CAPÍTULO DOZE.
Um sininho anuncia minha chegada com um som agradável quando entro na lanchonete pequena. Está vazia, apenas uma senhorinha no balcão conversava com um rapaz que está sentado em um dos sofás vermelhos. Pela nuca marcada e os ombros largos, tenho certeza que é meu parceiro para essa noite.
— Bons tempos, você sentava exatamente ali e… — a mulher rechonchuda percebe minha presença e se interrompe. — Boa noite, moça! — Dirige a palavra a mim, fazendo com que James siga seu olhar para a porta.
— Boa noite — sorriu gentil.
Passo a mão sobre meu short e sentou na frente de Hart, no acolchoado de couro sintético.
— Olá, senhorita Baker — ele apoia o braço na mesa.
— Não deixei você esperando, deixei?
— Eu estava por perto.
Está explicado. Não, na verdade, não está. Agora minha curiosidade faz com que minha língua coce para perguntar mais sobre a saída noturna dele e, depois daquela quantidade de vinho que tomei, vou ter que me esforçar ao dobro para manter a boca fechada.
— Quer pedir alguma coisa? — Hart me desperta dos meus pensamentos quando pergunta.
— Uma raspadinha dessa, também — aponto para o copo dele que já está com o gelo perdendo a cor.
A mulher do balcão, que tem seu cabelo volumoso preso, começa a preparar meu pedido enquanto James toma o líquido que sai do canudo no copo dele.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, apenas a máquina que prepara a bebida faz um zumbido durante o trabalho.
— Então — ele bota o copo na mesa novamente. — Como foi seu dia, o que você fez?
Encolho meus ombros e rio com sarcasmo.
— Olha só quem está procurando no tio Google dessa vez, hm? — Levanto meu queixo para ele.
— É assim que acontece uma conversa, eu pergunto e você responde e assim vai.
— Mas não é assim que acontece nas nossas conversas — falo com minha voz arrastada carregada pelo cansaço, espero que ele não perceba o quão sonolenta estou.
— Ah, é? Então explique como acontece — ele encosta as costas no sofá.
— Na maioria do tempo você só é chato enquanto eu retruco dizendo “ei, pare de ser chato”.
— E eu falo pra mim mesmo “por que? Ela gosta de mim assim” — ele espreme os olhos e eu reviro os meus.
— É nisso que você acredita?
— Qual outro motivo pra você estar aqui comigo agora? — Retruca de imediato e meus lábios se abrem.
Ele põe o canudo na boca de novo, com o rosto passivo e as sobrancelhas erguidas para mim, logo abaixo dela está os olhos me encarando com divertimento.
Sempre é confiante no que diz e isso me irrita.
— É oficial, eu odeio você, sabia disso? — O provoco, usando o tom parecido ao seu e ele solta uma risada curta.
— É nisso que você acredita, senhorita Baker?
Franzo minhas sobrancelhas, ainda com minha boca aberta e impressionada com as respostas na ponta da língua que ele sempre tem.
— Aqui, mocinhos — a balconista que deduzo ser a tal Kim chega e entrega o copo para mim, a retribuo com um aceno.
— Obrigado, amor — James permanece com o sorriso travesso quando agradece a mulher.
Parece um menininho levado que faz questão de tirar a paciência de todos ao redor, mas a mulher leva na brincadeira também.
Ela o olha com a sobrancelha direita erguida e empurra o ombro dele com sua mão enfeitada de anéis nos dedos de unhas vermelhas.
— Toma cuidado com esse aí, moça — me avisa, mas sei que não está falando sério.
— Pode deixar — a respondo levantando minha sobrancelha para ele.
Kim retorna ao balcão, nos deixando sozinhos novamente.
O analiso, desde as bochechas do rosto, os ombros leves, as expressões tão relaxadas...
Faço uma nota mental disso e no mesmo momento milhares de perguntas surgem em meu subconsciente. Eu tenho que arrancar algo dele ainda hoje, nem que seja coisa boba como a aproximação dele com Kim.
Tudo isso já está explodindo meu cérebro.
Juntamente com Broke, essa garçonete só prova minha teoria de que James não finge ser esse universitário como qualquer outro. Ele só… é assim. Mas como?! Como um traficante pode ser tão íntimo de uma mulher dessa idade? De um mecânico como Patrick? E até comigo? Como pode ser tão normal?
— Quer sair daqui e dar uma volta?
Ele leu meu pensamento, a última coisa que quero é sair do meu sofá para outro.
— Sim, claro.
