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ˣᴵⱽ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐜𝐚𝐭𝐨𝐫𝐳𝐞

2013, 2 meses após a morte de Julia Klum.

Julia era um encosto relativamente indeciso, que ou me tirava do sério antes das oito da manhã ou não me perturbava em nada por um dia inteiro.

Às vezes eu tentava conversar com ela, ganhar a simpatia da assombração como ganhara da pessoa, mas raramente conseguia alguma abertura. O espírito de Julia era uma nuvem carregada de rancores que sempre choviam em mim e de vez em quando trovejavam. A garota deixava claro que não deveria estar naquele plano, que sua alma corria riscos, só que não me falava o que eu podia fazer para ajudar.

Pra ser sincera, eu desconfiava de que Julia estava tão perdida quanto o resto dos meros mortais.

Quase nada de seu assassinato fora solucionado ainda. Segundo minhas conversas com Dana e os relatórios oficiais divulgados na mídia, estava realmente difícil condenar alguém. A polícia até prendera o rapaz que eu vira na fotografia, Drystan, mas foi somente uma medida preventiva e revogada em poucas semanas por falta de provas.

Um dos maiores obstáculos para a investigação era a ausência de digitais nas escoriações de Julia graças ao tema tosco da festa idiota — que muito convenientemente exigia o uso de luvas de qualquer possível suspeito. Eu aposto que não era a única a sentir que estávamos todos moscando em algo extra importante, seja lá o que fosse.

Deslizei a faca mergulhada em vermelho pelo sanduíche. Geleia. A favorita de Thomas.

Respirei com alguma dificuldade, puxando o ar em excesso sem que meus pulmões se preenchessem por ele. Era uma noite tranquila de quarta, com uma trégua da assombração e Thomas fazendo seu dever de casa sem reclamações — contanto que ainda pudesse comer o sanduíche depois, é lógico —, e eu tremia ao colocar a outra fatia do pão em cima do recheio.

Minha ansiedade nem tinha mais muitos critérios para atacar desde que Julia resolvera aparecer. Eu estava abalada simplesmente para não perder o hábito.

Tinham sido dois meses complicados para todo mundo.

Os pais de Julia haviam virado quase subcelebridades na região, o que tornara o divórcio deles muito mais escancarado do que deveria ter sido. Grupos conservadores de Peach Hills enfiaram placas no jardim da família para evidenciar sua desaprovação, como se Tina e Edgar repentinamente fossem culpados do assassinato da filha só porque estavam se separando num período de união.

Pra mim, a explicação era bem menos obscura: Eles estavam se separando porque não havia mais ninguém que os unisse. Julia era o único elo em comum restante no casamento dos pais e, com a morte dela, morrera também a razão e as forças para continuar insistindo. Qualquer bom observador sabia que a relação já andava em maus lençóis há muito tempo — assim como o tio Edgar, a propósito.

No dia em que descobrira acerca do divórcio, Julia desapareceu por horas. Se ela estava com a "raiva nas alturas", eu não entendia o porquê. Sua mãe merecia mais do que um marido infiel, principalmente depois de perdê-la. Achei que Julia ficaria feliz por Tina, mas parece que não existia mesmo qualquer sentimento positivo em seu ser atual. Eu talvez até a ouvira resmungar sobre aquele ser um castigo do limbo.

De novo, nada de abertura para eu perguntar do que diabos Julia estava falando.

— HEZZIEEEEEEEEEEEEEE! — Thomas gritou. — TERMINEI O DEVER!

Com o susto, a faquinha caiu da minha mão direto na pia.

— Muita calma, Tommy! — gritei de volta. — Eu ainda vou conferir se você terminou mesmo!

O menino surgiu sob o arco da cozinha, um sorrisinho atentado no rosto, enfiado em sua fantasia de Super Choque para o Halloween. Inserir o mínimo de brincadeira em meio à chatice era outra das minhas táticas para conseguir que Thomas cumprisse com suas responsabilidades de aluno da primeira série.

