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Todas já estavam em quadra esperando pelo arbitro soar o apito para iniciar a partida. A ansiedade era tamanha com aquele campeonato, que havíamos lotado as arquibancadas. Quando vencêssemos, abriríamos um prêmio a mais de vantagem com o Dragão, nosso maior adversário até aquele momento.
Estávamos à dois anos lutando para vencê-las e superá-las como time. Apesar de nossas vitórias esmagadoras em outros jogos, aquele era o mais importante. Ele era a nossa meta.
Quando o juiz apita e Martika saca, a pressão aumenta e a adrenalina corre em minhas veias em uma velocidade sobrenatural. Eu daria tudo de mim naquele jogo, pois nosso treinador havia convidado pessoas importantes para nos assistir e, se desse tudo certo, teríamos até o final do mês uma oferta de um emprego internacional!
Claro que não seria para todas as meninas, somente para as que se destacassem, por isso eu já havia arregaçado as mangas e trabalhado muito duro para conseguir chegar lá. Não era meu sonho jogar fora do Brasil, no entanto, se aquela fosse a vontade do Criador e ajudasse as meninas a se espelharem em mim, eu aceitaria. Quem sou eu para entender os planos dEle?
Para quem assistia, o jogo demorava muito a passar, cara uma um time fazia ponto, abriam algumas vantagens e outras vezes recuperaram e nos deixavam no sufoco. Todavia, para as jogadoras em quadra, cada segundo importava, pois não podíamos nem respirar errado. Ao notar, já estávamos no 5 set, o último que teria na partida e o Juliano pediu um timebreak para quebrar a tensão do jogo.
— Por acaso vocês estão jogando para perder? Virei piadista agora? Porque o que eu estou assistindo nem o maternal faz! — o nosso treinador grita, nos dando uma bronca do porquê não acabamos aquele set interminável.
Ele precisava entender que estava bem difícil, elas jogavam bem pra caramba. Elas não estavam em primeiro lugar por bobeira. Juliano não espera por nossas respostas e continua a sermão, mas para de reclamar, quando Tobias, seu filho, cochicha algo em seu ouvido e ele anue, pegando se sua mão a prancheta e mostrando um contra-ataque que poderíamos explorar nas próximas jogadas.
Tobias estava treinando como assistente de treinador já fazia alguns anos, mas sempre atuava mais na surdina, porém, agora com sua experiência em quadra, ele auxiliava muito o seu pai e nós do time em ataques novos.
— Dina, você que será a próxima a sacar, preste atenção nas jogadoras 5 e 13, elas estão deixando um espaço aberto na linha do fundo, no qual você poderá com um saco rápido fazer um ace — Tobias me diz, ajeitando o boné e olhando diretamente para os meus olhos.
Assinto, prendendo a respiração ao encarar os seus olhos azuis. Droga, ele precisava me olhar com tanta atenção? Ele me oferece água e eu aceito, bebendo quase a garrafa inteira. Aquela partida já tinha mais de duas horas de duração e se enrolássemos mais, iria para três.
O juiz apita e voltamos em quadra, eu pego a bola e a bato no chão com uma mão, me concentrando na jogada. Vou até o fundo da quadra, ficando atrás da linha que delimitava o campo e me concentro. Diminuo a respiração e olho para o meu adversário, ao escutar o apito dizendo que eu já tinha permissão de iniciar a partida, eu espero por mais dez segundos, dentro do meu tempo permitido e saco exatamente onde Tobias me aconselhou.
As meninas não se conversam e a bola vai ao chão. Meu time grita eufórico com o ponto de graça. Mais uma vez sou eu quem saco. Olho para o placar antes de me focar, para saber quantos pontos estávamos em vantagem. Tínhamos aberto o placar em 8 X 5, não era muita coisa, mas se continuássemos esse ritmo, o troféu viria para nossa casa.
