CAPÍTULO DEZ.
— Assim que você foi para o Canadá, há quase dois anos, nós conseguimos encontrar o paradeiro de Nikolai Balashov — a tal Irina começa mas eu já a interrompo daí.
— Esse é o meu problema aqui, quem é Nikolai?
— Não me interrompa, garota! — Eu e Hiran nos entreolhamos com as sobrancelhas arqueadas, depois da mulher gritar.
Encaixo minhas mãos uma na outra e as deixo repousadas em meu colo, esperando que a madame fale tudo.
— Balashov era o nosso antigo problema na Rússia. Traficante assim como James, tinha várias boates onde vendia os produtos e acobertava todos esses crimes que estamos acostumados a ver — faz uma pausa, apoia o cotovelo na mesa, pondo a mão esquerda sob o queixo pontudo. — Nós sabíamos que ele existia, claro, mas quando começou a tentar roubar o território de Bruce, a merda começou. Foi aí que o seu instituto entrou nessa junto com a gente.
Pois é, tudo atrapalhando o governo americano. Engulo minha própria saliva junto com todas as informações. Mordo o canto do meu lábio e olho para a foto de Kira na tela.
— E ela é filha dele?
— Sim, e pelo o que parece, só tem uma ocorrência por agressão? — Miller pergunta, olhando a tevê onde exibe a ficha dela.
— Ela se meteu em uma briga numa festa — Hiran esclarece.
Olho para a ficha dela e aperto meus olhos tentando focar no nome de seu parentesco.
— E a mãe dela?
Troy descruza os braços e olha para mim.
— Está morta — é tudo o que me oferece, mas Hiran apoia as mãos na mesa, como se estivesse prestes a contar a maior descoberta de sua vida.
— Mas não foi qualquer um que matou. Balashov contou tudo no depoimento, a mulher foi morta por Bruce.
Minha boca se abre e um sorriso se exibe pela minha perplexidade.
— Estão me dizendo que James está andando com a filha do traficante que teve a mulher morta por Bruce que surpreendentemente, teve a filha morta por James?
— Exatamente isso — Gray responde.
A lembrança da garota magra conversando com James na cozinha me enche, reviro meus pensamentos cena por cena e então, quando encontro o grande problema, olho para o mais baixo da sala.
— Você leu o relatório do dia de ontem que eu mandei? — Ele nega. — Nele tem dizendo exatamente tudo o que escutei da conversa dos dois — explico, dirigindo meu olhar a Irina. — A mãe dela está viva, James mencionou.
— Viva? — A mesma parece apreensiva agora.
— O filho da puta fingiu a morte dela — Miller murmura, com uma veia saltando na sua têmpora.
Não consigo segurar essa pergunta que está entalada em minha garganta. Eu deveria saber até dos mínimos detalhes, de tudo. E se a esposa de Balashov realmente estivesse morta, por que Miller não me disse no dia em que mostrou as fotos da filha de Bruce? Era claramente um caso de vingança! Mas parece que ainda tem muita merda nisso, meu maior medo é que estejam omitindo algo.
— Por que não me contou que Bruce supostamente tinha matado essa mulher?
Ele fita o olhar no meu, claramente procurando uma resposta para dar, engole em seco e olha para a loira na tela. Permaneço com minha postura firme, o encarando.
— Eu achei que não era importante.
— Não era importante? — Ele assente e eu me levanto da cadeira. — É muita coincidência você não acha? Mas pelo o que você me ensinou, não existe isso.
Meus pés andam ao redor da mesa metálica. Vou para o outro lado, onde Troy está em pé, olhando a tela onde contém as informações da garota.
— Estou liberada? — Apenas assente, me dando permissão para sair da sala. Ele lança um olhar para Hiran, que de imediato entende e começa a pegar seus equipamentos, mas Troy o repreende.
— Depois você vem pegar, preciso analisar algumas coisas com Irina.
Ele não fala nada e vai em direção a porta, onde eu estou lhe esperando. Hiran não dá a mínima para mim quando sai, não pergunta como estão indo as coisas ou qualquer assunto, como ele sempre fazia. E, por mais que eu queira fazer a mesma coisa, meu cérebro está esquentando demais com a ideia que tive e que somente ele pode me ajudar.