Eu imaginava quando ele chegasse na fase dos cálculos com decimais e fórmulas da eletrostática.

— Você confere e eu como o sanduíche. — Tommy plantou os punhos no quadril, se achando com a sua capa de super-herói. — O que acha?

— Acho que o senhor está tentando me aplicar um golpe. — Ergui uma sobrancelha. — Você pode pegar o quebra-cabeças se quiser, mas o sanduíche fica pra depois que eu ver o seu dever.

— Feito! — Tommy disparou pelas escadas. — Mas não olhe a página das rimas! Você não vai entender nada!

Com um sorrisinho de canto e um tsc tsc me escapando, pus o sanduíche de geleia em um prato e caminhei até a sala. Passei os olhos pelo livrinho de atividades cheio de desenhos para me certificar de que Tommy havia resolvido as contas de somar e subtrair, preenchido as lacunas com as palavras corretas e rimado tostado com tédio.

Olhei para o lápis estranho que o garoto estava usando. Era azul, com marcas de dente, e definitivamente tirado do estojo de algum coleguinha.

Suspirei. Os passos de Tommy reverberaram nos degraus da descida.

— Hora da diversão! — Ele ergueu a caixa de quebra-cabeças no alto de seus 121 centímetros.

— Sim, hora da diversão. O que rima com tostado, Tommy? Dica: Não é tédio.

O garoto desmanchou o semblante empolgado numa careta.

— As duas começam com T e eu estava morrendo de tédio — se justificou ele.

— Vamos lá, Super Choque. Use seus poderes! Esse lápis, por exemplo. — Mostrei ao garoto o objeto que Tommy sabia não ser seu, e ele encolheu os ombros. — Esse lápis é o quê?

— Roubado...? — Tommy abriu um sorriso.

Rimava, mas Dana e eu preferíamos não classificar as travessuras ocasionais de um menino de sete anos como roubo. O tipo de alvo que o termo poderia pregar nas costas dele tão cedo era terrível.

— Não, não. Não é roubado se você vai devolver amanhã e se desculpar por ter pego.

A cabeça de Thomas se pendeu em um vou? Também pendi a minha em um vai.

— Hm. Emprestado?

— Isso! Tostado rima com emprestado!

— Tá bom. — Tommy recuperou o lápis da minha mão para apagar o erro com a borracha da ponta. — Mas eu não vou me desculpar por nada. O menino estava me empurrando no recreio mesmo quando eu disse pra ele parar! Você sempre me fala que é pra parar de fazer alguma coisa quando alguém pede ou diz não. Por que ele não parou?

Em menor escala, me identifiquei tanto com a chateação por trás daquela pergunta que precisei sentar.

Tommy estava certo, eu sempre falava aquilo pra ele. Tinha noção de que não era exatamente o meu papel como babá, mas era meu papel como uma mulher que Tommy gostava e respeitava, como sobrevivente. Ciclos de abuso deveriam ser quebrados para aprisionar cada vez menos pessoas dentro deles. Era devagar que o mundo mudava, cabeça por cabeça. Sei que eu vinha tentando colaborar.

— Bem. — Pigarreei. — Talvez o menino só não seja esperto como você. Por que não tenta explicá-lo sobre limites da próxima vez, ao invés de trazer algo que não é seu para casa?

Tommy franziu o nariz para refletir.

— E se não funcionar eu posso trazer mais?

— Não. Você fala com a sua professora ou com a sua mãe. Lembra o que a gente conversou sobre punir o errado com o errado? Empurrar o amiguinho quando ele não quer que empurre é errado, Tommy. E sabe o que mais é errado? — Baguncei os cabelos dele com a mão.

— O quê?

— Emprestar coisas dos outros sem permissão.

— Ah... — Tommy abriu a boca.

— Pois é. Viu só como não é legal?

