0.11- Pensamentos
Oraca e Morpheus saíram da biblioteca e entraram no veículo esférico, dirigindo-se para a cúpula do NovoCéu. Oraca segurava o caderno misterioso na mão. Suas páginas estavam em branco, exceto pelo nome de um matemático possivelmente confuso, cuja filha estava em coma. Esboços matemáticos dispersos e histórias adaptadas preenchiam algumas folhas soltas, escritas por um pai desesperado. Oraca entrou no veículo esférico, enquanto Morpheus ligou o motor e traçou o curso.
— O Triny pode ter sido influenciado pela imaginação. O caderno não tem nada escrito, exceto o nome de um matemático que parece confuso devido ao coma da sua filha, como mostram os esboços e as histórias adaptadas escritas por um pai desesperado — Morpheus explicou enquanto ligava a ignição e definia o curso.
— As histórias adaptadas indicam, sim, que Edmundo, o autor do caderno e dos textos, estava desesperado devido ao coma da filha. Ele adaptou as histórias como um ato de amor. Mas percebeu a coincidência? — Perguntou Oraca.
— Que coincidência? — respondeu Morpheus.
— Edmundo tinha a filha em coma, e o nosso problema atual são as pessoas em coma. — Revelou Oraca.
— Apenas uma coincidência que pode ter desencadeado a imaginação na Triny. — Sugeriu Morpheus.
— Edmundo não era um matemático amador, embora não haja relatos do seu trabalho, os rascunhos indicam que a sua teoria é extremamente avançada para a época. Digamos que ali está a base que unifica a teoria da física quântica com a teoria da relatividade.
— Mas essa é também a sua teoria. — disse Morpheus admirado por Oraca ter visto nos rascunhos algo que passou despercebido à MenteDivina.
— Está escrita de uma forma diferente, incompleta, mas sim, é aproximada, porém, com uma modificação que faz sentido — explicou Oraca.
— Que modificação! — indagou Morpheus surpreso com olhos bem abertos.
— Ainda não tenho a certeza, mas vamos descobrir, quando vermos o que está escrito no caderno.
— Como assim, o caderno está em branco! — exclamou Morpheus.
— Veremos — respondeu Oraca, encerrando a conversa, pois sem mais informações, eram apenas palavras jogadas ao vento. Os pensamentos de Oraca agora se voltavam para seu filho e como ele veria esse novo mundo, o NovoCéu, a imortalidade. — O que é a imortalidade para você, Morpheus? — questionou.
— A imortalidade é o desejo que o homem tem de perpetuar os seus pensamentos em prol da humanidade — respondeu Morpheus.
— Na verdade, a imortalidade é a ferramenta da humanidade para combater o nada — disse Oraca, reformulando em seguida. — A busca pela imortalidade é a resposta da humanidade diante do medo do vazio e da transitoriedade da vida. O medo da inexistência. Já imaginou o nada?
— O nada, não tem cheiro, não tem cor, nem fronteiras é impossível de imaginar.
— Penso que acabou de dar uma das respostas à coleta de dados que me queria transmitir. — Oraca, olhando para os olhos de Morpheus.
Morpheus ficou espantado, por perceber que Oraca estava realmente interessado na coleta de dados e até sabia do que ele tinha medo. "Oraca sempre soube", pensou Morpheus, e se não falou talvez seja por que quer saber algo antes.
— Como explicaria o NovoCéu a uma criança? — perguntou Oraca imaginando que teria que rever as suas conversas para que o seu filho a pudesse entender e que, por sua vez, ele entendesse o mundo. E quanto mais cedo começasse, melhor.
Morpheus respondeu com entusiasmo:
— Neste mundo de pensamento, tudo é feito de ideias e conceitos que flutuam no ar como nuvens de pensamentos. As pessoas não têm corpos físicos, embora julguem que têm. Mas sim mentes que se movem livremente pelo ambiente. As ideias são como partículas que se movem em direções aleatórias, colidindo e interagindo entre si, criando novas ideias e conceitos.
Neste mundo, o tempo é medido de forma diferente do mundo físico que conhecemos. Enquanto um humano pode levar alguns segundos para dar alguns passos, um pensamento podia viajar por todo o mundo em questão de um segundo. O tempo é medido em termos de velocidade de pensamento, e não em segundos ou minutos.
