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ˣˣᴵᴵᴵ. 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐭𝐫𝐞̂𝐬

2014, 8 meses depois da morte de Julia Klum.

⚠️: Menção à abuso sexual.

Para a minha grande surpresa, Felix Kennard realmente não matou Julia Klum.

Eu ainda custei bastante a acreditar na palavra dele, por mais que houvesse muita sinceridade na crueza de sua confissão. Felix não encostou um dedo em Julia para assassiná-la, mas pretendia encostar para violentá-la. O garoto a drogou para se aproveitar dela, e drogou a si mesmo para amenizar a culpa. O resto da festa só teve o azar de beber da jarra direcionada à vítima.

Típico. Tristemente típico. Eu deveria ter ligado os pontinhos mais rápido.

Felix foi preso, a princípio por porte ilegal de drogas e suspeita de assassinato. Minha intuição berrava que ainda faltava uma peça no quebra-cabeças, que ele não era o único culpado, mas eu rezei rigorosamente para que o garoto pagasse até pelos crimes que apenas desejou cometer. A verdade dói mesmo, e doeu muito em mim quando me dei conta de que Julia só poderia ter sido morta ou estuprada naquela noite infeliz. Não havia uma terceira opção porque, geralmente, não há. As lembranças da minha noite infeliz se afloraram em uma tragédia vívida, e eu amaldiçoei Felix mais um pouco.

No entanto, Dana me adiantou: Eles não iriam condená-lo pelo crime principal.

Felix está armado até os dentes de bons advogados, e os caras provaram que o garoto não usava luvas na festa. A mídia foi à loucura nas primeiras semanas após a prisão, o que levou mais uma família a evacuar sua casa imediatamente. Os Kennard tiveram que fugir da cidade, dos ataques e das ameaças de morte. Eu mesma fiquei tentada a fazer igual, já que meu rosto passou dias estampado nas manchetes dos grandes veículos de notícias do estado.

Amiga de jovem assassinada desmascara o namorado! O ardiloso plano de Heather Lung, que desbancou a polícia! De suspeita à detetive! Uma reviravolta inacreditável!

É uma pior do que a outra. De novo, o caso de Julia revira a minha vida quando mal consegui recuperá-la do baque anterior.

Os policiais me interrogaram mais uma vez, muito emburrados por eu ter metido o bedelho no trabalho deles, e já me conformei que não vou parar de frequentar delegacias tão cedo. Em fato, vou ser obrigada a avançar para um maldito tribunal e testemunhar contra Felix. Ainda não há nenhuma previsão para o julgamento, mas eu já fui convocada pela promotoria para sentar ao ladinho do juiz.

Também me convocaram para entrevistas em rádios, noticiários e jornais. Com minhas recusas incansáveis, uma turma de jornalistas se plantou na porta do meu prédio e colégio. Parece que atingi uma categoria de celebridade, e não sei como me livrar dela. Vivo escondida em casa, torcendo para que se esqueçam de mim com o tempo.

Honestamente, eu adoraria sumir que nem a assombração — mas sem precisar morrer antes.

Julia desapareceu assim que a verdade sobre Felix veio à tona. Eu me preocupei horrores com o seu espírito, pois não achava que ele tinha realizado a passagem. O assassino continua a solta, e a revelação de um dos culpados certamente é um tantinho amarga.

Para Julia, Felix ainda era Felix. Seu namorado idiota. Sem dúvidas é difícil assimilar que ele também seja um canalha responsável pela sua ruína.

No 13º dia de abril, eu estava esperando que ela reaparecesse. Todo mundo estava, aparentemente. As pessoas penduraram cartazes pela escola, mencionaram na televisão e voltaram a entupir o memorial de homenagens. Eu esperei até meia-noite e adormeci com o abajur aceso, para que Julia se achasse caso andasse perdida outra vez. Mariposas voam em volta da luz, mas a mariposa de sangue não voou.

Com a ausência dela, eu decidi ocupar a mente com a investigação inacabada, apesar dos vários sermões disfarçados de conselho que recebi. Mamãe foi a primeira a falar que eu deveria parar com as aventuras antes que cavasse um buraco onde podem me enterrar. Dana teve o emprego ameaçado por conta das nossas conexões pessoais e praticamente implorou para que eu aquietasse o faixo. A moral da polícia está em jogo e eu deveria obedecer ao bom-senso, mas não vou.