— Hiran — sussurro e corro para ficar ao lado dele.
Ele me olha e eu coloco minha mão direita nas suas costas, conduzindo ele para o corredor onde tem as escadas. Está vazio e é claro que Troy não vai se importar de ver as câmeras depois, e mesmo que veja, estará sem som.
— O que foi? — Ele sussurra também e um alívio me envolve. Pelo menos ele ainda entende alguns sinais, sabe quando quero falar uma coisa que fique entre nós e quando eu preciso de ajuda.
— Você consegue arranjar a filmagem do depoimento do Nikolai de quando foi preso?
Ele enrijece mas eu não me abalo.
— Isso são arquivos do instituto russo e é claro que não consigo hackear eles.
É claro que consegue, mas está com medo. Minhas narinas se dilatam pela bufada que dou. Não insisto, se for mudar de ideia, não vai ser eu quem o vai incentivar.
— Eu combinei um lance com James, então já sabe — é claro que não vou contar o que marquei com o garoto, sei que vai ser o primeiro a rir de mim.
Viro meu corpo na direção oposta a ele, mas sinto sua mão agarrar meu pulso levemente, fazendo com que eu pare.
— O que você tá pensando?
— Como assim?
Ele abre a boca para falar mas se interrompe quando uma recruta com seus cabelos ruivos e segurando pranchetas contra o corpo passa ao nosso lado. Quando ela vira no final do corredor, Hiran continua.
— Do que tá suspeitando em relação a Nikolai?
Encaro os olhos com seus lampejos marrons. Eu não diria que sempre confiei em Hiran, mas sim que sempre me senti segura para contar minhas teorias a ele. Me sentia, no passado, agora não tenho certeza se o assunto vai ficar somente entre nós ou se Miller vai saber disso amanhã.
Não estou desconfiando de Troy, não é isso. Mas acho muito estranho ele esconder algo que ao meu ver é crucial. Vamos ser sinceros ele não é burro, sabe que uma coisa pode sim estar ligada a outra. Se James quer tanto expandir seu tráfico para Nova Iorque, por que primeiramente não derrubou Nikolai e dominou a Rússia por inteiro? Simples, porque estão juntos nessa.
— Nada — respondo mas sei que não o convenci.
Sua face severa se desfaz e ele encara um pouco os pés antes de dizer:
— Mia, pode me contar — sua voz tenta soar reconfortante, e por um segundo, a Mia que o conhece desde sempre tamborila dentro de mim, dizendo que ele está falando a verdade. Mas meu lado racional lembra de onde estou e com quem estou e é nesse lado que confio, porque talvez ele esteja certo, talvez Hiran tenha sido consumido.
— Só bobagem minha — me impressiono pela forma sentida que minha voz sai.
Talvez eu só saiba mentir para algumas pessoas, e tenho que colocar na minha cabeça que Gray deve ser uma delas agora.
Ele põe a mão no bolso frontal da calça escura e faz um gesto com a cabeça.
— Acho que você não mente tão bem como dizem, Fletcher.
Então vira as costas para mim, seguindo o caminho oposto. Engulo em seco enquanto observo os ombros largos se distanciando.
Ergo o queixo mais uma vez quando James me repreende.
— Minha postura não é boa garoto, que saco termina logo isso!
— Você disse que não iria reclamar — diz sem prestar atenção em mim, mas no papel.
— E tem como fazer algo com você sem reclamar?
Seus olhos, quase escondidos pela folha que segura, se erguem para mim cheios de divertimento. Já até imagino a gracinha que vai fazer.
— Na verdade… — pego uma das folhas amassadas por ele e jogo antes de terminar a frase. — Ei!
— Termina! — Ele revira os olhos.
— Se você ficar quieta e parar de sair da posição — deixa o caderno de lado e se aproxima de mim, recuo quando a mão dele se aproxima do meu rosto.
— Relaxa, Soph — o dedo indicador toca minha testa suavemente e arrasta para o lado uma mecha do meu cabelo. Pensei que ele iria se afastar, mas depois desse movimento, seu dedos descem pela parte lateral do meu rosto, raspando minha bochecha, fazendo com que todo meu sangue vá para aquele lugar, dedilha o osso do meu maxilar e quando chega no meu queixo, o ergue.
