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XXIX


                            Megan 

Depois do banho do Henry, de trocá-lo, sair do seu quarto carregando-o no colo, ouço o som da campainha tocando. Eu apresso o passo no corredor, mas Crystal sai do quarto dela e se prontifica a atender a porta.

- Pode deixar que eu atendo, mãe. - continua pelo corredor até às escadas.

Depois de descer as escadas, com Henry já inquieto para ir  ao chão, vejo a Crystal abraçada a alguém que, com certeza, eu não conseguiria manter meu segredo oculto por muito tempo.

                          Carmélia

Há mais de seis meses que não vejo a Crystal, e claro que eu não perderia a chance de dar um abraço na minha única neta.

Daqui há algumas semanas ela completará 19 anos, e mesmo já sendo uma mulher, eu não consigo deixar de ser coruja.

- Vovó!? - Crystal festeja alegremente ao abrir a porta.

- Oi, minha corujinha! - digo quando ela me abraça forte.

Quando era criança, e a Crystal passava alguns finais de semana na minha casa, ou quando seus pais precisavam viajar a trabalho, a Crystal sempre aguentava firme o sono, e insistia para que eu lesse mais e mais história para ela na cama. Às vezes ela ficava acordada até a madrugada, insistindo para que eu lhe contasse mais histórias, mesmo àquelas que eu já havia lhe contado antes. Assim surgiu o apelido de corujinha.

- Que bom que está aqui, vovó.

- Seria bom matar dois coelhos em uma cajadada só. - lhe dou um piscadela.

Aproveitei que viria para rever o Antony, que está fora há mais de um ano, e a Crystal.

- Claro que seria.

- Ou nesse caso, seriam três coelhos. - completo ao ver a Megan com o pequeno Henry no colo. - Finalmente vou conhecer o famoso Henry.
Entro na casa, e vou até a Megan.

- Megan...

- Oi, Carmélia! - ela me dá um meio abraço, já que ainda está com o bebê no colo.

- E esse lindo homenzinho sorridente, parece cheio de energia.

- Ah, sim. Ele acabou de acordar, então está com a bateria cheia. - diz sorridente.

- Está pronto pra fazer muita bagunça? - dirijo minha atenção ao pequeno, pegando ele do colo da Megan.

Mesmo depois do divórcio do Antony e Megan, minha relação com ela não mudou praticamente nada. Eu nutria muita estima pela mulher esforçada e competente que a Megan sempre foi, e o fato do meu filho não ter tido competência suficiente para mantê-la ao seu lado como esposa, não mudou em nada a percepção que eu tinha sobre ela.

Com tudo o que ela passou depois do divórcio, ainda assim seguiu firme e mostrando o quanto poderia ser eficaz no papel profissional e maternal. Criou muito bem a Crystal, e evoluiu ainda mais em seu trabalho, fazendo com que todos vissem, a mulher incrível que ela é.

E agora, com mais um filho, a aura dela não mudou nada, e sei que será ainda mais competente no papel de mãe, já que sua experiência anterior demonstra bem a capacidade que ela tem.

- Você é um menino lindo! - deixo um beijo terno em sua bochecha.

- Vovó, você precisa ver como ele é inteligente brincando com os bloquinhos de formas geométricas. - Crystal se mostra muito empolgada. - Não existe menino mais esperto que ele.

- Imagino que não. Deve ser tão inteligente quanto você, já que se parecem tanto. - Crystal sorri orgulhosa. Típico de irmã babona.

Mas algo nele me parece mais familiar. Apesar dele se parecer muito com Crystal, que é praticamente a cópia da Megan, algo nos traços dele me fazem lembrar alguém que não consigo definir agora.

- Que tal bebermos alguma coisa? - Megan sugere.

- Seria ótimo. O clima está bem quente hoje.

- Crystal? Algum problema? - Megan questiona.

- Acho que vou acompanhar vocês. O vôo do papai atrasou, então tenho um tempinho pra passar com vocês.

- Que bom, assim posso passar um tempinho com a minha neta, e conhecer um pouco mais do seu irmãozinho. - digo sorridente.

- Isso é ótimo. - Megan se adianta em dizer.

