Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

ˣⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐢𝐧𝐳𝐞

2013, 3 meses após a morte de Julia Klum.

Abri os olhos.

Eu estava em uma festa, em uma mansão muito bonita. Havia poucas pessoas ao redor, todas com fisionomias turvas e vozes ocas. Olhei para minhas mãos, confusa. Usava luvas rendadas. Música repetia sem parar no fundo. I took your baby frow you away...

Olhei de volta para o alto. Minhas mãos agora estavam no pescoço de Julia.

Não, Heather, não.

Ela me olhava com medo, os olhos esbugalhados. A pele estava pálida, os braços e pernas se debatiam em busca do oxigênio. A cada tentativa de me afastar, minhas mãos se grudavam mais ao pescoço roxo e apertavam. Espremida contra a parede, Julia chacoalhava os pés a esmo no ar enquanto morria lentamente. Suas forças se transferiam para a minha determinação em matá-la.

O osso da traqueia cedeu sob minhas digitais ocultas.

Julia parou, a cabeça pendida para o lado, e eu a soltei. Seu corpo despencou no piso. Why did I leave her alone last night...

Aterrorizada, me virei para longe da vista de seu cadáver. Dei de cara com um espelho em cima da pia, refletindo um rosto sem nariz, boca ou qualquer meio de identificação. Deveria ser impossível enxergar sem os olhos, mas eu também podia gritar sem a boca. Quem me matou, Heather? Quem me matou?, Julia indagava ininterruptamente no centro da minha consciência.

Merda! Eu me ergui do colchão banhada em suor, ofegante, o coração disparado.

A mariposa vermelha me encarava da porta do armário. Suas asas oscilaram, como se para me desejar um bom dia bem irônico.

Ergui o dedo do meio em sua direção.

— Que bom que você está sem energia para a forma humana hoje, Julia. — Me desvencilhei dos lençóis quentes, irritada. — Faz de nós duas.

Eu quis ir ao banheiro, mas o pavor herdado pelo pesadelo me impediu. Julgando pelo meu cérebro astronomicamente privado de sono, eu não duvidava de que ele pudesse alucinar algo macabro pra caramba. Esfreguei minha cara cansada — aproveitando para apalpar os olhos, boca e nariz só por segurança — e peguei a chave do Strada.

Andei pelo corredor com o mínimo de barulho, a mariposa me seguindo de perto.

— Você não anda merecendo um passeio de carro, mas parece que não tenho muita escolha, huh?

Cruzei o saguão do prédio com o frio deslizando pelas brechas da roupa, em contato com o meu suor que secava. Era de manhã cedo, o relógio mal marcava sete horas — definitivamente não um horário para alguém que adormecera às quatro. A rua estava deserta, exceto pelos raros veículos que transportavam fanfarrões retornando da balada, gente indo trabalhar e adolescentes assombrados enlouquecendo por um café.

Girei a chave na ignição do carro e conferi minha bolsa de emergências no porta-luvas. Mais spray de pimenta, desodorante, isqueiro e arma de choque. Ótimo. Eu estava protegida.

Pisei no acelerador ao sair da vaga, meus óculos quase tão embaçados quanto os vidros das janelas. A mariposa conservava-se inabalada no painel.

— Sabe, você já teve habilidades melhores de persuasão — eu comentei, rouca, para o para-brisas. — Esses pesadelos não estão me convencendo em nada. Na verdade, eles só me dão menos vontade de te ajudar.

Contendo um suspiro, fechei os olhos por um instante.

Porra! Eu estava dirigindo! Abri-os depressa.

— Desculpa — murmurei para Julia. — Não foi o que eu quis dizer. Eu adoraria ajudá-la, mesmo. Porque aí ia me ajudar também, mas tenho medo de onde posso estar me metendo.

O misterioso assassino, fosse quem fosse, era esperto.