Engulo em seco e levanto meu olhar, que até então estava pousado nas minhas mãos juntas em cima das pernas. Encaro o rosto suave à minha frente e lhe dou um sorriso singelo. Ele começa a se afastar, assumindo a mesma posição que estava, com o caderno apoiado nas coxas levantadas e a coluna apoiada na parede onde tem a janela.
— Enquanto você não termina, podemos fazer o jogo das vinte perguntas — sugiro, e ele me lança mais um olhar daquele, que já reconheço muito bem toda vez que aparece em seu rosto. É como se zombasse e me julgasse ao mesmo tempo, em outras palavras, é como dizer “pelo amor de Deus” sem proferir nenhuma frase. — Tá, vamos. Eu começo — tomo a iniciativa pois ele não fala nada.
— Você pesquisou como puxar assunto no Google antes de vir aqui, não foi?
— Poderia te perguntar o porquê de ser tão chato, mas acho que é um dom mesmo.
— Exatamente.
O que eu posso arrancar de você, Hart?
Nunca tive um encontro de verdade, se o objetivo é se conhecer, eles perguntam coisas um ao outro? Mas que tipo de pergunta? “Qual seu ranger favorito” ou, “Se pudesse estar em qualquer lugar agora, onde seria?” Bom, pensando bem, é uma boa pergunta na verdade.
— Qual o lugar que você deseja conhecer? Tipo, o melhor lugar mesmo.
Não se esforça muito em pensar, já responde de imediato:
— Grécia.
Não questiono, mas não consigo evitar que minhas sobrancelhas se apertem.
— Sua vez de responder agora.
Meus dentes espremem o lábio inferior até que eu sinta uma pequena dor. Não sei se a resposta que planejei é a certa, talvez vá parecer muito óbvia? Ou ele pode achar uma coincidência incrível.
— Acho que a Rússia.
Ele desprende os olhos da folha e me encara. As sobrancelhas arqueadas de uma forma surpresa.
— Sério?
— Sim — dou uma pausa e estico meu pé, escutando o estalo que os dedos fazem. — Você não acha lá interessante?
— Eu quase não conheço pra falar a verdade. Não consigo achar uma coisa que me faça querer ir para lá.
Ah, sério?
— Sua vez de perguntar, vai.
— Passo.
— Aí, você não colabora — ele começa a gargalhar, rindo de verdade, tentando buscar o ar.
— Colaborar com o quê? Eu só quero fazer o retrato, Sophie, que coisa!
Cruzo os braços.
— Eu sei que deve tá louco pra eu calar a boca mas…
— Você nem imagina — o tapa que dou na sua panturrilha faz um estalo.
Não foi o impulso, é uma coisa que todo mundo faz também com qualquer pessoa, não é como eu tivesse o espancando. Mesmo com esse pensamento, sei que Troy iria revirar os olhos e depois iria me repreender se me visse fazendo isso. “Como vão te levar a sério se você não agi séria?” É o que ele diria, mas eu confio no que eu estou fazendo. Se o objetivo é ganhar a confiança de James, é isso o que vou fazer, do meu jeito que talvez seja um pouquinho parecido com o de Sophie.
— É sério, faz outra — ele me pede.
— Tá bom, tá bom… — balanço meu corpo para frente e para trás, tentando pensar em alguma pergunta aleatória. — Tá, qual seu filme favorito?
Ele nega várias vezes, mexendo a cabeça.
— Passo de novo.
— Qual é, Jay! — O apelido sai com naturalidade pelos meus lábios.
— Isso você nunca vai arrancar de mim, sinto muito.
Fico em silêncio, o observando e esperando que ele perceba isso. Os cílios levantam, o lábio dele cria uma curva.
— Tá! — Se dá por vencido. — Você já assistiu amor e outras drogas?
Nem fodendo que o filme preferido dele é um romance.
— Não… não me diga que…
— Em minha defesa… — ele começa a gesticular.
— Ai meu Deus! — Não seguro minha risada, levo minha mão para boca, a cobrindo e abafando o riso. — Cara, sinceramente, com toda essa marra e essas jaquetas, eu pensaria todos os filmes que jorram sangue falso pela tela inteira, mas isso… é muito melhor.
