CAPÍTULO CATORZE.
Quinta-feira
Nova Iorque, 10:57 AM.
Bato no vidrinho da porta dos fundos da casa e aceno para a janela quando avisto o rosto da minha irmã já com suas sobrancelhas juntas pela feição brava. Sinto um alívio quando ela percebe que sou eu e sorri, tento convencer a mim mesmo que ela não forçou o gesto.
- Você por aqui - é a primeira coisa que diz quando abre a porta que dá acesso à cozinha.
Quase rio pelo avental com estampa de galinhas que ela está usando.
Apoio minhas mãos no balcão de porcelanato e o seguro com força, suspirando fundo, tentando tomar coragem para dar início ao que vir fazer aqui.
- É, queria chegar a tempo pra te dar uma carona até a faculdade - digo olhando para ela, que está focada passando o macarrão para o escorredor.
Quando termina de fazer isso, deixa a panela suja na pia e me encara com as sobrancelhas franzidas.
- Meu carro não tá com problema.
Eu simplesmente não posso dar uma carona para ela?
Mas você não veio dar apenas uma carona, James.
Ela permanece parada em minha frente, esperando que eu prossiga com o que estava dizendo.
- Mas eu... preciso conversar com você um negócio - ela deita a cabeça para o lado e percebo em seus olhos a preocupação começando a tomar conta de seu semblante, de imediato tento tranquilizá-la. - Não é nada demais, só quero pedir uma coisa.
Ela solta o pano de prato na mesa com força e vira as costas para mim. Exatamente a reação que eu imaginei.
- É claro, o que você quer? - Reviro os olhos pela forma que fala, como se eu apenas aparecesse para pedir ajuda.
Desfoco meus pensamentos nisso por agora, não vou começar uma discussão besta quando preciso dela.
- Você vai na casa de praia?
Sinto que ela relaxa mais um pouco.
- Ah, a de Montauk? - Balanço a cabeça, ainda apertando o porcelanato. - Eu não vou poder ir, não posso levar Jenna dessa vez e ela não vai ficar aqui.
Adoraria que ela fosse, gosto de ter Broke perto de mim nas festas, mas ela está certa em não deixar a pequena com aquela mulher.
- Mas por quê? O que você quer pedir?
Ela enche um copo de água e arrasta uma cadeira para me escutar sentada.
- Sei que você não vai, mas... - afasto uma das cadeiras e sento em sua frente - pode dizer a Sophie que vai? - Ignoro a expressão que ela faz e falo tudo de uma vez. - Ela me disse que iria mas me perguntou se você também ia e eu disse sim, e acho que se você desmarcar agora talvez ela não fique a vontade... - atropelo as palavras mas ela não me deixa terminar.
- Não, não e não - então começa a se levantar.
- Broke - começo com os protestos.
Ninguém disse que seria fácil.
Meu olhar a segue quando ela põe o copo na pia. Ainda em silêncio, ela passa o avental sobre a cabeça e alisa o rabo de cavalo quando tira o traje. E só aí vira para mim, que estou com meu ombros encolhidos como um menininho que pede bala para mãe em um dia de compras.
- Tínhamos um acordo - que você faz questão de me lembrar todo dia. - Você poderia se esconder na mesma faculdade mas não iria se aproximar das minhas amigas e muito menos ficar com nenhuma delas!
- Mas...
- Aí - quebra minha frase no meio novamente, levantando o dedo com a unha pontuda - somente depois de você ter ficado com a Ember, Tessa, Taylor, Zoe...
Começo a coçar minha nuca quando ela conta nos dedos. Como ela sabe da Tessa? Elas nem são tão próximas.
- Abrimos uma exceção porque sua desculpa foi que "elas também estavam na sua" - faz aspas e eu permaneço escutando o discurso. - Mas a Sophie não tá igual elas que esperavam você na porta da sala ou na frente da faculdade perguntando qual seu próximo destino! Ela só tá retribuindo seu flerte e se você se afastar, ela não vai correr atrás de você, Jay - ela para de falar, com a boca aberta e uma expressão que diz "pelo amor de Deus, para!"
- Mas eu não quero me afastar - jogo meus braços e ela fecha a cara de vez.
- Mas você vai.
Apoio meu cotovelo em minhas pernas e deixo que o silêncio permaneça. Baixo meu olhar e observo o seu all star se sacudindo junto com o pé. Aposto que os olhos esbugalhados estão esperando para que eu os fite, mas não ouso fazer isso.
- Eu sabia, sabia que você tava afim... falei a ela que você tem esse seu jeitão justamente pra ela se preparar quando você se afastasse... - sussurra mais para si mesma e eu concluo que ela já queria ter essa conversa comigo, preparou a Baker para quando eu "perdesse o interesse" mas na verdade, seria mais um resultado das broncas de Broke.
Pensei que talvez Sophie não iria gostar de ir para uma casa com um monte de gente desconhecida, e é só por isso que estou aqui recebendo essa palestra sobre o porquê que não devemos pegar amiguinhas da irmã. As outras vezes as meninas que comentavam com ela quando perguntavam sobre mim, ela reagia da mesma forma e eu ficava quieto da mesma forma.