Nós levantamos e James põe o seu copo vazio no lixeiro perto do guichê.
— Kim, tô indo! — Ele grita para ela que está nos fundos.
Ela põe a cabeça na porta estreita apenas para se despedir.
— Vá, vá! Cuidado na rua a essa hora.
Ele tira o dinheiro da carteira e levanta entre os dedos, mostrando a ela e colocando no balcão logo depois.
Puxo a maçaneta da porta e passo por ela. O ar frio sopra sobre toda minha pele e eu logo me arrependo de vir com esse short, na caminhada até aqui meu sangue esquentou mais e eu não senti tanto incômodo, mas agora eu logo abraço meu próprio corpo, tentando me manter aquecida.
Olho para James que está me seguindo e espero que ele fique ao meu lado.
— Você conhece a Kim? — Pergunto sem enrolação, tentando soar casual enquanto olho para o tênis em meu pé.
— Há muito tempo, meu pai trabalhava aqui e eu vinha junto com ele.
Agora entendo o contexto da conversa que escutei assim que cheguei.
— Acho que com a idade da Jenna eu já conhecia todos desse bairro — ele continua de uma forma animada, com as mãos dentro da jaqueta — Mas aconteceram algumas coisas e eu tive que morar com meu pai em outro lugar.
E como a história que Broke me contou se encaixa nisso tudo? Esse tempo que saiu com o pai foi quando ela teve Jenna e ele resolveu voltar? Os pais deles são separados?
— E aí depois vocês voltaram? — Ele assente mas eu não pergunto o porquê, ainda não. — Mas agora estão bem, não é? Vocês dois?
Ele abaixa a cabeça e solta um riso sem graça, fazendo com que uma pequena fumaça se forme próximo a boca dele.
— Ele está morto, na verdade.
Meu Deus…
Paro de andar e ele faz o mesmo.
— Meu desculpa, Jay… e-eu não pensei…
— Relaxa, Soph — ele encosta o braço forte no meu, me empurrando de leve.
Resolvo fechar minha boca e volto a tomar a raspadinha. Ainda caminhando, apenas seguindo os passos dele, mas sem saber para onde estamos indo exatamente.
— Mas e você? — Quebra o silêncio quando me pergunta.
— Você sempre faz isso! — Digo sorrindo distraída com o gelo que quebro com o canudo.
— Isso o quê?
— Sempre fala alguma coisa sobre você e depois diz “mas e você?” — ele começa a rir também. — O que é isso? Troca de informações?
— Eu não sei. É? — Rebate, me pegando de surpresa.
Se quer tanto escutar a história de Sophie, não posso negar que já está na hora de liberar isso. Ele não é tão fechado comigo, sempre me dá o que quero mesmo que não responda claramente, mas as explicações para as respostas só vou saber se der mais confiança a ele também.
— Tá bom, tá bom — ergo as mãos. — Posso sentar, pelo menos?
— Se sentarmos vamos congelar de vez, não quer ir para o carro?
— Hm, você finalmente tirou o carro da garagem do Patrick?
Ele me dá um olhar de tédio e em resposta eu lhe dou um sorriso cínico. Andamos na direção do estacionamento da lanchonete comigo o seguindo, ficando para trás. A Porsche apita quando ele destrava, os faróis esticados piscam e eu quase babo no carro maravilhoso.
Estou começando a pensar na possibilidade de pegar esse carro invés do pagamento da missão, não é uma má ideia.
Sento no banco de couro e encaro o painel preto azulado.
— Tive que tirar já que vou viajar esse final de semana, aliás, você devia ir — comenta e eu ainda me acomodo no banco.
— Mas você só tá me convidando agora — digo rindo e apoio meu braço no porta corpos, deixando a raspadinha já vazia no compartimento. — Pra onde você vai?
— Uma galera vai para a casa lá em Montauk — ele continua me encarando, esperando que eu responda.
Esse carro, e agora a casa em Montauk? Ele nem se esforça para não esbanjar as coisas que têm.
— Eu vou — sorrio sem mostrar os dentes, fazendo com que minhas bochechas apertem meus olhos, ele retribui com o mesmo sorriso.
James liga o aquecedor e o rádio também, o deixando baixo, quase um ruído ambiente.
— Então onde estávamos? — Me pergunta, como se eu não soubesse onde ele quer chegar.
— Você estava falando da casa de Montauk — balanço a cabeça com as sobrancelhas levantadas cinicamente.
— Você sabe que não é isso que tô falando — recuo quando percebo que ele aproxima os dedos da minha costela para me fazer cócegas, mas já é tarde demais.
