03. p a s s e i o
Errantes no deserto não conseguimos encontrar o que precisamos
Ficamos um pouco inquietos por causa da procura
Um pouco desgastados entre nós
Como um touro perseguindo um toureiro é homem deixado aos próprios planos
Mas todo mundo precisa de alguém ao lado, brilhando como um farol em meio ao oceano.
Brother • Needtobreathe
Passou-se uma semana desde o surto que Maria Gabriela teve no quarto de seus falecidos amigos. Falecidos, a palavra não parece certa. Nada disso parece certo, aos olhos dela.
— Hora do almoço. — Anunciou a enfermeira, Susie. Ela é atenciosa e amável, feito uma mãezona, mas sempre se irritava com o péssimo humor da Black. — Gabi, você não comeu nada do seu café da manhã, assim não vai conseguir sair daqui forte e saudável.
A paciente com seu longo cabelo castanho no rosto, desalinhados e bagunçados como um ninho, encara com ironia. Desde que deu entrada no hospital, e soube que dois de seus amigos tinham morrido, suas concepções sobre o que queria para o futuro estavam mudando.
Ela estava mudando.
— E quem disse que quero sair daqui forte e saudável? Se quero sair viva?
A senhora de cabelo grisalho e pele plácida suspira, muito e visivelmente chateada, mantendo o olhar. Nos últimos dias, essa era a ladainha que Maria Gabriela fazia para jejuar.
No dia seguinte, quando pudesse voltar para casa, ela sabia que não veria mais sua melhor amiga, uma ouvinte espetacular e sua confidente; e nem seu melhor amigo, um contador de histórias extraordinário feito aqueles de pescador. Ela não os veria amanhã, ou depois de amanhã ou semana que vem.
Eles morreram.
— Então vou deixar aqui caso desista da greve de fome. — Disse a enfermeira, deixando a bandeja de plástico em cima da poltrona e limpou uma sujeirinha imaginária de seu jaleco branco.
Mal saíra do cômodo e um travesseiro foi arremessado ao outro lado.
Ele caíra perto da porta e se espatifou no chão sem barulho algum, ela não desejava atingir a enfermeira, longe disso, a intenção era dissipar boa parte de suas frustrações naquele arremesso. Queria canalizar todo o peso que carregava no coração e jogá-lo longe, assim como Edmundo fez ao receber alta e jogar sua tipoia fora.
Brenda e ele não passaram por lá e tampouco ela pretendeu fazer o mesmo ou recebê-los. As feridas ainda estavam cicatrizando.
— O tempo te fez mal. — Ouve uma voz feminina, Lourenço. Ela se desencosta da porta observando o objeto fofinho amassado no chão, suas mãos são pequenas e macias, elas pegaram e o entregaram à dona que fez pouco caso do ato. — Está até mais agressiva.
— O que tá fazendo aqui?
— Sabe, às vezes me pergunto como eles devem estar... Você entende. — Sussurra se aproximando da cama a passos lentos, seus olhos azuis marejam. — E quando me lembro disso sei que nunca vou superar o que aconteceu.
— Brenda...
— Você acha que eles iam gostar do que está fazendo?! — Interrompe elevando a voz, seu tom sai embargado. — Acha que Daniel e Alana gostariam de te ver definhar e fazer a merda de um jejum?
Ela não respondeu, ficou tão surpresa por vê-la alterada que não conseguiu expressar nada. Brenda nunca levantou a voz a ninguém em toda sua vida, nem aos seus inimigos, que a garota tinha demais.
Maria tenta se aproximar, mas Brenda impede erguendo a mão e usa a outra para limpar os olhos.
— Tenho que ir, meus pais logo vem me buscar. — Lourenço se afasta, contendo ainda sua inexpressividade na face pálida. — Espero que não se esqueça deles, porque eles nunca vão te esquecer.
Maria tentou protestar mais, dizer mais, porém sua voz sumira. Só conseguiu olhar o corpo feminino e magro sair lentamente dali; o travesseiro continuou no chão – no mesmo lugar em que havia jogado – e sua mente dizia que aquilo tinha sido pego e deixado ao seu lado, mas já não importava mais. Nada importava.
"Eles nunca vão te esquecer".
Com uma das mãos ela pegou a bandeja de plástico e despejou a comida pela garganta adentro, segurou o garfo do mesmo material e mastigou os alimentos que Susie havia lhe trazido. Ela viveria por eles, se tornaria forte e sairia dali por eles. Porque é a única coisa que ainda resta fazer.
Quando piscou, tinha se passado o tempo.
— Pode me levar a um lugar primeiro? — Pediu a paciente que há pouco tempo teve alta, Dalilah ergueu a sobrancelha enquanto dirigia. — É naquela pracinha perto de casa.
— Nem pensar. — Diz imediatamente, ela sabia que era o lugar favorito de Daniel. — Você precisa descansar, voltar pra casa e dar um tempo nessa agitação.
— Sabe que sempre fui assim, gostava de sair em festas. Agitação faz parte de mim! Não vai ser por causa disso... — Apontou ao toco de perna. —... Que vou parar.
A caçula bufa contrariada, mas cedeu após ver-se novamente contra parede. Era difícil, praticamente impossível a ela, permanecer séria e convicta quando Maria Gabriela fazia os olhinhos de cachorro abandonado. Em poucos minutos Maria estava na Praça do Amor, também conhecido como Mirante, sentindo a brisa fresca lhe bater no rosto, ela foi deixada sozinha sentada em um banco por pedido próprio, queria tentar fingir que nada tinha mudado.
— Em uma hora volto pra te buscar.
— Certo. — Resmungou.
Como se eu pudesse ir muito longe. Pensou em dizer, mas ficou calada. Com uma das pernas esticadas se espreguiçou no banco de concreto e fitou o céu, está um dia ensolarado belíssimo. Lembrou-se das histórias de Hélio, o deus do sol, que Daniel a contava depois do almoço, ele era um inconveniente que sempre aparecia nesses horários. Seus olhos arderam, contra sua vontade lágrimas desceram por suas bochechas. Dizia a si mesma de que era por conta do calor que ressecou os olhos, mas sabia que o motivo é bem mais fundo.
— Ora, ora... Olha só quem encontrei aqui? — Indaga uma voz familiar, irritante e fina, Brenda. — Não pensei que viesse aqui, também não pensei que eu fosse vir. — Sentou-se, absorvendo da manhã quentinha na pele.
— Senti que devia isso a eles. — Disse baixinho, abaixando o olhar até encontrar somente seus pés calçados numa sandália velha. Foi quando escutou uma risada aguda, Brenda estava gargalhando. — O que você...?
— Acha que a morte de seus amigos foi uma piada? Eles morreram e você vem aqui na pracinha, senta no banco e fica aproveitando o que eles não puderam, acha isso divertido? — Pergunta cessando a feição risonha, as risadas, toda a voz fina e gentil.
— Não... Não, eu não! Só estou tentando me acostumar com tudo isso! — Se defendeu, exasperada, vendo ela se levantar devagar e lhe dar as costas.
— Então não tente. Você não merece ficar bem com isso.
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