Não depois do telefonema de Tina Klum.

— Alô? — Eu atendera, intrigada pelo número desconhecido.

Era somente um pouco depois de Peach Hills ter me elegido como a sua nova fofoca favorita. As emissoras de tevê e os repórteres ainda não haviam começado o assédio em meu celular pessoal.

— Heather? — O miado de Tina eclodiu do outro lado.

Pra ser sincera, eu estava jurando que era uma ligação da cadeia.

— Ahn, oi? Tia Tina? — ecoei, meio chocada.

— Sou eu, querida. Oi. Consegui seu telefone na minha agenda antiga. Como você está?

— Estou... estou bem. — Pigarreei, os olhos agitados procurando Julia em cantos solitários. — E a senhora?

— Levando... — Tina suspirara o suspiro mais triste que já escutei. — Olha, querida, eu só liguei pra agradecer pelo o que você fez pela minha filha. A noite em que eu soube do Felix foi a primeira em que dormi bem em meses. Revigorante. — Ela riu sem humor. — Muito obrigada por ter me trazido um pouco de paz para variar.

Paz. Era o que me motivava na investigação.

Eu acreditava que tinha feito justiça à minha amiga ao pegar Felix em flagrante, mas me enganara: Ele não é o assassino. Pela perspectiva prática da situação, a justiça ainda não foi totalmente conquistada, e Julia ainda não tem paz o suficiente para terminamos o que já se prolonga por tempo demais. A garota permanece presa no plano errado, apodrecendo, pesando sobre meus ombros até eu mandá-la para onde deve partir.

Foi um balde de água fria particularmente frustrante. Eu senti saudades da minha vida sem-graça, sem almas penadas e sem problemas sobrenaturais.

Tudo me dizia para voltar ao meu território e deixar o serviço restante com os profissionais. Eu tinha a sensação de que seria presa junto do estrangulador caso descobrisse a identidade dele antes da polícia, e um novo escarcéu da imprensa provavelmente me enlouqueceria. Sem falar que, no fundo, no fundo, eu estava magoada por Julia ter ido embora e me abandonado sozinha no Inferno obcecado por ela.

Mas o telefonema de Tina me mostrou que a garota não é a única que importa. Não é só ela que precisa de paz. Se eu ainda estou a bordo do barco, que seja para ajudar mais tripulantes também. Gente que continuará aqui depois que o assassino for desmascarado.

Que se dane o ego ferido da polícia. Eu tenho que falar com Ártemis Mattingly. Agora que Felix é carta fora do baralho, a deusa grega é a segunda suspeita mais forte que sobra. A podridão dela se ressaltou perfeitamente quando Ártemis só concordou em conversar comigo em troca da minha recente fama para divulgar sua inocência.

Eu fechei o acordo, com a condição de que Ártemis me convencesse do que diz.

— Há. Beleza. — A garota havia replicado, com o desdém de quem aceita um desafio manjado. — Basta você trazer alguém de sua confiança que estava na festa. Vai ser fácil provar que não fiz algo que não fiz.

Eu poderia ter recrutado Valerie ou Taylor para essa missão, mas nenhuma das primas me soou adequada. Taylor agiu como uma criancinha histérica acerca da investigação, ao passo que Valerie se manteve alheia o tempo inteiro. O melhor meio-termo disponível era Cash.

Convenientemente, na manhã do interrogatório de Ártemis, eu sou despertada pela presença da visagem em meu quarto. A nostalgia me lança para o dia posterior à morte de Julia, enchendo meus olhos de lágrimas. Eu sabia que, desaparecida ou não, Julia não perderia hoje por nada.

Viro de peito pra cima na cama, colocando os óculos, e encaro o teto amarelo. Julia está deitada comigo sob as cobertas, na mesma posição.

— Você precisa parar com os chás de sumiço sem me avisar — é o que digo.

— Ah, me desculpe pelo transtorno, querida egoísta — Julia é quase instantânea em retrucar. — É que meu namorado me drogou, se lembra?