— Você não tem noção do quanto é bom — as sobrancelhas se levantam de novo, querendo botar certeza no que diz. — E tem a Anne, já ganha ponto comigo daí.
Não conheço mas não pergunto, talvez seja alguma atriz do filme.
— Eu não tô te julgando — ergo minhas mãos.
— E o seu? Qual é?
Eu nunca pensei nisso. Claro que tem filmes que eu adoro e a maioria foram preferidos de Ethan… ai, por que tive que lembrar?
A quanto tempo não falo com ele? Nem posso acompanhar nada nas redes sociais, somente Sophie tem conta nas páginas, mesmo que seja sem fotos, não vou pôr nada em risco. E com todos meus três celulares criptografados, não posso nem criar uma nova conta. Talvez eu devesse fingir que morri mesmo, é assim que Ethan deve estar me vendo.
— Acorda, garota — Hart chama, me desprendendo dos devaneios.
— Eu não tenho.
— É claro que tem, todo mundo tem.
— Mas eu não tenho.
Ele larga o caderno e me olha daquele jeito novamente, meu lábio treme querendo rir.
— Eu tô falando que não tenho!
— Não é possível que não tenha um único filme que você assistiu milhares de vezes.
Tá pensando por esse lado… eu até tenho um. Puxo o oxigênio e solto tudo em uma bufada que dou, fazendo meus lábios formarem um bico exagerado.
— Não é pra rir — levanto o dedo em sua direção.
— É claro que eu vou, você riu do meu — dá de ombros e muda de postura, ficando sentado como eu, com as pernas cruzadas.
Olho para o caderno que ele colocou de lado.
— Você terminou?
— Nem vem, conta logo o filme — ele pega o mesmo caderno e fecha, colocando atrás do seu corpo depois.
— Tem uma versão de Romeu e Julieta que eu gosto, pronto, me dá — falo tudo rápido e levanto meu corpo, tento passar minha mão pelo lado dele, para pegar o caderno.
Ele esquiva e quase se deita na cama, ficando em cima do caderno. Agora não tem mais jeito mesmo. Desisto e sento em cima das minhas pernas dobradas, sentindo meus pés frios tocarem minhas nádegas.
— Romeu e Julieta? — Ele pergunta com um risinho crescendo nos lábios, fazendo com que as bochechas cobertas pela barba aparada aumentem.
— Você gosta da sua Anne e eu gosto do meu Leo.
Ele franze as sobrancelhas.
— Que Leo?
— DiCaprio, James! E você não tem direito de rir do meu filme.
— Você por acaso já assistiu o que eu disse?
— E você por acaso assistiu o meu?
Nos calamos, ele levanta o queixo e cada lado dos lábios se arqueiam.
— É o melhor filme do mundo — ele fala, revirando exageradamente os olhos.
Dou um risinho pelo jeito que ele se anima quando começa a gesticular.
— Mostra a necessidade do casal um pelo outro, sabe? Chegando a ser tão vicioso como uma droga e é…
— Não! Não pode ser! Não me diga que é daí que vem o nome do filme — faço o meu maior teatro quando o interrompo, fingindo surpresa. — Me admira uma pessoa como você acreditar nisso, Hart.
— No quê? — Ele pergunta com uma cara de tédio. É impossível não notar como o maxilar fica marcado quando a expressão está neutra, fazendo a parte interna da bochecha ficar oca.
— Que pessoas precisam de pessoas.
Ele dá de ombros agora com as sobrancelhas apertadas uma na outra.
— Mas é verdade — não consigo evitar minha cara deboche.
É sério, como esse cara pode ser um dos maiores procurados da polícia atualmente? Ele acabou de me desenhar e está tentando me convencer que um filme romântico, que é o preferido dele, é bom! E agora vem dizer uma coisa que nem eu mesma acredito.
— É uma coisa temporária mas acontece — inclino minha cabeça pro lado e espero que ele explique mais pois agora estou realmente interessada. — Acredito que existe essa necessidade de estar com uma pessoa, custe o que custar. Mesmo que perca algumas coisas pode não ligar porque tudo o que importa, naquele momento, é aquela pessoa, entende?
É um bom argumento. Mas não concordo. Passo a língua pelos meus lábios antes de dizer:
— Então se essa necessidade é amor, você tá dizendo que amor é na verdade carência?