Ele escapava da polícia, driblava uma imprensa cheia de sangue nos olhos e permanecia impune pelo seu crime há meses. Podia ser literalmente qualquer um, ainda circulando sem que ninguém desconfiasse de nada. Mesmo com o auxílio de Julia, eu duvidava que pudesse fazer qualquer grande progresso contra ele. E, se fizesse, não estaria me colocando em algum tipo de risco?

Não parecia sensato agir como uma ameaça para um monstro capaz de matar. Eu preferia manter as esperanças nos investigadores e segurar as pontas até que os caras conseguissem resultados.

Era o trabalho deles, droga. Eles tinham que conseguir — e eu não queria morrer. Não mais.

No interior aconchegante da cafeteria vazia, me acomodei em um canto recluso perto dos computadores e dos adesivos temáticos pregados nas paredes. Esperei pelo meu expresso de baunilha e caramelo, encolhida sob o pijama capenga que eu nem tivera a decência de trocar. Era um alívio ver apenas duas mulheres organizando a loja para recepcionar os fregueses.

A mariposa voava sobre suas cabeças. Talvez também quisesse um café.

O vidro da porta tremelicou diante da entrada de alguém, assobiando para dentro uma brisa gelada. A loja ainda estava meio escura, mergulhada em cavernosos tons de laranja e amarronzado. Por detrás da fumaça quente da minha bebida, eu vi a dupla de funcionárias se entreolhar com certo receio quando o rapaz se aproximou do balcão, uma pasta transparente a tiracolo.

Curiosa, eu aguardei que ele ficasse mais visível para o ângulo em que eu me encontrava, e quase queimei a boca ao finalmente reconhecê-lo.

Era aquele suspeito da foto no depoimento. Drystan Não-Sei-O-Quê. O que fora preso por algumas semanas. Por instinto, grudei a mão na bolsa de emergências.

A mariposa se agitou um pouco. Talvez tivesse o reconhecido também, recuperado uma memória. Talvez os investigadores realmente não fossem tão competentes por tê-lo permitido sair.

O garoto entregava dinheiro à uma das moças no caixa. Foi a primeira vez que desejei ter a presença de Julia no lugar da mariposa, para me dizer o que diabos Drystan representava. Constantemente, eu achava que ela era mais o meu guia do que eu o seu, muito embora guias certamente devessem ser menos insuportáveis para facilitar a jornada.

Olhei o bicho vermelho. Ele não tinha energia nem para se comunicar telepaticamente. Drystan caminhava a passos vagarosos para mais perto de mim.

As funcionárias cochicharam às costas dele, os olhos saltados, tão alertas quanto eu. Continuei paralisada, indecisa entre fingir que nada estava acontecendo e correr pra casa enquanto ainda era tempo. O garoto me espiou de relance ao ziguezaguear pelas mesas e cadeiras no rumo das cabines de computadores pré-históricos. Ele ainda não parecia muito assustador.

Tinha mais ou menos 1,80 de ombros caídos, físico magricelo, cabelos crespos e postura derrotada. Podia estar sendo assombrado pelos próprios demônios, considerando as olheiras mais fundas e roxas do que as minhas. Segundo o que eu sabia por assistir o noticiário vez ou outra — e ouvir os comentários incansáveis da cidade —, Drystan havia sido liberado por falta de evidências substanciais contra ele. Tinham encontrado seu DNA na cena do crime e fora provado que ele também usava luvas como garçom, mas aparentemente não era substancial o bastante.

O que dera de errado?

Me flagrando desprevenida, Drystan se virou lá da mesa de onde usava o computador.

— Você se importa? — ele indagou, numa voz desgastada e banhada em rispidez. — Não consigo trabalhar com gente me encarando.

Pisquei. Meu choque sequer dava espaço para o constrangimento.

— Trabalhar?

— É. Tentando.

Santo Deus. Eu não podia estar o confundindo.

— Eu achei que você era garçom.

A mariposa se agitou novamente, querendo me dizer algo.

— Achou certo — Drystan disse. — Eu era. Obviamente fui demitido. Obrigado pela lembrança, inclusive.