Um sorriso triste estica meus lábios, abstinente das alfinetadas.

— Feliz aniversário atrasado, Jules — murmuro.

— Valeu, mas meu aniversário é só em agosto agora. Você já viu algum defunto completar um novo ano de vida?

Eu balanço a cabeça e me levanto, catando do chão as almofadas e pelúcias chutadas para fora da cama durante meu sono atormentado. Não é à toa que minha dose de remédios aumentou e que só acordo mais cansada do que fui dormir diariamente.

— Não sei como ainda sinto saudades de você — comento, resignada.

— Deixa disso, Hezzie. Você sabe que eu só encho o saco pra que não sofra muito quando eu me escafeder pela eternidade.

Olho pra ela, uma sobrancelha arqueada.

Quando? Já tem data marcada?

— A data que você pegar o filho da puta que me matou, é lógico. — A assombração sorri, confiante. — Sei que você vai conseguir. Significa muito pra mim que ainda não tenha desistido.

Sacudo os ombros. Também significa muito pra mim que ela finalmente demonstre alguma gratidão, embora eu não saiba como reagir agora.

— De nada. Eu tenho meus motivos.

— Aposto que tem. — Julia une as mãos atrás da cabeça, me dedicando um sorrisinho maroto. — Você vai soltar os cachorros pra cima do anjo caído hoje, não vai?

Muito provavelmente não. Ártemis é intimidadora pra caramba e eu não quero repetir o erro de irritar um potencial assassino em sua própria casa. Com Felix, minha ousadia resultou numa perseguição pelas ruas da cidade em pleno tráfego lotado do anoitecer. Thomas só estava empolgadíssimo no banco de trás porque não tinha ideia do perigo que cantava pneus em nossos cangotes.

A ignorância é realmente uma benção. Enquanto o garotinho curtia o passeio com a cara pra fora da janela, eu precisava improvisar para nos tirar daquela fria.

O que percebi de primeira foi que não podia voltar para a casa de Dana com Felix em minha cola, tampouco despistá-lo com manobras inexperientes que decerto causariam um acidente. A segurança de Thomas — e das evidências cruciais que ele havia furtado — eram prioridade máxima. Eu empaquei Felix em um sinal vermelho, parei o Strada rente ao próximo meio-fio e instruí que Tommy descesse e corresse pra casa. Nós não estávamos muito distantes, mas me certifiquei umas oito vezes de que o menino se lembrava o caminho.

— Eu sei onde eu moro, Heather! — ralhara ele, lá pela nona vez. — Não sou mais criança. Já tenho sete anos!

Mesmo desesperada, consegui render uma risadinha. O carro de Felix brilhava em azul metálico ao longe, vibrando com a ânsia de nos alcançar. O medo lavava minhas bochechas.

— Ótimo — eu disse, segurando o rosto de Thomas com a força que me restava nas mãos trêmulas. — Então, corra mais rápido que o Bolt e ligue pra sua mãe assim que chegar. Peça pra ela procurar o meu carro, tá bom? Tranque as portas, não saia pra nada e não mexa nessas balinhas azuis. Tem bolo na geladeira. Coma o quanto quiser.

— Legal! Você vai pra casa depois também?

Olhei para o monstrengo azulado avançando o sinal na nossa direção. Um nó me apertava a garganta.

— Eu vou, querido. — Beijei Tommy no topo da testa, com suor e tudo. — Se não for nessa vida, vou em outra, mas vou.

Pode ser exagero, mas eu fiquei com muito medo de ser morta no meio da calçada. Afinal, se havia uma bolsa de emergências guardada no meu porta-luvas, Felix poderia muito bem guardar uma arma no seu.

Eu vou levar a bolsa no ombro para a mansão de Ártemis hoje, mas não tenho intenção de afrontá-la igual afrontei seu possível comparsa. Com os rios de grana que ela possui, Ártemis encobriria o meu assassinato tão bem quanto talvez se safou do de Julia.

— É, talvez. — Eu pigarreio, avaliando as alternativas de roupa no armário. — Você acha que Ártemis pode ser a culpada?