— Resumidamente, sim. Acho que tem casais que podem perder o encanto em pouco tempo e outros não, e por isso é perigoso porque daí surge o casamento, aí já é tarde demais. As coisas que fez não pode reverter.
Ele acha que o amor pode consumir uma pessoa de forma positiva e depois negativa? Acha que esse sentimento é tão poderoso a esse ponto?
— Não é verdade — é tudo o que digo.
Ele põe o braço tatuado com uma águia atrás da cabeça. Tento ignorar os músculos que realçam mas não consigo, meus olhos gostam do que vê e querem grudar como imãs ali.
— Ninguém desiste de nada por outra pessoa, pode acontecer nos filmes mas na vida real todos só pensam em si próprios — dou de ombros. — Perigoso seria se não pensassem.
Veja você, por exemplo, tem uma irmã e uma sobrinha que ama, tem a escolha de desistir dessa vida de crime e não faz isso.
Ele solta uma risadinha murcha, que se esvazia aos poucos. Seus olhos não estão mais me encarando, estão voltados para o carpete do quarto. Ele trava, literalmente. A feição fica neutra mas logo depois se torna de raiva, talvez? Não consigo decifrá-lo, estou apenas me baseando pelo maxilar e os lábios duros.
— Jay?
Ele desperta, me olhando imediatamente. Franzo minha testa pelo olhar que ele me dá, quase que assustado. Qual o pensamento que desencadeei nele?
— Relaxa — falo a palavra que ele sempre repete para mim, toco em sua perna de leve.
Ele reprime os lábios e apruma o corpo, ficando sentado no acolchoado novamente.
— O que foi? — Me impressiono quando minha mão vai em direção a bochecha dele quando pergunto. Tiro de lá assim que percebo mas é claro que ele notou. Eu só quero fazer algo para o suavizar, não quero que ele fique bravo por nada que eu disse. James tem uma personalidade fácil para arrancar coisinhas e depois encaixar tudo e se ficar bravo, pode por algo bobo, pode me afastar.
— Acredite, já vi isso acontecer — diz, agora já descontraído e pega o caderno mas meu rosto quase cai no chão.
Quem foi consumido pelo sentimento? Ele? Ou talvez… é, é claro que não está falando dele, mas sim de Broke. James estava distante quando ela conheceu Derek e só se aproximou depois, foi isso o que ela disse. É claro, a irmã deve ter sofrido naquele tempo. Sofrido por amor. Mas, o que ela deixou para trás? Acho até admirável ela não desistir dos estudos sendo mãe, então do que ele está falando?
— E aqui está — ele abre todo o caderno na página certa.
Tento focar um pouco, as teorias podem ficar para depois. Quando fixo minha atenção no desenho em seu colo, meus olhos se arregalam, sinto meus lábios se abrindo e ponho a mão sobre ele. James muda de posição na cama, ficando ao meu lado com as pernas esticadas.
— O que achou? — Olho na direção de sua voz e quase recuo quando vejo o rosto tão próximo ao meu.
— E-eu — por que ele está me olhando tanto assim? — É… — sorrio. — lindo, James. Muito bonito — pauso em algumas frases para engolir minha saliva mas não desvio o olhar do dele.
Mal olhei para o desenho para ser sincera. Quando desço novamente meu olhar para tentar focar realmente no que interessa, meus olhos encontram os lábios dele. Sempre entreabertos, quase sendo puxados pelo nariz arrebitado. Encaro a barba desenhada e quando ele vira o rosto, permaneço olhando.
Por Deus, Mia! Para agora!
— Eu gostei do seu pescoço, olha como ficou — ele diz e eu desço meus olhos para o seu pescoço, com a linha perfeita o dividindo do rosto.
Também gostei do seu.
Arregalo meus olhos para esse último pensamento. O que deu em mim, porra? Viro meus olhos e foco na parede em minha frente, subo minhas mãos e as enterro entre meu cabelo, os puxando. James me encara e quando termino de pentear meus queridos fios loiros, o olho também.
— O que você disse? — Solto um riso nervoso.
Que porra tá acontecendo comigo hoje?
— Seu pescoço é bonito — só agora percebo o quanto esse elogio é bobo.
Começo a rir de verdade.
