𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮𝐜̧𝐚̃𝐨 (𝐏𝐭. 𝟑)
2014, 5 meses depois da morte de Julia Klum.
No dia seguinte ao meu aniversário, eu me sento na cadeira giratória da escrivaninha e encaro o quadro branco que comprei na papelaria perto de casa. Julia conseguiu ganhar algum tempo extra no plano dos vivos depois de acertar suas contas comigo, mas sua alma ainda corre constante perigo aqui — segundo a própria. Dúvidas e hesitações da minha parte não são mais uma alternativa.
O pincel é balançado entre meus dedos. Julia está ao meu lado, braços cruzados sob os seios, encarando o mesmo quadro.
— Quem você acha que foi? — indago, baixo.
Eu tenho que começar de algum lugar se vou realmente bancar a detetive. Como prova do meu comprometimento, já até baixei vários episódios de séries policiais para tentar pegar a manha.
Com um bico, Julia abre os braços.
— Eu não consigo escolher ninguém em específico. Quem me mataria, Heather? Eu era adorável.
Tenho que resistir à alfinetada. Nós combinamos de trabalhar em uma parceria pacífica, para que a investigação tenha alguma chance de sucesso. No fundo, no fundo, eu admito que continuo meio cética sobre a execução disso. Julia aconselha que eu leve tudo como um grande quebra-cabeças (o maior da minha vida), mas ambas sabemos que não é a mesma lógica para resolver.
Eu não interrogo pecinhas para encaixá-las em algum espaço. Pecinhas não mentem. Elas são o que são e pronto.
— Ouvi dizer que você e Valerie discutiram na festa.
Na expressão dura de Julia, a lembrança vibra em ondas de rancor.
— Hm. É verdade. Pode colocar ela aí.
Eu me levanto e escrevo o nome de Valerie em preto contrastante com o branco.
— Okay. — Viro, mãos na cintura. — E a Taylor?
— A Taylor? Você acha? — Julia esganiça a voz.
— Não sei. Estou perguntando pra vítima.
A garota bufa, as bochechas infladas.
— Bom. Como ela já tinha me apunhalado pelas costas, talvez não estivesse muito longe de estrangular o meu lindo pescocinho. — Julia posiciona a mão na traqueia cheia de hematomas. — Okay, pode colocar.
Minha testa se franze, mas eu decido guardar as dúvidas e apenas escrever TAYLOR em maiúsculo ao lado da prima Walcott.
— Certo. Felix? — Atiro a isca, e me atento à reação de Julia.
Ela engelha o nariz e cospe uma risadinha seca. Não é como eu reagiria se ouvisse meu namorado ser suspeito da minha morte.
— Ele era um merda. — Julia cruza os braços novamente, agora com mais força, e interpreto sua resposta como um aval para anotar o nome.
Eu deixo uma vaga reservada abaixo dos suspeitos, onde vou escrever quaisquer possíveis motivações que os levariam a cometer o crime. Valerie estava brigando com Julia, Taylor era uma traíra e Felix era um merda. Poucas novidades chocantes.
— Tudo bem. Quem mais?
— Ártemis — Julia balbucia, séria.
Olho pra ela, surpreendida. Não que eu não tenha minhas desconfianças direcionadas para a deusa grega, mas é no mínimo intrigante perceber que Julia também tem.
— Jura? — eu pergunto.
— Urrum. Eu posso ter morrido num bate-boca com ela, seja por tédio ou esganadura. — Ela revira os olhos dramaticamente. — E Ártemis talvez tivesse motivos para me querer calada pela eternidade.
Outra franzida de testa.
Pra mim, as suspeitas com Ártemis derivam das conveniências intermináveis no evento em que Julia foi assassinada — coincidentemente, organizado pela ricaça metida.
· Uma festa de iniciação com um tema que exigia que os convidados usassem luvas para se adequarem;
· Vários sabores de drink que Julia não beberia, sobrando apenas um para batizar;
· E Cash, o garçom e bode expiatório perfeito para pegar a culpa.
Se Ártemis tinha motivos, decerto tinha colhões.
Acrescento o terceiro nome ao quadro.
— E Cash? O garçom? — questiono, meio receosa.
Verdade seja dita: Eu não quero que ele de fato seja o culpado.
Não quero descobrir que fui enganada de novo por outro rostinho simpático e uma lábia aparentemente inofensiva. Gosto de Cash. O considero um amigo, e não quero que ele tenha matado Julia — não acredito que tenha matado. Em contrapartida, pelo o que já aprendi em alguns daqueles episódios baixados, é preciso manter a mente aberta e me envolver pessoalmente no caso o mínimo possível.
