Capítulo 4
O ar fresco e o relativo silêncio do estacionamento foram um alívio, até que a Bia viu quantos outros carros pretos estavam camuflando o dela.
Sentar no chão e chorar.
Não. Isso não.
Ela pegou a chave do carro. Chorar era para ser feito em casa, deitada na cama, melhor lugar do mundo para curar bebedeira e tristeza por causa de namorado. Os pés, doendo por causa do salto, não queriam colaborar, mas a Bia os obrigou a ir até cada um dos carros pretos, enquanto ia apertando o botão do chaveiro e, graças a Deus, um deles não demorou a responder ao chamado da dona.
— Bingo! — ela gritou, quando as luzes piscaram e as portas destravaram.
Ela se arrastou até a porta e a abriu, mas a porta se fechou novamente. Ela puxou a maçaneta, e nada. Ela apertou o botão e tentou de novo. Sem sorte. A Bia já estava pronta para xingar o carro que não queria funcionar na hora que ela mais precisava, quando descobriu o defeito. Uma mão segurando a porta fechada.
Ela se virou e deu um gritinho ao ver o homem parado atrás dela.
— Pode levar. — Ela jogou o chaveiro nele, e estava se preparando para fazer o mesmo com a bolsa, mas ele não parecia interessado na chave, que bateu no peito dele e caiu no chão, enquanto ele continuava segurando a porta.
— Relaxa, gata. Eu não quero nada de você, mas você não pode dirigir. — Ele se abaixou, calmamente, e pegou a chave do chão.
— Claro que eu posso. Você quer ver a minha carteira de motorista? — Ela tentou tomar a chave da mão dele, que não deixou. — Você é da polícia?
Ele deu uma gargalhada.
— Não precisa ser cana pra ver que as cinco vodcas te deixaram bêbada.
— Ha! Se ferrou! Foram quatro vodcas! — a Bia exclamou, quase metendo o dedo na cara dele. — Peraí, como você sabe? — Ela estreitou os olhos e reconheceu o garçom. — Ah. Você.
— Eu. Por que você não liga pra alguém?
— Porque eu não tô a fim de conversar?
— Pra vir te buscar — o rapaz enunciou devagar e claramente.
— Ah.
A Bia tentou o celular da Vivi, que foi direto para a caixa postal. Ela estava de namorado novo e os dois tinham planejado uma noite especial, por isso a Bia nem perdeu tempo deixando recado. Sua outra opção era o irmão, que ia encher o saco por ela estar bêbada, mas ele também não atendeu.
— Ninguém atende. Eu pego um táxi ou chamo um Uber. — A Bia se rendeu. A realidade era que ela não estava bem para dirigir, e devia estar mais bêbada do que pensava, se achou que podia. Ela nunca dirigia quando bebia.
— É perigoso.
— Você me leva em casa?
— Eu não dirijo.
A Bia suspirou e o encarou esperando por uma sugestão. As dela tinham acabado.
— Não tem mais ninguém pra te ajudar?
— Não — ela respondeu por cima do nó se formando na garganta. Porque tinha uma pessoa que estava logo ali, dentro do bar, mas ele não se importava. Uma lágrima se atreveu a cair e ela secou rapidamente.
O rapaz coçou o lado do olho direito, numa batalha com si mesmo. E ele perdeu porque os ombros largos e fortes caíram em sinal de derrota.
— Eu não moro longe. — Ele trancou o carro e colocou a chave no bolso. — Por que você não vem comigo? A gente pode comer alguma coisa e depois você tenta ligar pros seus amigos de novo.
— Cara, eu sei que eu tô pra lá de Bagdá, mas eu esgotei a minha cota de ideias estúpidas achando que eu podia dirigir.
— Eu tenho batata frita. — Ele balançou uma sacola branca na frente dela.
— Quando eu digo que eu posso morrer por comida, eu não tô falando sério. — A Bia revirou os olhos e o rapaz prendeu um sorriso.
— Vem comigo. — Ele pegou a mão da Bia e a puxou.
— Eu não vou pra sua casa! — Ela tentou se soltar. Qualquer criança sabe que não se vai na casa de um estranho, e nem cinco litros de vodca iam fazê-la esquecer quantas vezes seus pais tinham repetido a mesma ladainha.
— Fica calma, princesa. — Ele a soltou e levantou a mão com a palma para fora. — A gente vai só até ali na frente do bar.
A Bia examinou o rosto dele com cuidado. Ele parecia bem-intencionado, e era bonito, e parecia ser legal...
Não interessa, Bia, você não vai pra casa dele! Uma voz que parecia muito com a da mãe fez um escândalo dentro da sua cabeça.
— Até a frente do bar — a Bia concedeu. E só porque ela ia ter que ir lá mesmo. Para pegar um táxi. Que era bem menos perigoso do que ir para a casa dele.