O próximo ponto também é nosso, com um corte de Martika. Mas quando eu saco novamente, elas conseguem se reerguer no contra-ataque e fazem o ponto. Eu olho para as minhas companheiras e solto o ar, de tensão que me corroía por dentro. Não queria ser a responsável pelo meu time perder, não quando no último jogo eu errei vários pontos, jogando a bola na rede ou cortes para fora.
O jogo continua até chegar em 12 X 11 para nós. A plateia uiva o outro time, quando eles sacam, tentando desestabilizar a sua concentração, e quase funciona, pois a bola bate na rede e cai para o nosso lado. Eu a pego com uma manchete mandando a direção na nossa levantadora, Julia, que me olha, indicando que ergueria para eu cortar. Eu faço a passada para pular e cortar, contudo, de repente eu vejo que a bola que a Julia levantou para mim de toque não está perfeitamente alinhada em minha direção, querendo passar para trás de mim e não daria tempo para mais ninguém pegá-la.
Eu entorto o meu corpo para acertar a bola, mas ela espalma e não ganha velocidade, batendo no bloqueio triplo, já pronto com o meu ataque. Perco o equilíbrio e, ao cair no chão, eu sinto uma dor me dilacerar e um som de algo se quebrando. A dor é devastadora demais, arde a minha perna e eu berro de aflição.
Quase ninguém entende o que acabou de acontecer, fazendo o juiz apitar para pausar o jogo. As lágrimas saem depressa e eu continuo gemendo com a minha perna, que até então eu não tinha visto a gravidade da situação. Minhas companheiras chamam os primeiros socorros, a plateia se levanta para averiguar o que me sucederia, as minhas adversárias param longe de mim, cochichando. Tudo acontece muito rápido.
— Dina, você está bem? — eu me desperto de minhas lembranças, quando Tobias me chacoalha com sua mão em meu ombro. Olho para ele, assustada, pois estava muito longe dali, até acordar novamente para a realidade que estava vivendo.
— S-sim — demoro um pouco para responder, mas ao fazê-lo, engulo em seco, apreensiva com o jogo que estava prestes a acontecer e sinto o amargo corroer a minha traqueia. Estava mentindo sobre o que sentia, tanto para ele quando para mim.
Eu me encontrava completamente apavorada, sabendo que em poucos minutos eu teria que entrar em quadra e ter que lidar com o meu trauma. Preferia ficar no banco e assistir. Nos outros dois jogos, quando eu fui após a liberação do médico, eu apanhei feio nos jogos e meu time perdeu. O que seria de mim agora?
Tobias ainda me observava, enquanto eu apertava as minhas mãos com força, desejando veemente sumir. Meu coração batia com força em meu peito e sentia as minhas pernas tremerem, com muito anseio de entrar naquela quadra e mais uma vez me machucar. Eu encontro com os olhos dele, aquele mar azul tão profundo e tranquilo, que eu perco o fôlego ao me afogar naquela sua mansidão.
— Você não está bem, Dina — ele afirma, apertando meu braço com gentileza, me dando apoio. — Eu posso te deixar no banco hoje.
Eu preferiria aquilo, mas se eu aceitasse, nunca mais iria jogar. Nego o seu pedido e puxo, com as mãos trêmulas as joelheiras para cima, escutando o juiz apitar para iniciar a partida contra o Curió Paulista. Mas antes de ir em quadra, eu encaro Tobias, como se ele soubesse já o que eu estava pensando, por acrescentar:
— Se eu perceber que sua mente não está na partida e sim na ferida, eu irei te tirar do jogo.
Assinto e respiro fundo, acompanhando as minhas colegas, que já me olhavam torto por estar conversando com o nosso treinador de uma forma que aparentava muito mais íntima. Tobias evitava falar alto e me expor, ainda mais por saber dos comentários e críticas das suas pupilas. Ele já havia deixado bem claro o que faria caso continuassem com aquele comportamento agressivo contra mim, melhorou e muito, mas eu só calaria a boca delas, quando eu voltasse a jogar bem em quadra.