Ele fechou o livro e arrastou a caixa de quebra-cabeças pela mesa de centro. Ajoelhado no carpete, Thomas tirou a tampa de papelão.

— Tudo bem, Hezzie. Já entendi. Posso comer meu sanduíche agora?

— Pode. Mas antes, prometa que amanhã vai devolver o lápis do... como é o nome dele?

Tommy revirou os olhos rapidamente. Eu tinha que admitir que aquela quantidade de petulância numa criança frequentemente me obrigava a segurar o riso — tipo agora.

— Dylan. Ele é um chato.

Tossi para cobrir a gargalhada.

— E eu acredito em você, mas até os chatos precisam dos seus lápis de volta. — Pus meu mindinho esticado entre nós, engelhando a testa. — Promete?

Tommy suspirou. Ele não resistia a uma promessa de dedinho.

— Prometo. — Enroscou nossos dedos.

— Ótimo! — Depositei um beijinho no topo de sua cabeça e levantei do sofá. Meus joelhos ainda tremiam um pouco. — Vou apanhar uma bebida. Não monte todo o quebra-cabeça sem mim, sim?

O garoto esfregou as mãos, na caricatura de qualquer mafioso de filmes.

— Fica esperta, porque eu vou usar meus poderes de novo! — Tommy anunciou.

Na cozinha, despejei goles do suco de laranja pra ele, prestando atenção na queda do líquido até o fundo do copo. Vitamina C era importante no controle da hiperatividade com a qual Thomas fora diagnosticado há dois anos. Por culpa dela que ele tinha tanta dificuldade de concentração e uma impulsividade admirável — como comprovava a sua mania de surrupiar os pertences alheios quando ficava irritado.

Ao me virar de volta para a geladeira, um grito desafinado escapuliu da minha boca que nem a caixa de suco escapuliu da minha mão, espirrando vitamina para todos os lados.

— Bu! — Julia saiu de cima da prateleira de iogurtes com um sorriso entretido. — Gostou da minha fantasia?

Ela estava literalmente igual a um fantasma, branca dos cabelos aos pés, quase meio translúcida. Parecia vestir um saco de batatas horrível no lugar do vestido de bolinhas.

— Merda, Julia! — praguejei, com a bagunça amarela espalhada no chão. — Pensei que você ia sumir hoje!

— Sumir? Eu? Por vontade própria? — Julia pôs a mão no peito. — Querida, você não me vê quando eu não quero que veja, mas estou quase sempre por perto. Seja na forma da mariposa nojenta ou nesse corpinho esbelto que vos fala.

Ah. Isso provavelmente explicava minha ansiedade por nada.

Humph. — Peguei um pano de chão debaixo da pia. — Você anda ficando boa demais nesses truques.

— Não é? — Ela saltitou até o balcão, e seu traseiro se desmanchou em névoa quando sentou no granito. — Posso te ensinar as manhas se um dia você morrer e ficar empacada por aqui também.

Grunhi um insulto, e me abaixei para limpar o suco.

— Eu vou anotar na minha agenda, obrigada. E não, não gostei da fantasia. Você está muito pálida.

Julia olhou para baixo, os braços esticados.

Ela obviamente não estava contente com a minha opinião, mas eu também não estava contente com a aparição indesejada dela na casa de Dana e Thomas. Temia até que sua presença dentro da geladeira tivesse estragado alguma comida... Devia me lembrar de ver depois.

— Ah, que pena. Se você não gostou, eu posso trocar pela minha fantasia de garota morta. — Julia oscilou as canelas no ar, cínica. — Está debaixo da cova, cheia de vermes e cheirando a podre. Quer ver?

Inalei profundamente, me proibindo de visualizar o horror que Julia descrevia. Ela sabia das minhas fraquezas e adorava utilizá-las contra mim.

— O que você quer, Julia? — indaguei, a voz azeda pela náusea. — Sabe que estou ocupada com o Tommy agora.