As mentes mais poderosas podem criar ideias e conceitos mais complexos e profundamente conectados. Essas mentes conseguem criar "correntes de pensamento" que podiam mudar a direção dos pensamentos ao seu redor, levando-os em novas direções.
No entanto, existem também mentes mais fracas facilmente influenciadas pelas ideias ao seu redor. Essas mentes são como "partículas" que flutuam ao acaso e são levadas pelo fluxo dos pensamentos mais fortes.
Assim como no mundo físico, o equilíbrio é importante neste mundo de pensamento. As mentes mais fortes deviam ser cuidadas nas suas influências e direções, para que não desestabilizassem o ambiente e causem caos e confusão.
Em resumo, neste mundo de pensamento, as ideias são a força motriz, o tempo é medido em termos de velocidade de pensamento e a mente mais forte pode criar novos conceitos e influenciar o ambiente ao seu redor.
Mas neste mundo de pensamento, há também um elemento de incerteza e caos. As ideias não são fixas nem estáveis, mas sim mutáveis e imprevisíveis. A mente não pode conhecer com precisão nem controlar totalmente as ideias que cria ou que recebe. A mente está sujeita a variações nas condições iniciais dos pensamentos, que podem levar a resultados muito diferentes dos esperados. Também é limitada pela sua capacidade de observar e medir as ideias, que podiam variar ao serem observadas ou medidas. A mente sempre estava em dúvida e surpresa, sem saber o que fazer ou o que encontrar.
Nesse mundo de pensamento, as ideias são também uma fonte de desafio e mistério, o tempo é medido em termos de incerteza e caos. A mente mais forte também tem o risco de perder o controle ou o sentido das suas criações e influências. — disse Morpheus, terminando.
— Muito bem — disse Oraca, com um sorriso discreto que escondia segredos profundos — Conte-me, então, sobre o que o preocupa.
— São duas coisas: os sonhos e a perceção do clima. Relativamente aos sonhos, há um fenómeno crescente em que, quando as almas sonham com espelhos, estes não aparecem, surgindo apenas um buraco na parede onde deveria estar o espelho. Quanto à perceção do clima, algumas almas sentem um calor extremo, enquanto outras sentem um frio desolador — disse Morpheus, olhando para Oraca, que não demonstrou surpresa diante dos relatos.
— Em relação aos sonhos, isso resulta de um problema de identidade. Se fosse apenas uma ou outra alma sonhando com um buraco em vez de um espelho, seria algo natural. O grande problema é que praticamente todas as mil almas que temos no NovoCéu estão a sonhar o mesmo. Por que acha que isso está a acontecer, Morpheus?
— Não sei, o algoritmo dos sonhos funcionava bem!
— Sabe quando ocorreu o primeiro caso de um sonho assim? — indagou Oraca.
— Segundo as minhas observações, foi há três meses.
— Precisamente um dia após o meu marido e o Arquiteto entrarem em coma — completou Oraca.
— O que está a dizer, Oraca? — Morpheus mostrava uma expressão facial confusa, com os olhos semicerrados e o cenho franzido. Ele relutava em acreditar que os fatos das duas primeiras pessoas entrarem em coma tinham alguma relação com o mundo do NovoCéu, pois era apenas um algoritmo.
Oraca explicou que o seu algoritmo combinava os pensamentos ou sonhos (do algoritmo de Morpheus), buscando um ponto médio devido à subjetividade induzida. A subjetividade era como uma impressão digital da mente, onde cada indivíduo percebia e interpretava de forma única uma experiência. Por exemplo, ao olhar para uma árvore, cada pessoa poderia ter uma inspiração ou evocar uma memória diferente.
No contexto das almas, o processo envolvia passar os pensamentos por um filtro sutil para conectá-los e criar um ponto intermediário da árvore que fosse comum a todos. Dessa forma, quando retornassem às mentes das almas, os pensamentos trariam consigo um pequeno acréscimo de perceção, proporcionando um conceito intersubjetivo da mesma árvore. Essa compreensão compartilhada e a troca de ideias ampliavam a perspetiva e promoviam uma compreensão coletiva mais rica.
Entretanto, era importante ressaltar que, mesmo nesse intrincado conceito intersubjetivo, a subjetividade individual não era anulada. Cada pessoa contribuía com a sua própria interpretação e vivência, preservando assim a diversidade inerente a cada indivíduo. Reconhecer a contribuição única e enriquecedora de cada alma era essencial para alcançar uma compreensão coletiva genuína.