— Parei de achar isso ou aquilo, Heather. Se ela for a culpada, vai ser. — Julia se levanta da cama também, a saia do vestido farfalha nas coxas. — Com certeza seria mais fácil do que foi com Felix. — Ela bate os punhos cerrados, e desvia os olhos para a janela entreaberta. — Eu sempre soube que ele era um imbecil, mas estava torcendo para que não fosse tanto.

Me distraio dos cabides para me concentrar na visagem chateada.

— Eu sinto muito, Jules.

— É, bem. Menos um assunto pendente para empatar minha passagem — ela rebate, lutando para esconder a vulnerabilidade. — Também já tenho a resposta para o que você perguntou sobre amá-lo.

Céus. Parece que foi séculos atrás.

— Ah, Jules, não precisa...

— Eu o amava, sim, como um produto da minha imaginação. Perfeito, sem falhas. Mas o Felix real não era nada disso. Ele deve ter se enchido de nunca satisfazer as minhas expectativas.

Eu encolho meus ombros magrelos.

— Você sabe que a culpa do que ele fez não foi sua — sussurro. — Certo?

— Eu sei. — Julia abaixa a cabeça. — Acho que só gostaria de não ter me contentado.

Franzo o nariz. Eu nunca me apaixonei por ninguém, nem vivi dramas amorosos que me levassem a miséria, mas posso imaginar a confusão que são os sentimentos românticos. Minha inabilidade em desenvolvê-los parece mais um privilégio do que um problema, e eu definitivamente prefiro me preocupar com outros perrengues agora — como buscar Cash na casa dele e fechar a nós dois sozinhos no carro, apenas com a assombração desmanchada nos bancos traseiros.

Minhas mãos suam bicas de ansiedade, ao ponto de eu segurar o volante com firmeza para que não escorregue. Eu quase me arrependo de ter oferecido a carona ao invés de deixar Cash pedalar até o endereço de Ártemis como meu cérebro traumatizado insistiu.

Porcaria de educação.

— Você vai mesmo cumprir seu acordo com a loira oxigenada? — Julia questiona, enquanto aguardamos.

Tiro os olhos da casa de Cash e assinto pra ela.

— Se Ártemis cumprir a sua parte primeiro, sim.

— Hm — Julia grunhe. — E você vai dar alguma entrevista para limpar a barra dela?

— Eu, não. — Abano uma mão. — Esses sonhos de fama são seus.

Eram. — A garota abre um sorriso azedo.

Limpo o constrangimento da garganta, meneando com a cabeça.

— Vou só postar um texto no Facebook. Você não tem ideia de quanta gente nova me adicionou por lá.

Julia ri desafinado, e dispara dois tapinhas em meu ombro para que os arrepios estourem e eu salte rumo ao para-brisas.

— Quem te viu, quem te vê, hein? — zomba a visagem. — Tá mais popular do que eu jamais fui.

— Não por livre e espontânea vontade — resmungo, a pele ainda eriçada.

— A gente pode trocar de lugar se você tá tão incomodada.

Estreito os olhos pra Julia, ciente de que nenhuma de nós quer assumir o lugar da outra de verdade.

De certo modo, minha melhor amiga já foi embora há meses, e não voltaria à vida nem se eu desse a minha por ela. É difícil me habituar à realidade da morte com a morta sempre por perto, mas sei que precisarei lidar com o luto normal eventualmente. Será um processo tardio, solitário, e, acima de tudo, trapaceiro. Eu sempre vou esperar que Julia reapareça de seus sumiços uma hora ou outra, mesmo depois do último. Sempre que eu tiver alguma sensação poderosa e esquisita, vou procurar pela mariposa e me decepcionar por não encontrá-la. Será um costume muito inconveniente.

Acredite, Jules. Você não ia gostar de estar no meu lugar.

Engulo um suspiro a tempo de avistar Cash despontando no quintal de seu pequeno sobrado com os cabelos arrumados, camisa polo e calças jeans. Meu coração praticamente se arremessa da caixa torácica com o pânico. Eu tento me convencer de que está tudo bem, de que eu já teria notado se o garoto fosse como Jeremy Rice e que ele não tentaria nada num carro que posso muito bem capotar.

Minha mão está grudada na chave do Strada, meu pé no acelerador. Seria mais simples arrancar para longe do que dar o braço a torcer, mas me obrigo a escolher a segunda opção.