— É isso o que você usa sempre? Chega nas garotas tipo “ei, você tem um pescoço legal” — sussurro ainda rindo e próxima do rosto dele. É impossível não ficar, ele está colado em mim e parece não se importar com isso.
Ele só me encara, que porra! Meu sorriso desaparece aos poucos e eu engulo em seco de novo. Minhas órbitas não param quietas, se eu tivesse uma câmera dentro da minha íris, o rosto completo de James já teria sido escaneado.
— Eu quero assistir — por que estou sussurrando?
— Hm? — Enquanto estou agitada, a sombra cálida me observa devagar, pendendo a cabeça para analisar de outro ângulo.
— O-o filme, eu quero… assistir — a última palavra sai audível somente para ele.
Ele começa a se inclinar e é aí que todos meus neurônios soam o sinal de alerta. Puxo todo o ar que compartilho com ele e apoio minha mão na cama, pegando impulso para começar a me mover. Seu braço já estava por cima das minhas pernas, como caralhos eu não percebi ele se movendo? A cama range quando eu começo a me afastar dele, fazendo esforço para ficar de pé.
— Eu preciso ir, aí! — Exclamo quando sinto meu joelho batendo na mesa da escrivaninha onde eu peguei meu celular.
Se acalma, garota!
Suspiro fundo e olho para James ainda alisando meu joelho
— Preciso ir no banheiro — começo a dar passos para trás ainda com a mão no joelho, ele observa tudo com diversão e por isso eu paro. — Põe o filme — aponto para a tevê.
O desgraçado começa a alisar a barba e percebo pela abertura do maldito sorriso que sua língua está no céu da boca
— Eu não vou assistir justamente aquele filme com você.
Cruzo os braços.
— Você gosta de romance, James, isso não é constrangedor para ninguém.
— Confia em mim, tem algumas cenas constrangedoras sim — fala ainda com o sorriso desenhado.
Entendi tudo. Também não quero assistir nenhuma coisa explícita com James.
— Então bota qualquer coisa, já volto.
Saio do quarto. Fecho a porta atrás de mim e solto todo o ar. O que acabou de acontecer? Engulo em seco e passo as mãos sobre meus olhos.
Os corredores da casa da fraternidade não estão tão movimentados hoje.
— Hiran — sussurro o chamando assim que entro no banheiro. — Hiran não some! — aperto o interruptor e as luzes acendem. — Hiran! — Falo o mais alto possível para um sussurro.
— Tô aqui, tô aqui. Tudo bem?
— Não! — Exclamo. — Ele tentou me beijar!
— Isso é ótimo!
— Não, não é!
Não é possível que só eu use o cérebro.
— Preciso ir embora.
— Tá fugindo, Fletcher? — A voz soa zombeteira, consigo até imaginar ele cruzando os braços e com aquele sorrisinho debochado ridículo na cara.
— Não. Eu só tô pensando no dia de amanhã, se hoje é beijo, o que pode vim depois? Nós vamos ver um filme! Um filme, Hiran! Você sabe o que isso significa? — Minha voz falha um pouco, chegando a soar desesperada.
— Não…
Pois eu sei. Perdi minha virgindade num desses lances de filminho. Não dá certo, nunca.
— Eu vou dizer que precisam de mim, sei lá.
— Ele vai notar, Mia!
— Me resolvo com ele depois!
— E se resolve com o Troy também, não é? — Já deve está com medinho de tudo cair pra cima dele.
— Me resolvo, Hiran — falo cínica.
Depois de mais alguns minutos, olho meu reflexo no espelho e arrumo meu cabelo. Faço um exercício de inspirar pelo nariz e expirar pela boca, preciso tomar coragem para voltar naquele quarto e não perder o foco no rosto cheio de sinais dele.
O som da porta se fechando atrás de mim quando eu entro no cômodo ecoa, chamando a atenção do garoto deitado com o celular em mãos.
— A minha prima acabou de me ligar, ela precisa de mim — é tudo o que lhe ofereço em explicação.
Com o cotovelo apoiado na cama, ele deita a cabeça para trás em um gesto dramático de revirar os olhos.
— É sério, tenho que ir — digo sorrindo.
— Quer carona?
