele e sentei-me no sofá ao seu lado. Joguei o meu tronco em cima do dele da forma mais delicada que consegui para não machuca-lo, envolvi o seu pescoço com os meus braços e o apertei forte. Deixei uma perna repousar em cima da sua coxa e senti sua testa encostar no meu ombro.
Nos aninhamos um ao outro e nos rendemos ao choro desenfreado que queria nos inundar desde o começo da conversa. Aliviamos a nossa alma das mais diversas tormentas que passávamos através daquele abraço. Toda a nossa angústia foi despejada em lágrimas e soluços incontroláveis.
A minha maior angústia naquele momento era vê-lo daquela forma, ao passo que a dele era tentar não ser sugado pelo buraco negro que queria devastar o seu peito.
Ele me apertava forte contra ele, em busca de um alívio. Alívio esse que ele me proporcionou diversas vezes.
- Olha pra mim - pedi após um tempo ao me afastar um pouco e mirar seus olhos inchados - Eu te amo, Danny, e nada do que você faça vai me fazer ir embora - limpei as lágrimas da sua bochecha com as minhas mãos. Ele soltou um riso pesaroso.
- Eu mexo com muita merda, Lise, você não sabe nem da metade...
- Mas eu estou aqui! Tudo vai ficar bem!
- Não, Lise, você não está entendendo... - ele suspirou antes de continuar. Seus olhos se fixaram aos meus e me mostraram o quanto doía ter essa conversa comigo - Eu sou a porra do filho primogênito de um dos maiores traficantes desse país. Eu nasci pra comandar esse cartel de droga... - pisquei algumas vezes, como se a confusão mental fosse se dissipar da minha cabeça como uma nuvem - E eu tenho dia pra morrer - ele abaixou a cabeça enquanto as lágrimas continuavam forrando suas bochechas.
Silêncio.
Eu encarava o Danny.
O Danny encarava o chão.
Ambos estáticos, por razões distintas.
- O que você quer dizer com isso? - perguntei após longos minutos inerte nesse silêncio ensurdecedor.
- Quero dizer que eu sou um imprestável que não conseguiu administrar os esquemas do pai em Boston e que daqui uma semana vai morrer na mão dos capangas dele.
- Danny, não... - toquei suas mãos afim de fazê-lo olhar pra mim - Por que ele faria isso? Não pode ser sério...
- Já era pra eu ter uma equipe formada de pessoas de minha confiança para os esquemas, porém essa semana eu tomei um prejuízo enorme de um funcionário... O que me levou à estaca zero - o assisti passar as mãos nervosamente pelo seu rosto. Era nítido o quanto ele se sentia péssimo - E por conta desse imprevisto... - ele respirou fundo e se perdeu ainda mais em lágrimas - O meu pai veio aqui e só não me matou porque não queria sujar as mãos com um verme como eu - ele sorriu sem humor - a questão é que se eu não arrumar um time até semana que vem, ele vai me matar, Lise - ele levantou a cabeça com um olhar desesperado - Eu já estou morto.
- Não! Danny, o seu pai não faria...
- Lise, olha pra isso! - ele gesticulou para a sua barriga - Você acha mesmo que não?
Inspira.
Expira.
Tenta analisar friamente o que está acontecendo, ok?
Ok...
Tudo soava absurdo aos meus ouvidos, e não era pra menos, porém o Danny teve um canivete enfiado na barriga.
Pelo seu próprio pai.
Que é um traficante.
- Os seus vergões nas costas e o seu olho roxo no dia da social light...
- Foram os capangas do meu pai me dando um alerta - ele completou sem emoção.
- E se você pedir ajuda pra polícia? Eles podem te proteger, te colocar em um programa de proteção à testemunha... - Danny me olhou e levou o olhar até o Michael, com uma expressão compenetrada.
Cogitei que ele tinha levado minha sugestão em consideração, até que ambos começaram a rir.
Rir muito. Desenfreadamente.
G a r g a l h a v a m
Ao ponto das lágrimas de dor do Danny tornarem-se em lágrimas de riso. E todas as vezes que ele olhava para o meu rosto confuso, ele ria um tom mais alto.
- Aí, Lise... - ele disse ao passar o nó do dedo indicador nos olhos e retirar as lágrimas de lá - Você é demais.
- Não entendi o motivo da graça. - cruzei os braços e o encarei séria.
- Papai Noel não existe, você sabe né? - arqueei as sobrancelhas, ainda na espera de maiores explicações - O chefe de segurança nacional é melhor amigo do meu pai. A polícia tá com a gente, Lise. Por que você acha que ninguém nunca denunciou algum esquema do meu pai ou a social light? Pagamos milhares de dólares por ano à polícia para manter nossas empresas abertas.
Nesse momento, eu me imaginei em um mundo onde não houvesse Daniel Johnson e foi horrível.
Ao pensar na hipótese de procurar o seu abraço e não o ter, querer conversar e não achá-lo, me impulsionou a...
Oi, vidas!!
Como vocês estão encarando esse plot twist na nossa historinha? Me conta!
Tô amando ver a reação de vocês em cada comentário. Vocês são fodas!
Com amor, mamãe Fox 🦊
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Curtido por jonestyler e outras pessoas
anne.stein Peace ☮️ #tbt
chris.walker Feita pelos deuses do Olimpo 😍♥️
dannyjohnson @mikevans Olha que linda
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Curtido por justmargot e outras pessoas
mikevans 🏖 #tbt
steph.adams Saudade desse dia, amor 😍♥️
dannyjhonson Olha @anne.stein
Ver outros 845 comentários
Curtido por ashley.brown e outras pessoas
dannyjhonson A serenidade de quem pode por o pé no sofá porque o sofá é meu 😎 #tbt
mikevans Esse sofá tem história HAHAHAHA
ashley.brown Ô se tem! HAHAHA 🤭
k.martinez Quero histórias no sofá tbm 😢
monfret.rebecca Desisto.
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