Cash acena com um sorriso do outro lado da porta, e dobra a maçaneta para entrar. O leve calor da estação se esgueira para o Strada, rivalizando com os calafrios ensandecidos em minha coluna.

Agarro a bolsa de emergências no colo, afundando os dedos no couro vagabundo.

— Segure a porra da onda, Heather — murmuro para mim mesma.

— O quê? — Cash se inclina para escutar melhor.

Arregalo os olhos. Julia iça uma sobrancelha, me avaliando.

— Oi. Eu disse oi.

— Oi. — Cash ri, e passa o cinto de segurança pelo corpo. — Foi mal pela demora. Eu estava com visitas antes.

— Tudo bem. Julia está aqui também. — Eu aponto os bancos de trás com o polegar. — Ela me mantém bem entretida.

Giro a chave na ignição para reiniciar o veículo, secando o suor de uma mão na calça, e Cash aparenta alguma dúvida.

— Ahn. Julia está aqui?

— Ela sempre está — eu digo, como uma piadinha, mas ninguém ri.

A assombração dirige uma careta ao garoto.

— Eu deveria ficar ofendida pelo desânimo dele?

Cash coça a nuca, inquieto. Sua mudança súbita de atitude devolve a tensão aos meus ombros. Me pergunto se ele aceitaria ser despachado para a caçamba da caminhonete.

— Hm. Okay — o garoto fala. — Pra onde nós vamos?

— Você não contou a ele sobre Ártemis? — Julia volve o rosto a jato pra mim, quase acusatória. — Por quê?

Francamente, eu também não sei.

A princípio, eu ainda não estava muito convicta de que Cash era realmente o meu melhor meio-termo para levar até a casa da deusa grega. Ele sabe da investigação desde o começo e sempre se comportou adequadamente sobre ela, mas eu ainda tenho minhas ressalvas em defini-lo como alguém de minha confiança. Primeiro porque Cash é um cara, segundo porque ainda é um dos suspeitos.

Eu também não queria convidá-lo para interrogar Ártemis após dispensar sua ajuda múltiplas vezes. Se ele negasse, me restaria apenas... Taylor.

Tudo o que falei para chamá-lo foi: Ei. Quer fazer algo no sábado?

E ele respondeu, sem mais indagações: Claro. Que horas?

— Bem. — Eu pigarreio, ignorando a visagem. — Depende. Se você ainda quiser ajudar na investigação, vamos investigar. Se não quiser, vamos dar meia-volta e fingir que nada aconteceu.

Cash sobe as sobrancelhas e abre a boca, quieto com sua cara de tacho por vários segundos. Acho que, como eu, ele só entendeu agora que estou praticamente sequestrando-o por um bem maior.

— Ah. Isso tem a ver... com a investigação?

— Urrum — respondo, temendo como ele vai reagir.

com a investigação?

Franzo o cenho, olhando-o de relance, concentrada no GPS que me guia até a nova mansão de Ártemis. A garota se mudou quase para a área rural de Peach Hills, e sua família vendeu a propriedade onde Julia foi assassinada. Lembro vagamente de ver o anúncio no jornal. Estava por uma ninharia bem acessível, mas, pelo o que sei, quem comprou foi outro ricaço insensível.

— Hm, é. Só com a investigação. O que você pensou?

Cash dá um risinho similar a um chiado de um balão furado.

— Nada. Deixa pra lá. — Ele cobre uma tosse com o punho. — Só estou feliz por ajudar.

— Que mentiroso terrível — Julia opina, de braços cruzados. — Pelo menos mostra que ele com certeza não é o assassino.

Surpreendentemente, nós percorremos o caminho todo sem trocar mais nenhuma palavra. Cash quem geralmente engata as nossas conversas, mas ele permanece calado, com a cara virada para a janela, e meu nervosismo excessivo ainda me impede de perguntar se está tudo bem. Nem a assombração fala muito, e nós chegamos ao nosso destino mais depressa do que eu havia antecipado.

O motor do Strada ronca quando o carro breca, e eu desço para a estrada com a bolsa de emergências e a chave.