Talvez era por isso que eu esforçava tanto, para provar o meu valor.
O jogo inicia com o apito e eu me sinto desconexa ao jogo, sentindo emoções do passado influenciar o meu presente. O medo em errar me deixava tonta, preocupada demais com a minha situação e não conseguindo diferenciar o que me aconteceu com quem eu era naquele momento. Eu não era o meu trauma, mas eu estava fragilizada e me sentia vulnerável ao saber que qualquer hora que poderia falhar e me quebrar novamente.
Balanço a cabeça me obrigando a me concentrar. Foca, Dina. Você consegue! Eu me apoio e olho para a bola que vinha em minha direção. Como nos treinos, eu a recebo passando para a levantado em toque, que ergue para a minha colega, que estava atrás dela, jogando a bola por cima de cima cabeça até a linha da quadra de ataque. Sabrina acerta em cheio o ataque no chão do time adversário, furando o bloqueio duplo.
As meninas comemoram, mas eu só me viro, segurando o meu braço, sabendo que alguma hora tudo daria muito errado. Estávamos apenas no início do jogo e meus batimentos, a mil por hora.
Assim que fechamos o primeiro set, temos mais um timebreak para respirar um pouco e tomar água. Apesar de eu ter reparado que Cotty, nossa levantadora, estava evitando passar a bola para mim, para eu cortar, estava feliz que consegui me sincronizar com o time e ajudar nas defesas, apesar de essa não ser exatamente a minha função — uma vez que eu vou atacando, logo eu tenho que cortar, e não ficar na ofensiva.
— Por que você não passou nenhuma bola para a Dina, senhorita Ribeiro? — Tobias pergunta encarando Cotty, mostrando que percebeu também aquela atitude de minha companheira. — Nosso adversário já reparou também nessa sua investida e, apesar de terem ganho esse set, no próximo não terão chances se continuar mandando as bolas somente para a Sabrina ou a jogadora do meio.
Cotty olha para as suas companheiras, que a encaram como firmeza, esperando a resposta dela, se seria legal a amizade delas ou não.
— Estou esperando uma resposta — exige nosso treinador.
— É porque ela... — Cotty me olha, mordendo o lábio apreensiva, sabendo que magoaria a resposta. Solta um suspiro, antes de tomar coragem para explicar suas ações. — Ela não sabe mais saltar. Como espera que ganhamos se ela não corta mais?
Olho para Tobias, que ajeita o corpo, incomodado pelo que escuto e mexe em seu boné, evitando me fitar, pois já sabia como eu me sentia. Ele já havia testemunhado muitas vezes aquela crítica direcionada a mim, mas deve ter julgado que foi superado, uma vez ninguém mais comentava sobre mim.
É, Dina, a sua carreira acabou... Faça as malas e volte para casa, pois você não tem mais futuro aqui.
Aquela voz impostora me dizia para desistir. Abandonar todo o meu suor e lutas, todas as batalhas travadas a anos, só porque eu não estava conseguindo superar aquele maldito trauma. Eu tinha que enfrentá-lo de uma vez por todas!
— Na próxima jogada, mande a bola para mim — eu a ordeno com sangue no olhos, determinada a quebrar todas aquelas críticas e comentários depreciativos delas e de mim mesma.
Tanto Tobias quando Cotty me olham, surpresos com a minha atitude. Mas eles não tem tanto tempo para responder, pois o juiz nos chama de volta em quadra. Era tudo ou nada.
Nos primeiros pontos, nossa levantadora evitou passar a bola para mim, com medo de estragar tudo, mas a medida que nosso adversário nos vencia já com os movimentos previstos, Cotty sente a pressão em fazer algo ousado ao invés de somente mandar para a ponteira direita ou para a central. Com isso, quando o adversário saca e nossa líbero recebe a bola lançando para ela, ela ergue para mim.