— Eu vim de carro, lembra? — Ele assente e continua me olhando, essa é a minha deixa. — Tchau, Jay.
Viro meu corpo e vou em direção a porta novamente.
— Soph — o olho e ele aponta para a escrivaninha onde há poucos minutos eu bati o joelho, minhas chaves repousam em cima dela.
Sem dizer nada vou até elas e sem dizer nada caminho até a porta. Todos meus movimentos supervisionados por ele. Lhe dou um aceno.
— Não some!
— Não vou — cantarolo para ele e passo pela porta, a fechando logo em seguida.
E nem tinha chance disso, pois quando chego em casa, já tem mensagens dele esperando pela minha resposta.
Segunda.
Washington, D.C. 20:27 PM.
No dia da festa na fraternidade que James participa, eu e Hailey combinamos que devo aprender sobre maquiagens. Troy não gosta que ela saia da escola então deixou bem claro que eu que devo ir até ela. E aqui estou.
É bom passar um tempo com ela. Hailey me lembra Broke, não fisicamente, mas o jeito simpático. Gosto dela, realmente gosto, mesmo sabendo que é uma deles e que eu não posso confiar, ela é uma boa pessoa para passar o tempo. Sem contar no quanto me faz rir quando fala de James.
Quando termino a maquiagem, ela apoia as mãos na cadeira giratória de frente a penteadeira que é onde estou. A sala de disfarces é como um salão e loja de roupas juntos. A sala é escura, tem vários cabideiros espalhados com algumas roupas, gaveteiros onde Hailey guarda todas as coisas que precisa para produzir os agentes e espelhos, muitos espelhos com led branca.
— Está vendo como melhorou no contorno? Só precisamos treinar esse esfumado — ela aponta para a parte esquerda que foi a que eu maquiei.
É, eu finalmente estou começando a inovar mais. Tudo o que eu geralmente uso é uma base e às vezes até um batom, mas agora isso vai mudar.
— Enfim, conta o resto — pede, se referindo ao acontecimento do dia anterior com James.
— Depois daquele papo do filme, ele tentou me beijar, acredita nisso? — Uso meu melhor tom de deboche.
— Estranho seria se não tentasse, né? — Franzo minha testa e ela desce mais o rosto para ficar próxima ao meu ouvido, observo todo o seu movimento pelo reflexo. — Você não é tão inocente a esse ponto, sabe muito bem o que James quer.
É claro que sei. Ninguém se aproxima do nada da amiga da irmã por nada. Sei do desejo que ele sente e vou usar isso ao meu favor, ele não vai sair do meu pé até me conquistar, e se depender de mim, nunca vai ter.
— Sei e é usando isso ao meu favor que vou deixar ele aqui — levanto minha mão e ela sorri.
— Malandrinha — ela bate na mão erguida. — Só não se deixe levar por aqueles olhinhos escuros — sussurra e eu levanto na hora da cadeira.
— Ai me respeita — falo brincando e escuto a risada aguda em resposta. — O pior é que o desgraçado sabe das coisas, disse que eu tenho um lindo pescoço — aliso a parte lateral do membro e ergo o queixo.
— É encantador — debocha revirando os olhos.
Pego o batom vermelho forte que ela disse que ficaria bom em mim e enfio dentro da pequena bolsa que trouxe.
— Ele não vai se livrar de mim tão fácil. Quando for preso vou fazer questão de escutar toda a história dele.
— E ele é tão interessante assim, é?
— Hailey, passa um diazinho com ele e tenta não desconfiar dessa certeza dos russos sobre ele ser o suspeito, só tenta — ela apoia o corpo na penteadeira e cruza os braços. — Aproveita e chama Jenna também pra você ver o jeito que eles se tratam — o lábio dela exibe um sorrisinho. — O que foi?
— E você acha que ele não é o nosso homem?
— Não estou dizendo isso! — Começo a ir em direção a porta, preciso falar com Troy ainda hoje.
— Cuidado, mocinha! — Escuto antes de fechar a porta.
Até não descobrir outra pista, é claro que acredito que ele seja o nosso suspeito. Mas agora, aparecendo Kira e todo esse negócio de Balashov, Bruce e… Troy sem me falar isso desde o começo, parece que invés de facilitar complicou tudo mais ainda.