Em meus calcanhares, Julia dedica uma careta de estranheza à mansão suntuosa. As esculturas de grama no jardim nos mandam ficar longe.

— Mas que pena. Ela se mudou — lamenta a assombração, ironicamente. — Eu queria rever aquele banheiro simpático.

Cash enfim se retira de seu mundinho particular e desce do veículo, o semblante atordoado. Eu aperto um botão no interfone do portão e aguardo os toques serem substituídos pela voz fina.

— Pois não?

— Sou eu, a Heather — digo, séria.

— Ah, Heather, até que enfim. — Ártemis bufa com impaciência, como se tivéssemos combinado um horário para o qual eu estou imperdoavelmente atrasada. — Entre logo, estou aguardando.

A garota desliga com um clique certeiro.

— Oh, sim. — Julia leva uma mão ao peito. — Outra simpatia que eu estava morrendo para rever.

As trancas automáticas do portão estalam para liberar nossa passagem, e ele se escancara com um rangido elegante. Eu avisto a deusa grega na porta da casa de muitos metros quadrados, com um vestido de flores cuja saia esvoaça pela brisa primaveril. Ártemis parece uma camponesa rica e inocente. Eu não ficaria surpresa se a imagem de boa moça tivesse sido calculada para me manipular.

Há pouco tempo, a garota comandava um grupinho de elite com um objetivo parecido. A diferença é que eles manipulavam Peach Hills inteira com vestidos de boas ações filantrópicas.

— Ahn, Heather... — Cash balbucia, com os olhos arregalados. — Eu não...

— Vocês vêm ou não? — Ártemis berra para o considerável espaço que nos separa.

Engulo o insulto que me arranha a boca da garganta.

— Espero que você não ligue em falar com a Ártemis. — Eu sorrio um sorriso apologético para Cash. — Ela pediu que eu trouxesse uma testemunha da festa para provar sua inocência.

— Bem, na verdade, você deveria...

— Se algum caipira me roubar por causa desse portão aberto — Ártemis coloca as mãos no quadril, feito uma mãe aborrecida —, quem vai pagar pelo prejuízo são vocês!

Puta merda, ela ainda é tão insuportável quanto eu me lembrava.

— Vamos, Heather — Julia também me apressa. — Você pode namorar o seu namorado depois.

Meu rosto queima com a provocação da assombração. Repentinamente, estou mais aliviada do que nunca por ser a única capaz de ouvir as besteiras que saem de sua boca.

Se Cash fosse mesmo meu namorado, eu estaria em apuros. Só o que sei sobre ele é que vive uma vida humilde na periferia da cidade, que nunca conheceu a mãe e mora com a tia desde a morte do pai. Nós nos comunicamos por mensagens há meses e somos amigos, mas eu não descarto as chances de Cash ser um assassino nojento. O garoto é tão suspeito quanto Valerie e Ártemis, por exemplo, e não consigo confiar sem desconfiar na mesma dose. Seja por meu histórico problemático com garotos ou medo da decepção, eu sempre tenho meu pé atrás com relação a eles — às vezes mais, às vezes menos.

Pela forma arredia que Cash vem agindo desde o carro, estou mais para mais hoje. Ele e Ártemis se encaram em silêncio na entrada da mansão, como adversários distantes em um filme de faroeste. A deusa grega o mede de cima a baixo somente com os olhos afiados de reconhecimento. Os portões se fecham novamente às nossas costas, com um sentimento de captura.

— Hm — murmura Ártemis para Cash. — Escolha interessante.

Aceno com a cabeça.

— Podemos começar?

Ártemis estica os lábios no que talvez seja um sorriso, e desliza para o lado a fim de nos deixar entrar.

— Fiquem à vontade, por favor. E não reparem na bagunça.

Julia revira os olhos, e nós quatro adentramos o casarão brilhante igual uma joia. É óbvio que não há bagunça nenhuma, apenas mobílias caras e pinturas renascentistas emolduradas em quadros. Ártemis nos conduz pelos corredores com graciosidade, os passos estalando acima dos saltos, o crepitar da lareira nos atraindo para a sala de estar.

Ela senta numa poltrona bege, e cruza uma perna sobre a outra. Eu me acomodo no sofá, e Cash fica de pé.