— Tá bom, tá bom! — Me afasto do porta copos e encosto minhas costas na porta, consigo segurar os braços dele e ficamos em silêncio, ambos sorrindo. — Tá! — Repito. — Agora solta.
— Você que tá me segurando, garota!
Solto devagar o braço e permaneço na mesma postura que estou. Ele me analisa ainda sorrindo, mas sua boca se fecha aos poucos quando olha para um ponto fixo em mim.
— O que foi? — Pergunto e aprumo meu corpo, ficando com ele ereto.
Os dedos chegam perto de mim novamente, mas dessa vez, é do meu rosto. Do meu pescoço, para ser mais exata.
Minha garganta gela.
— O que foi isso? — Ele abaixa a gola da blusa sem minha permissão e por reflexo eu as tiro de lá.
— Nada!
— Como assim nada? Tá roxo, Soph — fala com a voz gentil.
Suspiro fundo e me concentro em controlar meu corpo para não se agitar, não quero demonstrar desespero. Os dedos tatuados tentam se aproximar de mim novamente, cautelosamente dessa vez, mas eu não deixo.
— Eu cai — é a desculpa que dou.
— Que tipo de queda machuca o pescoço?
Cruzo os braços e dou de ombros.
Se estou dizendo que cai, é porque aconteceu.
— Ok… — sussurra mais para si mesmo.
Ele olha para o volante e o aperta com a mão direita.
Tudo por causa de uma merda que Troy fez.
Para quebrar logo esse gelo, eu começo a falar:
— Mas então, continuando… — ele dirige o olhar para mim novamente — eu morava na Austrália com meus pais, ganhei uma bolsa aqui na faculdade — não responde, me dando abertura para continuar. — E, minha mãe, que sempre me apoiou, não impediu.
As letras que rabisquei no papel enquanto escrevia a história de Sophie surgem em minha mente. Lembro que me inspirei em uma maternidade inalcançável por mim, uma família tão prestativa que desse esperança para minha personagem confiar neles nessa nova jornada de vida.
— Minha prima já morava aqui então eu vim já com uma estadia.
Parece estar espantado com a naturalidade que eu conto a história falsa. Deve ter uma nuvem de perguntas pairando sobre ele agora, se questionando qual o meu problema para agir como se nada tivesse acontecido. Por um lado, eu acho até conveniente James não permanecer no assunto sobre meus hematomas, respeitou isso. Mesmo que ainda esteja me olhando com as sobrancelhas apertadas e os lábios entreabertos, ele desvia o olhar do meu e o dirige para o volante e quando olha para mim novamente, já está com um sorriso fraco no rosto.
— Que sorte a minha, então — diz galanteador, com a voz aveludada
Não consigo segurar minha risada. Ele é tão óbvio.
E direto.
E sem vergonha.
— No meu caso eu tinha mais apoio do meu pai — isso, Hart. Fale sobre você. Minha curiosidade implora. — Sério, ele era fantástico — ele reprime os lábios.
Eu queria saber se ele ainda tem uma mãe. Quase não fala dela e é como se ela não existisse! Não entra na minha cabeça que Broke mora sozinha naquele casarão, não pode ser.
Tem algumas deixas para iniciar uma conversa sobre isso, mas ele parece imprevisível demais. Naquele dia da festa apenas com uma perguntinha ele se aborreceu, o que não impediria ele de se sentir do mesmo jeito agora?
Apoio meu cotovelo no mesmo lugar que estava apoiado antes e abaixo a cabeça. Meus dedos começam a puxar alguns rasgos que tenho no short.
— Imagino como todos devem ter ficado… Broke e sua mãe… cuidando de vocês sozinhos.
Continuo olhando para o short azul claro, esperando por alguma resposta.
— É… — quando levanto meu olhar, me surpreendo pela nossa aproximação. A minha testa fica na altura do seu queixo.
Ele está olhando para frente agora, onde o vidro reflete o asfalto banhado pela luz fraca dos postes no estacionamento.
Resolvo não perguntar mais sobre nada por hoje, o clima já está pesado demais até para mim. As informações não devem ser tiradas com torturas, muito menos psicológica, pelo menos não por agora… não vou conseguir ligar toda a linha de tempo dessa história de uma hora para outra, vai ser um processo lento e, se tratando dele, bastante cuidadoso.