Considerando que já falhei na questão do envolvimento, a mente aberta é o que me resta.
— Ah. Ele? Não sei. — Julia coça o queixo. — Nós nunca tivemos problemas, mas é realmente estranho que tudo sempre aponte de volta para o seu traseiro. Melhor colocar, né?
Mordo o lábio e emito uma anuência fraca com a cabeça.
— Tudo bem. Cash... ou melhor, Drystan. — Eu escrevo errado e apago com o punho. — Alguém mais?
— Por agora, não. — Julia é praticamente engolida pela cadeira giratória ao se jogar nela. — Você deveria aceitar a ajuda dele na investigação. Ele se ofereceu, não foi?
Eu pisco, surpresa pela sugestão.
— Foi, mas... — Ajeito os óculos nervosamente na ponte do nariz. — Não deveríamos trampar com um suspeito. É pedir pra ser sabotada.
— Ai, que mania de desvalorizar a nossa inteligência. — Julia abana uma mão. — E, além do mais, você conhece o ditado sobre manter os inimigos mais perto do que os amigos.
Eu reflito um pouco. No final de tudo, Cash pode mesmo ser tão meu inimigo quanto meu amigo.
Entretanto, enquanto o garoto ainda é apenas um amigo, me parece desonesto aceitar sua ajuda com intenções ocultas de ficar de olho nele — por mais que não seja absurdo imaginar que ele talvez só tenha me oferecido ajuda para ficar de olho em mim. Para saber caso eu esteja chegando próximo demais do que não deveria e, na concretização dos meus piores temores, me parar.
Porra. Ter a mente aberta é complicado.
— Não sei, não, Jules. — Eu desabo na beirada da cama, já exausta.
Julia respira fundo, uma mãe tentando convencer o filho a não enfiar o garfo na tomada. Ela se prostra sobre as coxas, e apoia os cotovelos nos joelhos.
— Olha, Heather, agora que voltei a não odiar você, eu fico preocupada. — Ela une as duas mãos, entrelaçando os dedos. — Sabe que não estarei disponível na minha forma humana todos os dias, e vai ter que se virar sozinha quando eu for só uma mariposa feiosa. Eu confio plenamente na sua capacidade, mas é óbvio que você não confia. Só queria alguém para apoiá-la quando eu não puder.
Pendo a cabeça.
— E o seu alguém seria um suspeito? — Volto a questionar.
— Ora, me dá um tempo. — Julia lança o corpo pra trás outra vez, impaciente. — Tá na cara que você não acha que ele é o culpado. E, honestamente, eu também não.
Sua declaração agita meus dedos no estrado da cama.
Não sei se a opinião da vítima conta mais do que a minha, visto que Julia não está bem em posse de suas memórias, mas ainda acredito que ela teria alguma intuição. Quem quer que seja o desgraçado que a matou, gosto de pensar que seu instinto o pegaria de alguma forma, mesmo que demorasse para ela mesma perceber. Se Julia não acha que Cash é culpado, isso deve ter alguma relevância.
Não é?
Tenho a sensação de que darei uma péssima investigadora.
— Você confia nele? — indago, baixinho.
Julia desvia o olhar.
— Eu só confio em você, Heather. Desde que era viva. — A garota ergue a vista timidamente. — Mas confio em um desconhecido um pouco mais do que todos os outros nesse quadro.
Olho de volta para os nomes. Valerie, Taylor, Felix, Ártemis e Drystan.
Tento visualizar cada um deles com as mãos no pescoço de minha melhor amiga, forçando-a ao seu último fôlego covardemente em um banheiro chique. Por traumas particulares ou não, eu me saio melhor com os dois garotos — embora não seja muito esquisito visualizar Ártemis Mattingly. Ela é bastante assustadora. Sua classe social e o poder que a família possui já são intimidantes o suficiente.
Quanto à Valerie e Taylor... ainda é difícil cogitá-las. Eu também odiaria fervorosamente que uma delas fosse a culpada.
— Tá bom — cedo, por fim. — Vou pensar no seu caso.
— Pense. — Julia assente. — Pense até solucioná-lo de cabo a rabo.
Forço uma risadinha para o trocadilho, a pressionada sutil me espremendo a garganta.
— Tá. Pra isso, eu tenho que perguntar... — Alcanço uma caderneta que também comprei na papelaria especialmente pra hoje. — O que diabos aconteceu naquela noite?
Julia ri sem humor e cruza as pernas.
— Por onde começar? Digamos que eu vi um bicho-papão.
Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!
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