— Ah. — Cerrei o punho em volta do copo de café já frio. Eu não sabia se deveria sentir muito, se ele merecia ter perdido o emprego ou não. — Sinto muito — murmurei, antes que me controlasse.

O garoto ergueu uma sobrancelha, descrente.

— Sente mesmo? Eu sei que você era amiga da Julia. Vi suas fotos discursando no velório.

Franzi a testa. Presenciar o principal suspeito do assassinato de Julia mencioná-la com a maior naturalidade era meio esquisito, apesar de não tão esquisito quanto as malditas fotos que haviam saído na droga do jornal de Peach Hills no dia seguinte à cerimônia fúnebre. Eu não era ninguém digna de uma aparição no jornal local e não queria me tornar às custas da morte de minha melhor amiga.

Portanto, digamos que minha mãe estava processando-os por uso indevido de imagem.

— Eu sou a Heather. — Evitei a pergunta dele.

— Eu sei. Oi, Heather. Vai me deixar trabalhar ou quer fazer um concurso de quem encara mais?

A mariposa pousou no tampo da mesa.

— Tudo bem. Desculpa. Pode... hm... trabalhar.

— Grato pela gentileza — Drystan resmungou, e se volveu para o computador.

Batuquei os dedos na coxa ao beber meu expresso à duras penas, o caramelo azedo em minha língua. As funcionárias seguiam com olhadelas desconfiadas aqui e ali, e novos clientes apareciam conforme a manhã procedia. Eu devia ter ido embora assim que passei a receber caretas pelo estado em que estava, mas fiquei obcecada em analisar Drystan de soslaio e remoer acerca de sua inocência ou não.

Ele estava imprimindo um monte de papéis. Imaginei se assassinos cruéis e ardilosos imprimiam papéis.

— O que você acha, Jules? — falei com a mariposa, baixo.

Em resposta, ela oscilou as asas.

— É. Eu também.

Drystan levantou quando o tempo que havia pagado pelo computador chegou ao fim. Ele alinhou suas folhas com duas batidas na mesa, e enfiou-as dentro da pasta. Um burburinho inédito começava a nascer pela cafeteria agora que o garoto estava mais à vista e todo mundo o reconhecia também. Uma senhora até falou para outra que aquele era o sujeito que matou a menininha, mesmo que isso não tivesse sido efetivamente comprovado ainda. Eu me senti mal por ele em uma situação onde todos os olhos estavam sobre si, e nenhum era bem amistoso.

Drystan empertigou os ombros e atravessou a loja em silêncio, sob o escrutínio esmagador da freguesia impiedosa.

Faça alguma coisa, algo rugiu em mim depois que ele empurrou a porta. Vá atrás dele.

Não sei se era a mariposa se infiltrando de novo ou apenas meu senso tosco de compaixão, mas pulei do assento e corri pelo piso encerado. Empurrei a porta ainda com o carimbo da mão dele no vidro (duas vezes maior do que a minha) e despontei na fachada do estabelecimento a tempo de testemunhar Drystan chutando um poste na rua com raiva. Muito compreensível, convenhamos.

— Ei! — gritei.

Drystan virou o rosto feito uma flecha, o olhar injetado e as sobrancelhas franzidas. Seu peito subia e descia irregularmente com a respiração zangada.

— O que é?

Eu retraí os ombros. Nem eu sabia.

— Vai um expresso? — Icei no alto meu copo de plástico.

O garoto me mediu de cima a baixo, dos cabelos desgrenhados às pantufas.

— Eu sei lá. Vai um espelho?

Um sorrisinho troncho se repuxou em meus lábios.

— Acho que isso é um sim.

— Deveria ser — ele assentiu. — Pra nós dois.

Como uma oferta de paz, andei até ele com o recipiente ainda erguido a frente do rosto. O café estava gelado como o clima, mas Drystan não aparentou incômodo. Ele me agradeceu com um meneio de cabeça arredio, entornou um gole pelo orifício da tampa, e desabou comigo na beirada do meio-fio.