- Já tentei explicar milhares de vezes, mas você não entende meu lado, né? - Agora eu levanto minha cabeça, encarando os olhos cor de âmbar. - Você vai embora, e quando isso acontecer, eu vou ter que segurar todas as pontas aqui. Essas meninas, assim como os caras da fraternidade vão me perguntar o porquê do seu sumiço do nada e você sabe que eu não vou saber responder! - A voz vai elevando gradativamente.
- Eu já falei milhares de vezes que todo mundo pode pedir transferência - dou de ombros com o resquício de coragem que tenho. - E você mesmo disse que a Sophie não vai correr atrás de mim!
- No começo claro que não, mas você acha que ela não vai criar falsas esperanças? - Fico calado e ela responde por mim - É claro que não acha. Assim como também acha que as pessoas não vão te ligar, ou perguntar sobre seu possível novo número para mim - ela faz uma pausa mas depois completa com o mesmo tom - e não se pede transferência apenas com três meses, gênio!
Ninguém seria tão idiota de incomodar Broke me procurando, é isso o que eu acho mas não sou louco de argumentar mais.
Não é como se Broke tentasse me impedir de algo, mas ela pede pela consideração, porque se eu tiver o mínimo disso por ela, tenho que escutá-la. Eu realmente consegui entender quando ela me contou esse ponto de vista, eu sosseguei, mas agora... agora é a Sophie.
Ela nos deixou a sós na noite da festa e até brincou com isso no dia seguinte, mas Sophie está em seu ciclo de amizade agora, não vai ser só mais um casinho de uma noite qualquer, se fosse isso ela me ajudaria com toda certeza. Não se trata somente de Baker, estamos falando de pessoas do seu convívio, pessoas que ela conhece desde antes que eu entrei na faculdade e eu simplesmente não posso chegar e bagunçar tudo. Não quero nenhuma teoria sobre mim sendo cochichada enquanto ela passa pelos corredores, óbvio que não... mas Sophie não é como essas meninas que não sabem o que é apenas uma noite, aqueles olhos desafiadores me provam isso, nós vamos nos curtir e quando eu "me transferir para outra faculdade", sei que ela vai dar risada e partir para outra.
Então, é isso... né? Se parar pra pensar, eu saio com Sophie até mais que a própria Broke, eu posso conhecê-la melhor.
Estou certo. É, estou certo, ela não vai criar esperança falsa alguma.
- Ai meu Deus, olha a hora! - Me desperto com Broke andando de um lado para o outro, procurando algo. - Eu vou comprar alguns apliques antes de passar na faculdade então... - ela volta da sala de estar com a chave do seu carro na mão - tenho que ir agora.
Levanto da cadeira e a coloco no mesmo lugar que estava.
- Já falei que te dou carona - a estatura pequena continua a andar, mas antes que ela passe para a porta do banheiro no corredor ao lado, abraço seus ombros e beijo o topo de sua cabeça. Quero mostrar que não vou ficar bravo por causa dessa besteira e nem quero que ela fique. Seus ombros baixam, relaxando mais, e seu rosto desmonta a cara de teimosia típica que estava.
- Você voltou a fazer penteado? - Pergunto, me apoiando no batente da porta enquanto olho o seu reflexo no espelho, tentando puxar os fiozinhos do cabelo para baixo com uma escova e gel.
Broke sabe fazer de tudo, tudo mesmo! Parou de trabalhar com penteados quando as maquiagens que ela fazia já eram o suficiente para sustentar as despesas.
- Só por agora - faz mais uma curva com os fios. - Você foi colocar na cabeça da Jenna essa ideia de festa de aniversário, agora ela não para de falar nisso.
Não consigo conter meu sorriso.
- Verdade, tá chegando!
- É, e eu tenho que me virar nos trinta.
- Qual o problema?
Ela tira a atenção do espelho para me dizer:
- Dinheiro, James. Dinheiro é o meu problema.
- Claro que não é, temos dinheiro - dou de ombros e ela solta um sorrisinho amarelo
- Não temos dinheiro, você tem dinheiro.
- E é com o meu dinheiro que vou ajudar.
Ela baixa seus olhos e encara minha camiseta, fazendo de tudo para não me encarar.
- Valeu, Jay. Mas Jenna vai ter o que eu posso pagar.
- Toda criança quer ter uma festinha, temos condições, podemos até alugar um espaço e fazer, sabe disso.
Escuto passos vindo do corredor, mas respiro fundo quando percebo que eles são muito pesados para serem de Jenna e se não são dela...
- Sua irmã não tem coragem de dizer então eu digo: não precisamos do seu dinheiro sujo. Muito menos Jenna, ela vai crescer tendo suas roupinhas, brinquedinhos, o que for, com dinheiro honesto - a capetinha fala de forma ríspida no meu ouvido, olho por cima do meu ombro e vejo o rosto que um dia já foi parecido com o meu em sua juventude.
- Mãe... - Broke fala numa forma de aviso. - Em momento nenhum eu disse isso.
- Então o quê? Está pensando em concordar?