Ela revirou os olhos.

— Ora, me poupe. Apenas dê alguma barata para ele perseguir e pronto. O pirralho tem o mesmo nome do meu gato, Heather.

Ergui a vista para o seu rosto, a fim de ver se ela realmente estava falando sério. Julia me olhou de volta, impassível, e eu levantei com o pano de chão encharcado de suco. O piso brilhava, apesar de meio grudento.

Era só o que me faltava. Ser babá de assombração agora também.

— Por favor, só vá embora. — Coloquei o copo na mão. — Quando eu sair daqui, prometo que pode me perturbar o quanto quiser.

Pra ser sincera, eu ainda nem sabia porque Julia me perturbava.

Talvez houvesse algum fardo para se carregar junto do dom místico que ela dizia que eu tinha, mas aquilo já parecia tortura. Minhas constantes súplicas para que Julia fosse embora era porque eu precisava que ela fosse. No final das contas, não tinha como ser a luz de droga nenhuma se eu estava sempre ofuscada pela sombra do encosto.

Me ajoelhei ao lado de Tommy e entreguei a ele seu suco. O menino me agradeceu com um sorriso banguela que teria aquecido meu coração em outras circunstâncias, caso Julia não estivesse praticamente bufando em minha nuca, espiando o quebra-cabeças incompleto.

— Shrek? Sério? Aterrorizante.

Produzi um ruído alto com a garganta para mandá-la dar o pé.

Tommy me olhou.

— Tá com dor de garganta, Hezzie?

— Não, querido. Só uma coceira chata que não quer sair.

— Há! É aí que você se engana. Ou acha mesmo que ser sua amiguinha imaginária é uma viagem a Paris pra mim? — Julia lançou uma careta às suas unhas. Se fosse, eu já teria enfiado a Torre Eiffel na sua bunda, pensei. — Em fato, acho que descobri um jeito de você me ajudar.

Olhei pra ela, meus olhos esbugalhados.

Julia sorriu, satisfeita por conquistar meu interesse.

— É, eu sei. Vai querer distrair o remelento com a barata agora?

Ainda tentei me concentrar na minha diversão com Tommy, mas as peças com a cara do Shrek logo viraram somente um amontado de verde que eu não conseguia entender. Julia passeava distraidamente pela sala, desintegrando seu toque pela decoração e a mobília. Me perguntei se a garota havia mesmo descoberto um jeito ou se só estava me azucrinando como de costume.

Logicamente, não pude tolerar a dúvida por muito tempo.

— Eu vou ao banheiro rapidinho, Tommy. — Me pus de pé com tanta agilidade que o garoto me dedicou um olhar arregalado. Julia gargalhou maleficamente ao fundo e eu dei tudo de mim para sorrir com naturalidade. — Volto já, está bem? Seja um bom menino e cuidado com a sua fantasia.

— Tá com dor de barriga, Hezzie?

— Algo assim! — eu respondi, sinalizando para que Julia me seguisse.

A assombração andou calmamente em meu encalço, e diferiu um peteleco na orelha de Tommy ao passar por detrás dele. Eu grunhi quando o menino levou a mão à área atingida e olhou para os lados. O efeito que Julia surtia ao encostar nos vivos, de acordo com ela, era um arrepio eletrizante acompanhado de uma sensação de morte iminente. Nada muito adequado para uma criança.

Ela entrou comigo no banheiro e eu fechei a porta.

— Fale rápido. Se eu demorar muito, Tommy vai começar a implicar com a minha dor de barriga.

Plena diante da minha inquietação, Julia se acomodou na tampa da privada.

— Sabe, a última vez que estive no banheiro não foi muito divertido. — Ela exibiu um biquinho pra mim. — Você não está pensando em me matar agora, está?

Contive uma bufada nas bochechas.

— Se desse pra matar o que já está morto, talvez.