A mariposa levitava no meio de nós dois. Não parecia mais agitada.

— Sinto muito mesmo pelo o que rolou lá dentro — enfatizei. Agora, com absoluta certeza de que estava sendo sincera.

Ele esquadrinhou o meu rosto.

— Por quê? Não acha que eu matei a sua amiga também?

Ainda desacostumada com a franqueza do garoto, pigarreei, um pouco sem-graça.

— Não. Não sei. Quero dizer... pode ter sido. — Jesus. Eu estava realmente o acusando na sua cara. — Mas a polícia liberou você, certo?

— Certo... mas do que adianta? — Ele arrumou o cachecol em volta do pescoço, amargurado. — Eu já destruí a minha vida nesse circo todo. Talvez tivesse sido mais fácil ficar na cadeia.

— Por um crime que você não cometeu? — Atirei a isca.

Drystan cuspiu um risinho.

— Por um crime que a cidade toda jura que eu cometi.

Abracei minhas canelas com os braços e apoiei o queixo num joelho. Com os olhos arriados, eu via somente pneus derrapando no asfalto.

— O que aconteceu? Com a sua vida, eu digo.

Drystan deu outro riso infeliz.

— Ah, vamos ver. — Ele forjou um semblante pensativo. — Eu fui demitido, como você já sabe. A noite em que a sua amiga morreu era a minha última como garçom, porque eu ia me mudar para começar a faculdade na próxima semana, mas precisei ser detido para a investigação. A grana que eu tinha guardada pra me sustentar foi quase toda em advogado e, com a prisão, perdi minha bolsa de estudos e minha confiabilidade. Ninguém quer se envolver com um cara perigoso como eu. Você já tem bastante colhões só por estar conversando comigo em público, Heather.

Comprimi os lábios.

É, Drystan tinha razão. Não sobre os colhões, mas sobre a minha ousadia. Os pesadelos diários vinham afetando as minhas noções da realidade e juízo; afinal, um bate papo despretensioso com o possível assassino da minha melhor amiga não poderia ser pior do que fitar o meu rosto desfigurado diante de um espelho.

— Isso deve ser um saco — foi tudo o que pensei em dizer.

— Pra caralho. Mas não termina por aí. — O garoto me mostrou sua pasta. — Aqui tenho cópias e cópias de um currículo que ninguém vai aceitar. Eu ando na rua e todo mundo me olha feio, como se eu tivesse sangue pingando das minhas mãos. Policiais à paisana ainda estavam na minha cola um dia desses. Tá difícil até pra minha tia sair de casa.

Me virei pra ele.

— Bem. Olha pelo lado bom: Ao menos você não está morto.

Drystan se virou também, dispondo nossos rostos frente a frente. Sua carranca implacável se desmanchou devagar.

Eu sabia que estava sendo um tanto insensível — dizer a alguém no fundo do poço para agradecer pela dádiva da vida era uma atitude detestável —, mas uma garota havia morrido. Minha amiga. Também era relativamente insensível que Drystan não se referisse a ela como mais do que a grande causadora da desgraça em que ele afundara.

Eu o entendia, sim, mas ele ainda não tinha aquele direito.

— Foi mal. Eu também sinto muito... — Envergonhado, ele coçou a nuca. — Pela Julia. Sei que tá foda pra todo mundo.

— É, tá. Eu estou sendo perseguida pelo espírito dela, por exemplo.

Puta merda. Porcaria de boca grande.

Os olhos de Drystan esbugalharam um tanto, grudados em mim. Agora, a agitação da mariposa sem dúvidas zombava da grande idiota que eu era — e com razão.

Escondi o rosto nas mãos e grunhi abafado.

— Por espírito, você quer dizer memória, né? — o garoto indagou, confuso.

— Ah, é. — Funguei. — Bem que eu gostaria.

Ele engelhou a testa e olhou ao redor. Para cima, para os lados e para baixo. Parecia procurar indícios da alma penada até na vala que corria sob nossas panturrilhas. Aposto que Julia estava rindo dele também.