Minha irmã vira bruscamente para ela.
- Não! Não concordo! Só acho que seria uma puta hipocrisia reclamar disso agora que estamos sob um teto, com nossas dúvidas pagas...
- É, dívidas do seu vício - interrompo Broke e saio de perto da mulher de pele enrugada mas ela me persegue.
Puta que pariu, as vezes tudo coopera para a falta da minha paciência.
- Me dê um número, seu ingrato de merda! Escreva a quantia e eu pago tudo!
Dou meia volta no corredor e paro na frente dela que tem os lábios cerrados junto com os olhos escuros que me fuzilam.
- Não precisa me pagar porra nenhuma, arrume tudo e saia daqui - sinto meus dentes rangerem.
O lábio fino se arqueia em um sorriso irônico.
- Você, meu querido filho, como a pessoa gentil que é, colocou essa casa no nome de Broke - o sorriso se alarga quando proclama a última sílaba. - Então, eu só saio daqui quando ela mandar, e você não quer me ver longe, né querida?
Não posso negar que a forma como fala com Broke é totalmente diferente e sincera. Os dedos finos agarram o rosto dela e beijam seus cabelos castanhos, enquanto me encara com aquele olhar de julgamento. Eu nunca vou entender o porquê dela me olhar como se eu fosse um tigre, pronto para atacar sua família.
Mas eu não me abalo, sei que Jenna e Broke me amam e elas são as únicas que faço questão de proteger. Eu estou aqui para elas e sempre estive, nem isso essa pessoa que era para ser minha mãe fez por nós dois.
- Você vem? - Pergunto a Broke e ela concorda, se desvencilhando do aperto da morena.
Saímos sem se despedir da velha.
É impressionante como ela não se arrepende de nada do que fez para nós, e ainda por cima tenta me culpar quando na verdade ela é a hipócrita aqui... não a culpo pela vida que levo porque isso foi escolha minha, mas... ela foi a responsável por tirar ele de mim e sabe disso. Eu queria ser bom como minha irmã, gostaria de perdoar com a simples desculpa de que ela me colocou no mundo mas não estou nem aí.
Ao meu lado, os olhos claros me encaravam, e eu espero que não comece a falar nada para não ser ignorante com ela também.
- Você não quer ligar o rádio? - Me pergunta com um sorriso no rosto e a voz alegre, mas quando não respondo ela vira o rosto para a janela.
Se eu não fosse um rancoroso do caralho, eu até pensaria em perdoar Elizabeth, não por ela ter me dado a luz, mas sim por Broke. Ela não merece viver nesse caos entre mim e a filha da puta, eu gostaria de ser um bom irmão e seguir os conselhos dela em relação à mulher mas não consigo. A única coisa que me tranquiliza é saber que sempre, em qualquer ocasião, em qualquer circunstância, a caçula sempre vai estar comigo e não com o projeto de mãe.
- Obrigado, Jay - me agradece quando chegamos no estacionamento e antes que eu perceba, ela me dá um abraço e sussurra em meu ouvido - Você é o melhor, tá?
Reprimo meus lábios e quando solto ela para desfazer o abraço, pelo vidro da janela do passageiro, vejo uma baixinha andando de bota e saia com o celular em mãos.
Chamo a atenção de Broke que está arrumando a mochila e aponto na direção da sua amiga. Ela destrava a porta e eu também abro a minha. Não perderia a oportunidade de falar com Sophie pessoalmente.
Travo o carro quando elas já estão lá na frente conversando, eu me aproximo e cruzo meus braços.
- Eu li só dois capítulos - Soph comenta, talvez se referindo a algum estudo para a faculdade, mas quando me olha, ela sorri e... meu deus se os bichinhos da mente fossem reais como em um filme que assisti com Jenna, essa seria a hora que eles soariam o alarme.
Ela volta a falar com Broke, mas eu não me incomodo nem um pouco. Posso esperar o papo terminar para sequestrá-la para outro lugar ou conversar um pouco com ela, espera não é o problema quando eu posso olhar pra esse rostinho.
Nem presto atenção na conversa delas, fico ali parado como um poste, hipnotizado por cada detalhe do seu rosto. A boca puxada levemente para cima, fazendo com que ela mostre um pouco os dentes, o nariz rechonchudo e arrebitado logo acima os olhos... com os traços tão delicados, vindo de uma pessoa tão indelicada como ela. Até o jeito que divide o cabelo no meio a deixa mais angelical, mesmo que quando ela puxa os fios loiros para o lado, algo em mim nada angelical desperte. Mas se for começar a falar todas as coisas que são encantadoras e ao mesmo tempo atrativas nela, eu não vou conseguir parar de descrever.
- James? - Escuto Broke cantarolar ao meu lado e eu pisco meus olhos lhe dando minha total atenção.
- Oi, o que foi?
Minha irmã ergue o queixo, com um olhar desafiador lançado para mim. Eu não entendo o que quer expressar quando morde a bochecha e intercala o olhar entre mim e Sophie, e entendo menos ainda quando vira para a loira e pergunta:
- Ei, Soph, vai para Montauk com a gente, né?
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