Mas tenho a impressão que isso não foi muito sincero da parte dela, já que ela deu um sorriso forçado.



Com um pouco de prosa, e alguns lanchinhos e limonada, permanecemos na mesa da cozinha e tudo fluía muito bem.

- Então você está namorando, Crystal?

- Claro que não, vovó! Ele é só um amigo.

- Parece ser mais do que isso. - digo zombeteira.

- Ai, vocês gostam mesmo de tirar conclusões precipitadas. - ela encara a Megan - E você, mãe, porque tem que ficar falando esse tipo de coisa pra vovó?

- Eu apenas fiz um comentário.  Agora você percebe que qualquer pessoa que ouve sobre essa relação de vocês, acha que há algo mais que amizade entre vocês? - Megan responde enquanto coloca uma colher de petit suisse na boca do Henry.

- Já chega de falar sobre isso.

- Tudo bem, querida. Não precisa ficar incomodada com o assunto. Só queremos que você encontre alguém que realmente te faça bem. - aperto levemente sua mão sobre a mesa, para demonstrar meu apoio.

- Eu sei, vovó. Mas no momento não quero falar sobre isso.

- Certo! Então mudemos de assunto. - olho de relance para a Megan.

- Por mim tudo bem. - Megan fica de acordo, com um sorriso simples no rosto.

Mas logo sua atenção é tomada pelo celular que toca na mesa.

- Você pode me dar licença? É uma ligação importante.

- Claro, eu fico de olho no Henry .- me prontifico, e ela da um aceno de cabeça, e logo se retira da cozinha.

Ao olhar para a Crystal, percebo que agora seremos só o Henry e eu ali, já que ela também da antenção ao seu celular. Me levanto e sento na cadeira que antes era ocupada pela Megan, ao lado do cadeirão do pequenino.

- Bom, vamos terminar isso aqui, pequeno galã? - olho para o Henry, levando outra colher da sobremesa até sua boca.

Quando o pequeno termina de comer, eu me levanto e começo a retirar a louça da mesa, e a Crystal ainda parece imersa em um assunto muito interessante, dado ao fato de como ela sorri para a tela do celular.

- Essas crianças e suas tecnologias. - cochicho.

Quando termino de colocar a louça na pia, e sigo para retirar as sobras do lanche da mesa, vejo que Henry alcançou um dos copos que ainda continha um pouco de limonada, e acabou derramando o resto dela sobre sua roupa.

- Ora, mas que rapazinho travesso você. Não é mesmo? - comento olhando sorrateira pra ele, e colocando as mãos nos quadris.

Nesse momento Crystal volta a nos dar atenção.

- Ah, Henry. - se levanta indo em direção a ele. - Olha a bagunça que você fez.

- Tudo bem, Crystal. Eu cuido disso.

- Desculpe, vovó. Se tivesse ficado de olho nele, isso não teria acontecido.

- Ele é só um bebê. Essas coisas acontecem o tempo todo.

- Eu vou buscar uma muda de roupa pra ele. E enquanto a senhora troca ele, eu limpo essa bagunça.

- Tudo bem, corujinha.

- Eu já volto.

Crystal sai às pressas da cozinha, e Henry parece se divertir muito com toda essa situação.

- Você é tão serelepe. Acho que vai dar bastante trabalho para sua mãe enquanto cresce e se torna um lindo e galante adulto. Não é?

Ele exibe apenas um sorriso alegre, com pequenos dentinhos.
Eu o retiro do cadeirão, e sigo para a sala, colocando-o sentado no sofá para retirar sua roupa parcialmente molhada. Enquanto isso, ele emite alguns sons com a boca, na tentativa de falar alguma coisa.

Eu retiro sua camiseta, e o deito no sofá. Quando meus dedos pousam no cós de sua calça, algo toma por completo a minha atenção. Me aproximo um pouco mais, com o olhar fixo naquele ponto específico do lado esquerdo da barriguinha dele.

- Isso é...

Meus pensamentos correm entre Marco, Antony, e Crystal. Por mais de cinquenta anos, aquela marca esteve presente em minha vida, e sei bem que não a confundiria em momento algum.

- Não pode ser possível... Pode?


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