— Você tá falando sério?

Inflei as bochechas.

Honestamente, eu não queria desconversar. Precisava descarregar a minha confissão em alguém que pouco importava se acreditaria em mim ou não, se me acharia louca ou não. Eu não falava nada pra minha mãe porque tinha medo dela se preocupar comigo, levando em conta alguns episódios de alucinação que eu já tivera antes — aquele, infelizmente, não era um desses.

— Sim. Muito sério. O espírito de Julia realmente está... me assombrando.

Drystan piscava freneticamente.

— Ele está... aqui? Agora?

— Urrum. — Apontei para a mariposa vermelha. — Logo ao seu lado.

Drystan seguiu a indicação do meu dedo e, claro, não viu nada. Entretanto, seu corpo todo se moveu feito um casulo para protegê-lo.

— Ele conversa com você? — perguntou, baixinho.

— E como! É uma aventura após a morte fantástica. — Saquei os óculos da cara para limpar as lentes.

Pela visão periférica, vi Drystan me observar com muita precaução, esperando que eu explodisse em fogos para anunciar a pegadinha.

Medroso.

— Ahn. — Ele pigarreou. — Parece que vocês tinham uma conexão e tanto.

— É, tínhamos. — Pus os óculos de volta, e o asfalto cinzento ficou um pouco mais nítido. — Julia quer que eu descubra a verdade sobre seu assassinato agora, vê se pode. Deve estar confundindo conexão com imprudência — alfinetei, estreitando os olhos para a mariposa.

Os ombros de Drystan despencaram, e ele pendeu a cabeça.

— O espírito quer que você descubra a verdade? — No tom que ele falava, parecia mais inacreditável do que já era.

— É.

— Mas ele não é ultrapoderoso ou algo assim?

— Talvez, só não o suficiente para saber magicamente quem é o assassino. — Gesticulei com uma mão. — Julia não se lembra. Ela foi drogada.

Drystan anuiu de imediato, os olhos baixos focados nos tênis.

— É, eu sei. Foi como eu virei o principal suspeito do crime.

— O que tem a ver? — Crispei o cenho.

— A droga que usaram na Julia era uma espécie de balinha solúvel; sem gosto, sem cheiro, praticamente indetectável em líquidos — ele relatou, com um aspecto repentinamente mais abatido. — Como eu era o garçom responsável por servir as bebidas, a polícia fez a relação e cismou comigo, até porque a festa inteira disse que não aceitou drinks de mais ninguém.

Eu me encolhi, não somente pelo frio.

Verdade seja dita, todas as pistas berravam para aquele garoto. Todas as pistas tomavam um chá da tarde com ele. Se Drystan fosse de fato inocente, alguém em algum lugar andava furioso para colocá-lo tão no olho de um tremendo furacão. Contudo, algo ainda não batia.

Drogar a festa toda e matar apenas Julia soava como um esforço adicional e desnecessário. Talvez ela tivesse sido apenas um imprevisto que precisou ser resolvido em favor de outro plano ainda não desvendado, o que só me alarmava mais. O pouco que pensávamos saber sobre o crime não era nem um terço do que se escondia debaixo do tapete.

— Pra que era a droga? — questionei, num sussurro. — Qual era o efeito?

— Relaxamento. Deveria servir para dopar alguém, dar uma falsa felicidade esquisita, mas pode surtir efeitos piores quando consumida muito de uma vez. — Drystan franziu o nariz. — Se chama Happy Face por um motivo, não?

Uma náusea potente revirou o café em meu estômago. O mal-estar ardia na garganta e nas lágrimas em meus olhos.

— Você até que conhece bastante sobre o assunto — cochichei, acuada.

Eu precisava ir embora. Já era a segunda insinuação atrevida que me escapava, e minha bolsa nem estava aberta para um acesso rápido ao spray de pimenta. De fato, muita imprudência.