— Bom. — Tiro a caderneta da bolsa, com cuidado para não mexer nos meus recursos de emergência. — Então, a primeira pergunt...

— Eu estava discursando — Ártemis me interrompe. — Julia foi assassinada entre as onze horas e meia noite. Eu estava discursando do outro lado da casa.

A frieza dela é chocante — para não dizer questionável. Eu estou boquiaberta com a caneta na mão, tentando raciocinar.

— Você passou uma hora discursando? — indago, cética. — Duvido que tenha conteúdo pra isso.

Ártemis ergue a sobrancelha para a ofensa suave. Por instinto, escorrego a mão livre para apalpar o spray de pimenta.

— É aí que entra a testemunha, Heather. — A garota olha para Cash, rígida em uma postura perfeita. — Você estava lá, Drystan. Deve ter visto o meu discurso, não deve?

Sua pergunta soa mais como uma ameaça. Cash tem os braços cruzados diante do peitoral, o maxilar trincado, olhos firmes na ex-patroa que ele detestava.

— É, certo. Você falou sozinha por praticamente uma hora — cospe ele, a contragosto. — Foi vergonhoso.

Meio encurralada pelo álibi incontestável, eu recorro a Julia com um olhar suplicante. A garota sacode os ombros.

— Ela tinha mesmo mania de discursar. Eu lembro vagamente de ouvi-la no microfone enquanto estava indo para o banheiro.

Um gosto amargo se imprime em minha língua. É raiva, confusão e uma mistura de ambos. Me confunde que Ártemis realmente não pareça ter culpa de nada, sobretudo porque acredito que a deusa grega mataria alguém a sangue frio sem pestanejar, e me irrita que eu tenha omitido de Cash o interrogatório.

Me irritam as possibilidades que sobram com a inocência da deusa grega.

— É conveniente pra cacete, você não concorda? — insisto, por não querer largar o osso sem briga. Ártemis estreita os olhos quando esparramo o corpo no sofá. — O tema da festa, as luvas, você resolvendo discursar justo na última hora de vida da garota assassinada. — Checo minhas unhas, desinteressada. — Muito conveniente, Ártemis.

De novo, minha ânsia por uma confissão cutuca o urso com vara curta. A ousadia que tive com Felix foi imprudente, mas também me resultou na verdade. Eu o pressionei até onde pude, enfiei o dedo na ferida sangrenta, e enxerguei na cara dele o que procurava. Com Ártemis, é mais difícil porque não há ferida nenhuma. Ela não parece lamentar o que aconteceu com Julia, e vai me contar o porquê. Talvez a garota seja apenas uma péssima pessoa, ou uma péssima pessoa com um segredo urgindo para ser revelado. De um jeito ou de outro, um gravador está ligado para registrar qualquer coisa.

— Você tá insinuando que eu encomendei a morte da Julia pra não sujar as minhas próprias mãos?

Sim.

— Estou apontando os fatos. Quem disse o resto foi você. — Ergo as mãos ao lado da cabeça.

Ártemis sorri e se levanta da poltrona. Eu me reteso no assento, preparada para tacar spray de pimenta nela, mas a garota anda para um pequeno bar nos fundos da sala, onde se serve de um líquido âmbar que exala um aroma forte pelo cômodo. Cash e eu trocamos um olhar, paralisados pelo suspense. Ela entorna um gole e se reaproxima com o copo na mão, curvando-se ao meu nível no sofá.

Seu hálito não deixa dúvidas: A deusa grega está bebendo uísque.

— Acha mesmo que eu me uniria ao Felix para matar a Julia? Porque, de acordo com você, foi ele quem drogou as bebidas, certo? — Ártemis sibila, um diabinho cochichando impropérios em meu ouvido. — Se você for uma detetive boa mesmo, deve saber que nós não tínhamos nenhuma afeição um pelo outro para assassinarmos juntos a namorada dele. Resumindo... A sua teoria é uma droga, querida.

Simples assim, Ártemis está certa.

Ela fala da traição nas entrelinhas, orgulhosa por ter me pegado desprevenida em um detalhe que eu não havia notado.

— Talvez a cretinice do Felix tenha sido só mais uma conveniência a seu favor — eu vomito, zangada. — Já falei que não seria a primeira.