Os olhos de Julia pareceram incrivelmente tristes pela primeira vez, acompanhados por um sorriso similar.

— A sua ingenuidade me comove, Hezzie.

Cruzei os braços sob os peitos.

— Você não arrumou jeito nenhum, não é?

Em resposta, Julia cruzou as pernas.

— Lembra daquela merda que você leu sobre ser meu ponto luminoso?

— Hm. Sim...

— Pois é. Eu acho o termo meio pretensioso, mas... — Ela abanou a mão, os olhos rolaram. — Se você é mesmo a minha luz ou sei lá, significa que você tem que solucionar o meu assassinato.

A encarei em um silêncio perplexo pelos segundos necessários para perceber que Julia não estava zoando.

— Como é que é?

— Olha, é bem simples. — Ela suspirou como eu suspirava ao explicar para Tommy que ele não era um super-herói de verdade e, portanto, não podia sair pulando de prédios para sobrevoar a cidade. — Uma das razões pela qual estou presa aqui, cheia de raiva desde que morri, é não saber quem foi que me matou. O desgraçado continua livre, vivendo enquanto eu estou apodrecendo, ficando má e mais fraca.

Os olhos dela brilharam com as lágrimas que seus lábios tremiam para conter. Era desconcertante. A última vez que eu a vira chorar provavelmente foi na festa de Levi.

— Eu não posso partir com tanto rancor, Heather. Não posso.

Pisquei, encurralada, sem saber o que dizer.

Acho que já ouvira minha bisavó comentar sobre almas penadas. Eram entidades antes humanas que não conseguiam realizar a passagem por causa de assuntos inacabados na Terra — o assunto inacabado de Julia era bem grave, eu tinha que admitir.

— Eu quero encontrar a verdadeira luz — ela disse, baixinho. — E eu acho... que só você pode me ajudar.

Minha boca expulsou apenas ar ao invés de palavras. Julia estava cara a cara comigo, avaliando as minhas reações com os olhos vítreos e esbranquiçados. Eu vinha aguardando por uma brecha como aquela para enxergar um pouco além da assombração que me atormentava diariamente, mas agora preferia que ela não demonstrasse humanidade nenhuma. Só tornava tudo ainda mais doloroso.

— Como diabos eu solucionaria o seu caso se um bando de policiais ainda não solucionou?

— Não se compare com esses idiotas, querida — Julia rosnou, espalmando a mão ao lado da cabeça. — Eles estão fazendo tudo errado, eu sei que estão. Mas você... você tem a mim. A vítima! É uma grande vantagem. Eu posso te contar a história real.

— Mas você nem lembra daquela noit...

— Eu me lembro de outras noites. Posso contar a minha versão dos fatos, que provavelmente foi a que me matou — Julia sibilou, a serpente do Éden tentando me convencer a abocanhar a maçã.

Péssima analogia, diga-se de passagem. Afinal, se eu estava tendo uma conversa medonha com o fantasma da minha melhor amiga assassinada, era porque algum imbecil tinha cedido à tentação do fruto proibido há milhares de anos — longe de mim repetir o erro. O que Julia pedia beirava o delírio, a insanidade.

Eu não era investigadora. Não tinha qualquer experiência com solução de crimes. Meu programa de tevê favorito era X-Factor, não CSI. Nós não estávamos em um livro meia tigela onde o adolescente abestado salva o mundo no fim. Eu mal conseguira salvar a mim mesma.

Não tinha o que era preciso: Coragem.

— Julia, eu quero ajudar você. Eu quero ajudá-la a partir, mas... — Engoli em seco, o coração acelerado alastrando tremores pelo meu corpo. — Não posso.

— E por que não?

— Porque... — Embrenhei os dedos nos cabelos, nervosa. — Eu tenho medo de mexer com essas pessoas. Eu tenho medo...

— Tem medo do assassino vir atrás de você também?

Mordi o lábio, minúscula sob o escrutínio de desprezo que o encosto me direcionava.