Ele não tentou segurá-la novamente, e ela o seguiu, brincando de tentar andar em linha reta, até os dois seguranças parados na porta.
— Esse é o Shrek e aquela é a Fiona — o garçom apresentou e os dois homens mostraram o dedo do meio para ele.
— Com todo respeito, moça — a Fiona, um homem de dois metros de altura por um de largura, se desculpou.
— Sem problema, eu faço isso o tempo todo.
— Você tem cara de quem nunca mostrou o dedo do meio pra ninguém — o garçom duvidou, e a Bia mostrou o dedo do meio para ele. Os dois seguranças caíram na gargalhada.
— Eu mereço — o rapaz reclamou, sorrindo. — Essa é a...
Os três a encararam, esperando. Ela demorou alguns segundos para entender.
— Bia! — Ela se deu parabéns mentalmente por lembrar o próprio nome.
— Essa é a Beatriz...
— Biatriz, com 'i' — ela corrigiu o garçom, sem ligar para os olhares de espanto. Ela já estava acostumada. — Se não fosse tão tarde eu ligava pra minha mãe e pedia pra ela explicar, porque até hoje eu também não entendo.
— Podia ser pior. — Um dos seguranças deu dois tapinhas no ombro dela.
— Eu sei. — Ela retribuiu com dois tapinhas no braço dele, porque não alcançava o ombro. — Nós somos almas gêmeas, Shrek.
Dessa vez, os três caíram na gargalhada.
— Então, essa é a Bia — o garçom tentou, mais uma vez. — Ela não tá podendo dirigir. Eu ofereci a minha casa pra ela esperar até ela conseguir falar com algum amigo, mas ela disse que não vai porque não me conhece.
— Garota esperta. — A Fiona olhou a Bia com admiração, e o garçom perdeu a paciência.
— Você acha melhor ela pegar um táxi? Nesse estado?
— Não liga pra aquele otário ali, não. — O Shrek apontou para a Fiona. — O Lôro é inofensivo.
— Isso é verdade. — A Fiona, deu uma risadinha. — Todo mundo sabe que as partes dele não funcionam.
— Coitado! Tão novo! — A Bia virou os olhos arregalados para o garçom. — Por que você não procura um médico? Eu tenho certeza que...
— Eu não preciso de médico! — O garçom fez um gesto brusco com a mão, e ela se calou.
Também não precisava ser mal-educado, ela só queria ajudar.
Ele respirou fundo antes de continuar.
— O que eu tô querendo dizer, desde o começo, é que você vai voltar lá pra dentro e a chave do seu carro vai ficar com o Shrek. Ele só vai deixar você ir embora quando alguém vier te buscar.
De repente, ir para a casa de um desconhecido deixou de ser tão absurdo. O que ela não podia, de jeito nenhum, era voltar para o bar e se arriscar a colocar em prática a campeã das ideias estúpidas da noite, que seria ir atrás do Diego e acabar dando um show.
Ela estudou bem o rosto do rapaz. Se ele tivesse más intenções podia ter aberto a porta do carro e a empurrado lá para dentro. Ao invés disso, ele estava perdendo tempo tentando ajudá-la. Não era todo dia que você encontrava pessoas que se preocupavam com desconhecidos. E os pés dela estavam doendo. E ela estava com fome. E ele tinha oferecido batata frita. E ela teve uma ideia.
— Vem cá. — Ela puxou o garçom com ela para o meio dos dois seguranças e entregou o celular para o Shrek. — Tira uma foto, por favor.
— Isso é hora de fazer selfie? — o garçom perguntou com um tom de irritação na voz, mas não se afastou e fez a vontade dela.
— Eu vou com você. — Ela apontou o dedo para ele quando o segurança devolveu o celular. — Mas eu tô mandando essa foto pra minha amiga. Ela faz krav... alguma coisa, sei lá. Se eu não voltar pra casa inteira, ela mata vocês três.
A Bia guardou o celular depois de mandar a foto para a Vivi. Ela não ia matar ninguém, claro, mas pelo menos alguém ia saber com quem a Bia tinha passado as últimas horas de vida.
— Se você vacilar com a menina, você não vai mais ter partes que não funcionam, você não vai mais ter partes nenhuma, tá ligado? — A Fiona pôs a mão no ombro do garçom, que revirou os olhos.
— Vai de boa, o Lôro cuida de você — o Shrek assegurou.
A Bia sorriu e agradeceu aos dois, antes de virar e seguir o garçom.
Não era uma boa ideia, mas, às vezes, as circunstâncias te obrigam a escolher o menor de dois males e, naquele momento, entre morrer e ter que encarar o namorado, qualquer um faria a mesma coisa.
Não é verdade?
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