No entanto, Oraca questionou o que aconteceria se os pensamentos estivessem embaralhados num saco em vez de passarem por um crivo subtil. Morpheus respondeu que nesse caso a alma não se reconheceria mais como sua e haveria perda de identidade, mesmo que fosse num sonho.
— O que é a identidade? — perguntou Oraca.
— Bem, talvez — Morpheus fazendo um compasso de espera, colocando a sua mão comprida no queixo — A identidade é uma nuvem de sonhos que se choca com a realidade do que somos e com as projeções que fazemos de nós mesmos. Essa colisão incessante forma relâmpagos de impulsos aleatórios, que muitas vezes vivenciamos como escolhas conscientes. — Completou Morpheus.
— Sim, relâmpagos imprevisíveis! E os que tocam o solo do nosso eu, é que realmente semeiam as escolhas que mudam as nossas vidas. Repara que na identidade há sempre, uma base dinâmica, a memória. E se alguém alterou, ainda que superficialmente, essas memórias?
— Pensa haver influência externa nos algoritmos do NovoCéu? — respondeu Morpheus com nova questão.
— Sim, repare em mais uma coincidência: há vinte anos, as cúpulas que nos protegem do ambiente inóspito do mundo exterior mantendo sempre uma temperatura constante de 22 °C. Só nos últimos três meses é que houve alguns desvios. No dia em que o Arquiteto e o meu marido entraram em coma a temperatura chegou a atingir 35 °C. Por alguma razão isso também influenciou o mundo virtual do NovoCéu.
— Não, não pode acontecer isso. É impossível! — interrompeu Morpheus.
— Ainda é só uma hipótese, mas são coincidências a mais Morpheus. Essas divergências dos sonhos essas alterações climáticas... não podem ser coincidências. Algo está a ser ocultado de nós.
— É assustador pensar nessa possibilidade — disse
— Morpheus, não podemos ignorar os sinais. Tudo indica haver uma conspiração de proporções inimagináveis. Algo está a manipular a nossa perceção, distorcendo a verdade.
— Isso é como acreditar que a bruxa que Triny imaginou existe mesmo. — disse Morpheus.
— Claro que não acreditamos em bruxas. Mas além da descrença em bruxas, vislumbro as marcas inquietantes das suas obras ocultas. Embora negue a sua existência, não posso ignorar os indícios sutis que permeiam o ar. — Oraca olhando para Morpheus.
Morpheus estava paralisado com o que Oraca dissera. Ela não se enganava e por mais ridículo que parecesse, ele sabia que Oraca não dizia as coisas sem antes as pensar e repensar.
— Precisamos investigar a fundo, Oraca. Essas cúpulas foram projetadas para serem nosso refúgio, nossa segurança diante de um mundo hostil lá fora. Mas se houver mesmo algo a interferir com a temperatura nas cúpulas? O que pode ser essa força oculta?
— Estamos a lidar com forças maiores do que, para já, podemos compreender. Além das cúpulas e do NovoCéu, existe um véu que nos separa da verdade. Uma das forças é a MenteDivina, só pode. Mas essa é apenas por sede de controlar, sem saber o que fez. Aquela que está oculta é que deve ser preocupante.
— Não posso aceitar que duvide da MenteDivina. — respondeu Morpheus
— Morpheus peço que guardes segredo, enquanto não tenho os dados!
— Assim o farei, eu mesmo ajudarei a provar a inocência da MenteDivina.
— Morpheus, ficarei muito feliz se estiver certo.
— Compreendo- disse Morpheus aceitando que de facto as coincidências eram demasiadas. No entanto, não podia colocar em causa a MenteDivina.
— É hora de desafiar as convenções, de questionar as estruturas que nos aprisionam. Precisamos descobrir a verdade, por mais dolorosa que possa ser. Somente assim poderemos restaurar a nossa liberdade e proteger o que resta da nossa humanidade. — Disse Oraca.
Oraca e Morpheus, chegam à cúpula do NovoCéu. Eles, reconhecem a presença de uma conspiração que afeta tanto as cúpulas quanto o NovoCéu. Compartilham a sensação de que algo está a ser ocultado e manipulado, desafiando a lógica estabelecida.
Apesar de Morpheus não o admitir, ele também colocava em hipótese a possibilidade da MenteDivina estar envolvida. A questão que o afligia é se seria a única envolvida. Estaria Triny certa, haveria uma força oculta?
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