— Talvez...

Julia riu, sem um pingo de humor.

— Que surpresa, Heather. Eu achei que você queria justiça. Achei que era o que eu merecia. — Ela aproximou nossos rostos até minha cabeça grudar na porta, nossos narizes quase se triscando. A intensidade sobrenatural no olhar estreitado de Julia apropriou-se do meu, e não consegui desviar. — Não me diga que todo o seu discurso chinfrim ao lado do meu caixão foi só da boca pra fora.

Que merda. Aquilo era jogo sujo até pra ela.

— Não foi, eu juro que não. É claro que você merece justiça, mas eu... eu não posso dá-la a você. Eu sou só uma garota, Julia.

— Eu também era só uma garota! — Julia explodiu. Havia chances de eu estar apenas alucinando, mas tive a nítida impressão de que seu berro sacudiu as estruturas da casa. A fantasia adquiriu um aspecto deformado e distante do branco translúcido. — Eu também tinha medo de um monte de coisas! Eu tinha sonhos, Heather! Sonhos que foram destroçados por alguém que você nem se importa em saber quem é!

— É óbvio que eu me importo! Eu mostrei a mensagem de voz e...

— E não adiantou de nada! Eles não conseguiram nada, Heather, nada!

Eu me encolhi, acuada. Realmente, o detetive Buck me informara que a equipe não havia extraído nenhuma nova pista da voz desconhecida na ligação. Foram apenas alguns segundos, ainda abafados pela maldita canção que tocava na festa. Endless Sleep falava sobre morte, sobre um mar que roubou a garota de um cara.

O caso de Julia era trilhado por uma série de ironias bizarras.

— Quem sabe... você pode me dizer o que quer dizer e eu repasso tudo pra polícia — sugeri, baixo. — É um meio-termo razoável, não?

Julia repuxou o canto dos lábios. Sua encarada arrogante cresceu em cima de mim feito hera venenosa. As ondas de sua raiva vibravam pelas lajotas. A aparência dela agora era soturna, monstruosa.

Os olhos haviam emergido em vermelho.

— Quer mesmo tentar essa sorte? Vai dizer a eles que se comunicou com a defunta pelo tabuleiro Ouija? Ou que eu estou a assombrando há meses? — Julia projetou o queixo pra frente, as órbitas permanentemente saltadas. — Você não falou comigo por três anos, Heather. Não haveria qualquer maneira de saber o que eu poderia te contar sem parecer uma mentirosa ou maluca.

É, ela tinha um bom argumento. Em contrapartida, a maluquice não parecia mais uma hipótese tão absurda.

Fechei os olhos para fugir da fisionomia quase demoníaca de Julia. Algo similar ao Inferno parecia ter se incorporado nela. Um calor insuportável queimava até em minha visão.

— Eu sinto muito, Jules, mas eu... eu não conseguiria me meter no meio disso mais do que já me meti. Por favor, tente entender.

Seu ódio baforou em minhas bochechas e secou a saliva da minha boca. Não tive condições de falar, por mais que desejasse.

Julia não ia entender. Eu também não entenderia. Estava tentando me proteger às custas dela, mas minha atitude não era totalmente injustificável. Eu sabia que mexer em um vespeiro me causaria ferroadas. Só queria paz para seguir em frente, e uma investigação por minha conta seria o completo oposto de paz.

— Você é uma covarde. É a porra de uma covarde egoísta.

Eu era. Julia tinha toda razão.

— Deve haver outro jeito. Sempre há. Eu...

Abri os olhos novamente ao notar o sumiço de toda a energia ruim que se tornara a carteira de identidade da assombração. Julia não estava mais ali, com certeza pela raiva tremenda que a afastava da luz. Entretanto, meu peito não se aliviou com a sua ausência, pois minha nova alcunha fora talhada nele com uma estaca.

Heather Lung, a covarde egoísta.

Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!

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