Ajusto a alça da bolsa pequena no ombro direito. Como já estou no último andar, só preciso ir em direção a sala de Troy, onde ele deve está me esperando. Assim que chego no cômodo vazio, bato na porta mas não tenho resposta, espio na pequena abertura de vidro transparente que tem. Olho para Edward, um dos seguranças desse andar, ele está fardado com o uniforme cinza justo e parado na entrada que se inicia no final do corredor.
— Edward! Você tem o cartão de acesso, não é?
A porta da sala é por tranca biométrica, mas todos os seguranças tem um cartão de acesso por precaução. O cara pálido assente, ainda com as mãos escondidas atrás das costas e o rosto duro.
— Abre aqui.
— Senhorita Ball eu não…
— Agora, Edward — exijo.
— Mas se Troy…
— Ele não vai gostar se você me deixar esperando do lado de fora. Abre.
Ele se dá por vencido e começa a caminhar até a porta. Tira o cartão do pequeno bolso no peitoral. O aparelho emite um pequeno som quando o acesso é permitido.
— Obrigada, querido — ironizo e puxo a maçaneta que se abre com facilidade.
O ar frio me invade quando entro na sala climatizada. Lembro que Troy já me trouxe aqui algumas vezes quando eu era criança, me deixou desfrutar da bela vista que tem do quintal da escola. Me aproximo do vidro e olho para baixo. Ah! Essa vista! Todos os alunos se matando de treinar, alguns com bolsas de gelo por algum ferimento que fez e outros chutando um dos inúmeros sacos de pancada. E lá está Hiran, com o peitoral bronzeado brilhando pelo suor que escorre. Se tem uma coisa que todos concordam, é na eficiência de Hiran em executar golpes consecutivos sem falhas. Sempre quis ter um chute lateral igual o dele, até tentou me ensinar mas eu nunca consegui chegar aos seus pés.
No outro lado, estão algumas crianças fazendo exercícios. Meu corpo estremece quando vejo Oliver Bennett que agora tem seus cabelos esbranquiçados. Ele é o líder de todos os treinadores da parte física. Não tenho boas lembranças dele, ele chega a me intimidar ainda mais que Troy. Não consigo o encarar sem que um filme passe em minha cabeça; aquele dia, aquele maldito dia, foi ele que me segurou, enquanto eu gritava na maca.
Desvio meus olhos dele e retorno minha atenção à sala branca. Involuntariamente, minha unha do indicador começa a afastar a cutícula do polegar. Tento me concentrar apenas naquele movimento, esperando que não repita mais nenhuma cena em minha cabeça.
Já controlando minha respiração, me aproximo da mesa desorganizada. Dentre os inúmeros documentos, um me chama a atenção, é uma ficha. A foto é de uma mulher, com as sobrancelhas da mesma cor amarelada do cabelo, que tem uma mecha caida sobre os olhos; cuja tonalidade é de um forte azul turquesa. Talvez, o que tenha me chamado atenção foi sua expressão, a ponta dos lábios curvados para baixo, os olhos tão vazios, amargurados, rodeados pelo tom escuro das olheiras. Avalanna Stuart é o seu nome.
Vasculho os outros papéis, tentando procurar algo a mais sobre ela mas não encontro nada. Por que só essa ficha está aqui?
Escuto ruídos de vozes vindo do lado de fora. Olho para o vidro da porta e vejo Troy conversando com Edward. Depressa, tiro meu celular do bolso e abro a câmera, apontando para o papel e clicando na bolinha branca. Antes que Troy entre na sala, corro para olhar o quintal de novo, se ele pensar que eu cheguei perto da mesa, vai me esfolar viva.
— A primeira a chegar dessa vez.
Assim que começo a mover meu corpo para o encarar, meus olhos fixam em outra coisa: uma câmera, perto do gesso no teto.
Que beleza, estou fodida.
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NOTA
Tá, talvez eu tenha atrasado um pouco... só um pouquinho...
Agora é sério, desculpa pelo atraso gente, mas teve alguns probleminhas e pra não entregar tudo de qualquer jeito eu preferi esperar.
Mas, e aí? O que acharam do capítulo? Não esqueçam de votar ⭐⭐ isso ajuda bastante o livro. Ah, e obg pelo 1k de visualizações 😔🖐️
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