— É — Drystan não demonstrou incômodo. Ele já estava habituado a comportamentos como o meu. — Você é meio obrigado a fazer o seu dever de casa quando algo quase te condena injustamente ao xilindró. Eu aprendi um monte sobre estrangulamento também.

Ugh.

— Você realmente não devia falar assim se quer que as pessoas te odeiem menos.

Ele caçou meus olhos com os seus até que tivéssemos estabelecido um contato visual intenso e desconcertante. Suas írises eram de uma tonalidade bonita de mel, como se as abelhas tivessem derramado todos os favos da colmeia sobre elas. Em um colorido contraste, a vermelhidão da mariposa ainda flutuava à esquerda do garoto.

— Eu não sou o assassino, Heather — disse ele. — E, acredite, você tem todo o meu apoio para investigar e descobrir quem é. Eu quero muito que descubram.

Esbocei uma careta, com a boba impressão de que era atraída para uma armadilha.

— Ah, é? Então, me apoie nisso aqui: Por que o seu DNA estava na cena do crime?

Deus. Eu ia mesmo bancar a investigadora.

— Porque aquele banheiro era o mais perto da cozinha onde nós trabalhávamos. A gente usava nos intervalos, e tudo o que se faz dentro de um banheiro deixa DNA. — Drystan revirou os olhos. — Tinha da outra garçonete também, da nossa chefe, do pessoal que estava lá quando acharam o corpo.

Okay. Era uma boa explicação, que Drystan provavelmente já fornecera dezenas de vezes para os detetives de verdade.

Eu estava correta sobre não fazer qualquer grande progresso em uma investigação por minha conta. Acabava de ter um gostinho de como só andaria em círculos pelo mesmo trajeto da polícia até eventualmente alcançá-los no mesmo beco sem saída. Era desperdício de tempo, e eu que não queria ser o alvo da frustração de Julia quando ela percebesse também.

— Que pessoal estava lá?

— Ah. A chaminé cabeluda. Felix, não é? O namorado. — Drystan bebericou outra bica do expresso. — A patroazinha, Ártemis. As duas meninas, a alta e a loira, e eu e minha colega de trabalho.

Era muita gente para uma cena de crime, quase de caso pensado. As conveniências e coincidências ainda atiravam para todos os lados.

Drystan realmente não parecia ser o assassino, mas poderia. Ele poderia ter atuado durante toda a nossa conversa, como um farsante profissional.

Mais uma justificativa para me opor aos serviços investigativos: Eu odiava a dúvida, a suspeita, a impossibilidade de simplesmente estalar os dedos e separar a mentira da verdade. O que me faltava em aptidão faltava também em disposição — pois, no fim, quebra-cabeças não eram tão divertidos quando se precisava garimpar pelas peças em um ninho de enganações.

Com um pigarro, fiquei de pé, e Drystan me escoltou com os olhos.

— Preciso ir. — Arrumei a bolsa no ombro. — Minha mãe já deve estar acordada e eu não trouxe o celular...

Ele concordou, e se levantou também.

— Você vai levar a sua amiga consigo, certo?

Abri um sorriso fraco.

— Não é como se eu tivesse outra escolha. — Cruzei os braços, hesitante sobre como me despedir. — Bom. Foi legal... conversar com você. Boa sorte com o currículo.

— Valeu. Pelo café também — Drystan disse, e brindou com o ar. — Boa sorte com a sua assombração.

Lhe dei as costas, pressionando o botão na chave do carro para destravar as portas. Eu talvez até lhe ofereceria uma carona para onde ele desejasse ir, caso não fosse apavorada de ficar sozinha com garotos.

Não que eu de fato possuísse muitos momentos sozinha desde a morte de Julia, mas meu pavor era igual quando ela não tinha como fazer nada para me ajudar se fosse preciso.

Julia era apenas uma mariposa e, às vezes, uma visagem que não tocava em nada sem desintegrar. Não muito útil em emergências.

— E, ei, Heather! — Drystan bradou atrás de mim. Eu o olhei por cima do ombro. — Se você for investigar, tem o meu apoio mesmo. Eu estava na festa, posso te ajudar.