— Ah, claro. Uma conveniência. — Ártemis retorna para a poltrona, e se atira nela sem a menor cerimônia. — E por que diabos eu precisaria de tudo isso pra matar a Julia?

Pigarreio, mãos no joelho. O sorriso insolente da deusa grega me desafia a não perder pra ela novamente.

— Porque a sua reputação sempre importou muito pra você. Sua família também é influente, tem um nome a zelar. Se certos segredos se espalham, não seria bom pra ninguém. E ela estava arriscando a saúde do seu grupinho de elite. Julia queria sair, não queria?

A deusa grega alarga o sorriso e suspende seu copo para um brinde. Parece que quem arrancou algo de mim foi ela, e não o contrário, mas minha hipótese ainda não faz o sentido que eu gostaria.

Pela lógica, a tentativa de Ártemis em proteger a sua imagem e o grupo foi um tiro saído pela culatra. A deusa grega precisaria ser burra o bastante para assassinar Julia em uma festa do The Francium na mansão dos Mattingly, associando o mais importante da sua vida a um crime que conquistaria o repúdio da cidade e do estado — e quase tudo por um motivo tão bobo como um beijo em uma viagem de verão.

Ártemis já provou que não é burra. Ela não encomendou a morte de Julia, e sua inocência berra diante da minha ingenuidade.

— Bravo, Heather. Bravo. — A garota aplaude secamente. — Tudo o que disse é verdade, mas, se eu quisesse mesmo calar a Julia, acredite, teria arrumado maneiras muito melhores.

Abro a boca, mas nada é pronunciado. Julia engelha a testa até a raiz do cabelo.

— Nesse caso, estou feliz que morri.

Não há muito mais o que ser dito mediante a declaração de Ártemis. A sua aparente indiferença não se sustenta nos olhos verdes incrivelmente apáticos quando eu pergunto que roupa ela usava na noite da festa, só por puro desencargo de consciência.

Ártemis ainda me lembra de cumprir nosso acordo e nós caminhamos para fora da mansão num silêncio denso, a não ser pela barulheira em minha mente.

O cerco está se fechando. Eu me sinto espremida, sufocada, enquanto uma contagem regressiva corre para o final.

Se Taylor, Felix e Ártemis não mataram Julia, Cash ou Valerie mataram — e eu não tenho a menor ideia em qual deles apostar.

Eu observo o garoto de soslaio conforme atravessamos o jardim de volta ao Strada. A encarada de Ártemis fuzila minhas costas, mas estou focada em Cash, lutando para captar qualquer rachadura numa possível máscara que ele esteja utilizando. Eu não vejo culpa nele, e vejo ainda menos em Valerie — é uma disputa acirrada. Meu envolvimento íntimo no caso finalmente me fodeu de verdade.

Eu não vou conseguir selecionar um suspeito principal entre qualquer um dos dois. Assim, vou ter que desconfiar igualmente.

Agarro o volante com um grunhido profundo contido nas bochechas. O medo de ficar sozinha com um garoto até se ofuscou pela necessidade de gritar frustrações aos céus.

— Bem. Isso foi... rápido — Cash cochicha. — E interessante.

— Ponha interessante nisso — eu reclamo.

— Estou chocado que Ártemis me deixou passar do portão — ele comenta, com um ar de bastante desagrado. — Ela deve estar desesperada para provar sua inocência mesmo.

— Você achou que ela não deixaria? — Franzo o cenho.

Cash chacoalha os ombros.

— Ela já fez bem pior — ele revela, cheio de rancor. — Foi a primeira a dizer pra polícia que eu com certeza tinha algo a ver com o assassinato.

Eu miro a estrada comprida e respiro fundo, mordiscando o lábio superior em um tique nervoso. Julia me fita com seriedade através do reflexo do retrovisor. Ela também sabe que temos nossas alternativas contadas e, a partir de agora, é tudo ou nada.

Cada mínimo passo triplicou de importância. Se eu quiser expor o verdadeiro canalha, cautela é tudo do que não posso mais abdicar.

Estamos à beira do olho de um novo furacão. Mas, dessa vez, nenhuma de nós tem o controle sobre ele.

Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!

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