1. Buuu
— Buuu!
Carol e eu damos ao mesmo tempo um grito agudo em resposta ao vulto que se esgueirou por trás de nós e que nos deu um baita de um susto.
— Fala sério, Roger. — Carol revira os olhos com cílios postiços e comprime um sorriso. — Quem já viu um fantasma na vida real assustar falando 'buuu'? Isso é coisa de gibi.
Por trás da fantasia de vampiro (mais estilo Bram Stoker do que Stephenie Meyer) reconheço Rogério, nosso colega de classe, um garoto magricela e desproporcionalmente alto.
Ele não retruca com o comentário que eu consideraria mais óbvio, de que fantasmas não existem na vida real. Em vez disso, dá de ombros e sorri para ela, sardônico:
— Se funciona com você, é bom o bastante para mim.
Mesmo sob a meia-luz da lua cheia, dá para ver o rosto da Carol enrubescer.
Ela recupera a postura indiferente a tempo com um bico raivoso de mentirinha:
— É Halloween e noite de lua cheia. Até um coala bebê seria capaz de me assustar.
O pseudo Conde Drácula se volta para mim:
— A Noiva Cadáver aqui é fácil de reconhecer. — Ele acena com o rosto para a minha amiga que está vestida de noiva com uma faca ensangüentada decorando o meio de seu dorso. — Mas você estava tentando ser o quê?
Eu o encaro com desdém por trás dos furinhos patéticos que recortei num lençol branco para poder enxergar.
— Um fantasma, é claro — respondo.
— É claro — ele ecoa com um tom de ironia. — Mas por quê? Esgotaram as fantasias de enfermeira sexy no Supermercado Extra?
— Ah, cala a boca, Roger! — Carol tenta não rir, enquanto dá um tapa de brincadeira no ombro do evidente paquera. — Você sabe muito bem que o tema da festa é "Véu entre os mundos", dã. Ela só poderia vir vestida de uma criatura sobrenatural e-barra-ou falecida.
— Por que não zumbi sexy? — ele questiona, ainda com tom de piada.
Antes que Carol, novamente, responda por mim, dou um passo à frente e entro na brincadeira:
— Sabe como é, estou tirando um dia de folga, sabe? Não é justo para a humanidade que eu seja tão sexy todos os dias do ano.
— Além do quê... — Minha amiga continua como se eu estivesse invisível. — A Rebeca não podia estar aqui, lembra? Os pais dela são daquela igreja lá. Eles... o que eles fazem lá mesmo, Beca?
— São diáconos.
— Exato. São diágonos na igreja evangélica. Ela é proibida de sair no Halloween. Se for reconhecida aqui, ela tá ferrada.
Por um segundo, agradeço silenciosamente a Deus pelo lençol na minha cara que impede de verem o quão constrangida estou me sentindo. Logo em seguida, no entanto, fico com medo de que a comunicação, embora curta e em pensamento, denuncie minha localização para o Todo-Poderoso, então tento converter os pensamentos em uma espécie de ruído branco. Sei que é ilógico, mas desde criancinha nutro a esperança secreta de despistá-lo quando faço isso.
— Hm. — Rogério cruza os braços e me analisa de cima a baixo. — Desculpa a ignorância, mas se ela for reconhecida por alguém da igreja na festa, os dois estariam ferrados juntos, né? Um pecador não deduraria o outro. A burca branca é realmente necessária?
— Roger, como você é burro... Ela precisa porque... porque... — Carol começa.
— Não, na verdade... faz todo o sentido — interrompo a tentativa de defesa, com os pensamentos à mil.
Estou sendo paranóica demais? Quer dizer... Ninguém da escola conhece meus pais e sem chance de gente da minha igreja ir a uma festa tão "demoníaca", como eles diriam, como a de hoje à noite. E, com essa fantasia, metade do propósito da escapada (conhecer uns cosplay acidentais de Shawn Mendes na festa) seria derrotado.
Retiro o lençol do rosto e o amarro na cintura, feliz por minha ansiedade de estar preparada para tudo ter me levado a me maquiar e arrumar o cabelo, mesmo achando que não seria vista.
Meus colegas sorriem em aprovação antes de se entreolharem e darem meia-volta na direção do casarão onde a festa está rolando. Eu os sigo, tentando controlar a respiração. Minhas mãos estão tremendo. É a primeira vez que faço algo tão enfaticamente proibido na minha casa. E isso me enche de euforia e terror. Porque uma coisa é certa:
Enquanto o "Véu entre os mundos" é o tema de uma festa para toda essa gente, um véu para outro mundo está prestes a cair para mim.
— Olá, novo mundo — sussurro para mim mesma, assim que avisto a fachada da antiga pinacoteca.
O que me aguarda no outro mundo irá me abalar mais do que qualquer outra coisa que eu poderia imaginar.
Mas daqui, desse lado do véu, ainda não faço ideia disso.
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