A bola estava perfeita para o ataque. Eu corro em sua direção, mas na hora de saltar, o meu coração acelera e eu hesito em saltar, batendo bem forte e explorando o bloqueio. A bola bate no braço do oponente e vai para fora, sendo ponto nosso, mas todas do time somente me olham, fazendo um sinal negativo. Eu já sabia que havia falhado com ela.
Passa mais alguns pontos e, Tobias percebendo que eu não saltaria, que toda aquela coragem de antes demonstrada se fora, me substitui e eu sento no banco derrotada. Tento conter as lágrimas que vinham, mas elas foram mais fortes, porque eu choro em silêncio assistindo as minhas companheiras ganhar o jogo.
— É Zé, parece que o sol ainda não voltou a brilhar para a nossa queridinha e favorita da plateia, Dina — comenta um dos locutores da noite, que estavam narrando os jogos da Super Liga para o canal Sport Cem.
— E vendo pelos jogos anteriores, ela ainda parece estar traumatizada com o acidente grave que a ausentou meses atrás do vôlei. — Responde o colega. — Novamente ela está sendo tirada do jogo sem conseguir saltar. Me explica, Tomas, se a jogadora não consegue saltar, o que a resta fazer?
Um silêncio profundo ficou no ar antes de Tomas responder.
— Talvez precisamos de um milagre. Acho que o nosso treinador do time Gaio-Azul terá muito trabalho pela frente, ainda mais sendo novo essa posição, por causa do pai, também ausente por ter sofrido um acidente de carro. Vamos ter que aguardar pelos próximos jogos e ver no que essa dupla fará. Porque você sabe, Zé, ou joga com tudo, ou estarão fora da Super Liga.
Eu me abraço forte, tentando ignorar o diálogo dos comentaristas sobre o jogo e sobre mim. Eu sabia bem o que estava acontecendo, já que estava tudo em minha pele. Aquilo me fazia lembrar dos dois jogos anteriores, nos quais eu participei e nosso time perdeu. Em ambos, eu havia sido tirada no primeiro set, após perderem.
E hoje, apesar do milagre de ganharmos um set, eu estava fora do jogo. Passo a mão pelo rosto e subo pelo cabelo cheio de suor. Meus esforços não pareciam ter valido a pena, se eu tinha medo de me arriscar.
Vejo nosso treinador conversar com um dos seus ajudadores, pedindo algo para ele, eu suponho que é ficar de olho no jogo, por causa de sua próxima ação: caminhar em minha direção e se sentar ao meu lado. Ele não fala nada, somente cruza os braços e fica ali, me fazendo companhia. Limpo as lágrimas e tento esconder a minha vergonha por me sentir novamente fracassar.
Era humilhante errar nos treinamentos, mas no jogo... Eu nem tinha palavras de quão vergonhoso era a sensação de não conseguir sair do chão. Aperto as minhas mãos e fico olhando para baixo, evitando qualquer contato visual com Tobias. Não queria enxergar pena ou algum tipo de apoio moral vindo de sua parte. Nem queria que ele me visse daquela forma.
Tobias notando a minha exclusão e afastamento, retira o seu boné e o põe em minha cabeça, afundando um pouco a aba para esconder meus olhos. Só com aquele simples movimento eu me sinto mais segura, menos perdida no meu mundo. Ele sabia exatamente o que eu estava sentindo e não tentaria me forçar a falar ou me justificar do que eu fiz em quadra.
Ele simplesmente fica ali ao meu lado.
— Sinto muito — sussurro para ele, remexendo as minhas mãos, depois de algum tempo.
— Depois nós conversamos, Dina — Tobias diz com um tom tranquilo, não parecendo desapontado comigo, como todas as meninas mostraram estar. Naquele restante de jogo, em nenhum momento ele saiu do meu lado, apesar de todas as meninas precisarem dele e se sua liderança, Tobias direcionava toda a sua atenção a mim, mesmo que não pronunciasse uma palavra sequer.
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