Ele vira um pouco o rosto, e só agora percebo que estou encarando a sua barba rala desde da última frase que ele recitou. Os cílios densos descem e as órbitas escuras que eles cobrem me analisam, desde meus cotovelos até meu rosto. Ao final do processo descarado, a ponta do lábio se arqueia em um sorriso de lado.
— Você fica maravilhosa de preto, Baker.
Inacreditável. Ele não perde nenhuma chance.
Sorrio com meus lábios fechados ainda o encarando, mas quando vejo que ele está fazendo o mesmo meu corpo se encolhe e meu rosto se vira, fazendo com que minha bochecha encoste no meu ombro esquerdo arqueado.
Escuto um zumbido vindo do porta luvas e só assim James para de me observar e vai atender o celular.
Me afasto do suporte de cotovelo e relaxo minhas costas no banco.
— Uma hora dessas? — É a primeira coisa que pergunta quando atende, já formando uma carranca em seu rosto bem feito.
Responde inúmeros “uhum” para a outra pessoa na chamada, até que começa a esfregar a testa e puxa os cabelos escuros com a mão.
— Tá, e aí? — Franze a testa por alguns segundos mas logo depois me olha, eu dou um sorriso fechado e ele se apruma do banco, colocando o celular no outro ouvido.
Seja o que for, a conversa foi para um lado sério, e parece que eu não deveria escutar em hipótese alguma.
— Tá, tá! Fica de boa, tá bom? — Manda com ignorância e depois desliga.
— Tá tudo bem?
— Não, eu preciso salvar o Chris de mais uma — ele pega a chave no bolso da jaqueta e coloca na ignição. — Parece que deu algum problema em uma festa que ele tava.
Aquela festa que todos estão? Incluindo Yumi?
— Você mora por aqui, não é? Onde é? — É incrível como a expressão de sua voz muda em instantes, junto com o humor.
— Não tem problema, eu posso ir andando, sério — o painel se acende quando ele liga o carro.
— Tá tarde e tá congelando, Soph, nem vem que você não vai andando — começa a manobrar o carro, com os dedos tatuados envolta do volante e o maxilar marcado quando ele olha pelo retrovisor. — Onde é?
Cedo e falo o endereço de uma vez. Quando chegamos na calçada da frente do prédio eu solto um longo suspiro.
— É, é aqui — ele estaciona bem na entrada.
Tiro o cinto e antes de destravar a porta, olho para ele que está com o braço apoiado na janela do seu lado.
— Valeu, Jay.
— Boa noite, Soph — ele cantarola como se estivesse se despedindo de uma criança na cama prestes a dormir.
Saio do carro e vou em direção a porta automática do prédio mas, antes que eu entre, escuto James me chamando. Dou meia volta e olho para ele que está no carro, a mão do mesmo braço apoiado faz um gesto pedindo para que eu me aproxime. Assim que chego perto da Porsche preta, cruzo meus braços e os apoio na janela aberta do passageiro.
— O que foi?
— Não é nada, só… — ele passa a mão entre os cabelos. — Pode ligar pra mim, a qualquer hora, tá?
Viro meu rosto e solto um arzinho pelo nariz.
— Sério, James?
— Eu tô falando sério! — Ele sorrir também. — Se acontecer qualquer coisa… qualquer queda — e só agora percebo do que está falando.
Eu balanço a cabeça e me afasto aos poucos do automóvel, acenando para ele que retribui.
Ele vai ficar no meu pé, vai querer saber o motivo desse machucado, certeza. Mas que bela merda que você me arrumou, Troy.
No espelho do elevador, olho para o meu pescoço e descubro onde está o problema que James viu, logo abaixo do pé da minha orelha tem a marca, provavelmente da pressão de um dos dedos nojentos de Miller. Subo a gola da camiseta e isso o cobre por um tempo, mas quando mexo mais meu pescoço para testar, ele aparece novamente. Acho que foi assim que aconteceu então, a gola não é justa o suficiente.
O elevador anuncia o quarto andar e é onde eu desço, indo em direção ao meu apartamento.
Preciso de um banho, se possível até mais um pouco de vinho, o que menos preciso agora é de mais estresse na minha cabeça.
Aperto o interruptor e a sala se ilumina, tiro meus tênis e coloco ao lado da porta onde já tem vários calçados repousando. E, assim que viro meu corpo para adentrar a sala, solto um suspiro quando vejo a pessoa sentada no sofá.
— O que faz aqui?
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NOTA
you know you can call me if you need someone... tá, parei pq essa playlist tá lotada já. quero saber o que estão achando até aqui?
não se esqueçam de seguir meu insta literário → mrs_j.logan
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