Não era a primeira vez que me abordavam com uma proposta parecida.

— Por que você faria isso? — Icei uma sobrancelha.

— Porque já estou de saco cheio de apanhar no lugar do verdadeiro culpado.

Apenas sacodi a cabeça e parti para o Strada.

No apartamento, ainda bem que eu estava errada sobre mamãe já ter acordado — ela me colocaria de castigo se soubesse que eu pisara na rua de pijama e cabelos despenteados. Você quer que a cidade pense que foi criada por selvagens? Aproveitei para comer uma maçã na cozinha, tirando da boca o amargo do café frio e das palavras de Drystan sobre tudo o que ele vinha sofrendo.

Se seu objetivo era me ganhar pela pena, o cretino havia conseguido.

Saltitei de fininho nas pantufas para o meu quarto, onde resisti à tentação de me esconder na cama e zarpei direto ao banheiro. O espelho revelava que eu estava uma bagunça perceptível por dentro e por fora, mas pelo menos meus órgãos permaneciam intactos.

Chupa essa, pesadelo ridículo.

Já havia sido um dia exaustivo, e ainda era cedo pra caramba. Eu me perguntava se a minha vida voltaria ao normal em algum ponto, de preferência antes que eu terminasse em um colapso nervoso. Não gostava de lidar com tantas emoções. Morria de saudades do entorpecimento, de não sentir nada por semanas até me lembrar de marcar a consulta com a psiquiatra.

Concluí que, fosse na vida ou na morte, Julia Klum sempre seria o exterior mais turbulento da minha zona de conforto.

Me arrastei para fora da banheira e enrolei o corpo no roupão felpudo. Puxei a tampa do ralo para escoar a água suja do banho e afofei a touca em meus cabelos. Girei a maçaneta, crente de que acharia a mariposa me aguardando no quarto — ela ainda respeitava alguns limites de privacidade, graças aos céus —, e soltei um grito ao ser surpreendida por Julia na beira da minha cama.

— Bateria cheia. — Ela sorriu, cínica. — Bom dia, Heather.

Não camuflei um gemido.

— Ótimo dia. — Me reboquei a contragosto até o armário. — O que achou da minha conversa com o Drystan?

— Impressionante. É adorável que você esteja aprendendo a socializar aos dezoito anos.

— Mereço uma medalhinha, não? — Remexi nos cabides.

— Ah, uma medalhona, Heather. — Julia esticou os lábios, os olhos cerrados e dois dedos martelando regularmente no joelho. — Foi uma conversa muito interessante. Me deu uma ideia linda.

Devagar e com cautela, mudei a atenção das minhas roupas pra ela. Uma ideia e uma assombração raivosa eram a combinação ideal para o apocalipse. O princípio de algo maléfico faiscava em chamas no semblante de Julia.

— Que ideia...?

— Eu vou colocá-la na mesma saia justa que o garçom. Vou fazer Peach Hills inteira acreditar que você me matou, e será o seu rosto refletido no espelho dos pesadelos. — Julia cruzou as pernas calmamente. — Se não vai me ajudar por mim, Heather, talvez me ajude por você. Não é assim que egoístas funcionam?

Eu tremi um pouco, por mais que duvidasse que aquilo de fato daria certo.

— Eu nem estava na festa, Julia. Nós sequer nos falávamos.

— Mas todos vão acreditar. — Ela atravessou o cômodo a pernadas rígidas, determinadas. Sua voz carregava a certeza profética de quem podia avistar claramente um futuro onde suas intenções absurdas já estavam concretizadas. De perto, Julia se curvou um pouco para nivelar nossos olhos. — Ao contrário do que você pensa, minhas habilidades de persuasão continuam excelentes.

E quem em sã consciência duvidaria de um defunto irritado?, murmurou, entranhada na minha mente.

Ninguém, era a resposta. E por isso que quem logoestaria no olho do furacão seria eu.

Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro