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Lucas não se lembrava do tráfego, nem do trajeto, só sabia que chegara ao hospital em tempo recorde. Ele correu até o andar da UTI e foi instruído a aguardar na sala de espera.
Os minutos iam se arrastando enquanto, angustiado, ele tamborilava os dedos entranhados nos cabelos, concentrado no som que o dedilhar produzia em seu couro cabeludo. Seu peito ardia em expectativa. Depois de tantas emoções contraditórias, tudo o que ele precisava era de uma boa notícia.
– Sr. Lucas?
A enfermeira chamou seu nome com uma tranquilidade que o irritou. Ela parecia lenta, tudo parecia lento ao redor, como se ninguém tivesse mais nada a fazer além de fazer tudo muito devagar.
– Estou aqui. – Ele se aproximou rapidamente. A vontade que tinha era de passar por cima dela e correr até o quarto onde Ana estava.
Já esperara demais!
A enfermeira o levou até o corredor. Um médico o acompanhou até o quarto ao mesmo tempo em que explicava o procedimento:
– Os níveis de oxigênio no sangue de Ana atingiram um limiar seguro, então optamos por extubá-la para que possa recuperar a autonomia respiratória. É um teste inicial, ainda não há cem por cento de certeza de que ela reagirá positivamente, mas precisamos dar início ao processo. Estamos otimistas de que tudo dará certo. O pai, Antônio, aguarda para que você também possa acompanhar o procedimento.
Apreensivo e nervoso, Lucas seguiu o médico até o leito de Ana. Estava desesperado para ver aqueles lindos olhos amendoados se abrirem para ele. No quarto, outra enfermeira aguardava ao lado de Antônio, que sorriu largamente quando Lucas chegou. Lucas ficou profundamente agradecido pela atitude do homem.
– Vamos diminuir a sedação agora – sem demora, o médico iniciou o procedimento – o paciente costuma apresentar desorientação durante o processo, principalmente depois de um trauma agudo como o que ela viveu. É importante ter alguém conhecido por perto. Quem ficará junto com ela?
Lucas e Antônio se olharam, então Antônio deu um passo para o lado, abrindo caminho para Lucas, que até pensou em recuar, mas não conseguiu. Agradecido, ele se aproximou e segurou a mão de Ana. Os dedos estavam frios e ele sentiu o peito apertar ainda mais, como se fosse possível.
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A primeira coisa que Ana sentiu ao recobrar a consciência, foi a dor na garganta. Parecia que tinha engolido um cabo de vassouras cheio de farpas. Depois veio o mal-estar súbito e a taquicardia. Com a mente confusa e uma necessidade de se soltar de alguma prisão invisível, começou a se debater em angústia. Ela sentiu mãos segurando-a pelos braços, o que aumentou ainda mais o seu tormento, até que uma voz, muito querida, perfurou a névoa do seu caos mental.
– Ana, minha sereia... Eu estou aqui.
"Lucas..."
Ao ouvir o som da voz, sua respiração ficou irregular e dificultosa, e a ansiedade se acentuou. Ela sentiu algo tocando seu rosto, cobrindo a boca e o nariz, e isso facilitou o fluxo de ar. Procurou pela voz sem saber de onde vinha; estariam no barco? Na praia? Lucas finalmente a encontrara?
Até que ela entendeu que precisava abrir os olhos, e ela o fez lentamente, sentindo as vistas arderem com a claridade.
Ao seu lado, curvado sobre seu corpo, a silhueta de Lucas surgia recortada pela luz de uma luminária no teto. Não era possível ver muito bem o seu rosto, mas dava para perceber que ele tinha o cabelo mais comprido do que o normal, como quem havia se esquecido de cortar, e obviamente, completamente despenteado.
– Playboy... – a voz saiu num sibilo.
– Estou aqui. Fica calma, minha sereia... – Ele murmurava enquanto levava a mão dela até os lábios, beijando os dedos gelados.
Ela demorou um tempo para focalizar, até que finalmente o enxergou. Ele estava mesmo ali, ao seu lado, com o rosto pálido, as olheiras, os olhos verdes, profundos e vermelhos pelo cansaço ou pelas lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. De alguma forma, seu corpo cheio de medicamentos encontrou um jeito de reagir, e se sentiu aquecida, numa febre que começava em seu peito e se espalhava por todas as terminações do seu corpo, como um calor de alegria e gratidão, um sentimento de vida correndo pelas veias.
Lucas acompanhava o despertar de Ana com profunda emoção. Ele notou quando a confusão dos olhos amendoados deu lugar à compreensão e, finalmente, ao alívio, e esse alívio se refletiu nele, por entender que ela estava consciente de sua presença e, apesar de cheia de marcas, feridas e hematomas, não o rechaçava nem o rejeitava.
– Você tomou um belo de um tombo – Lucas brincou com ela, o que a fez querer rir, sem sucesso – eu... Eu sinto muito. Sinto que você tenha passado por tudo isso. Eu não sei se um dia vou conseguir me perdoar, mas se você puder...
Ana ergueu a mão e tocou-o nos lábios, silenciando-o. Ele segurou sua mão e beijou a ponta dos seus dedos.
– Shhh... – Ana tentou formular palavras, mas não conseguiu pronunciá-las.
– Filha... – Antônio se aproximou.
– Pai... – Ana sorriu, mas o sorriso deu lugar a um semblante triste.
– Ana, você é extraordinária! Olha pelo que você passou, e está aqui... – Antônio escondeu uma lágrima.
Ela apenas ensaiou um novo sorriso. Sua boca rachada ardia e tentar falar era extenuante. Seus olhos não permaneciam abertos, e seu peito ardia com a tentativa de puxar o ar, bem como as costas, como se os pulmões ainda estivessem cheios de água salgada.
– Você devia ter ouvido o seu pai quando mandou que ficasse longe de mim. – Lucas gracejou, com um sorriso triste. Acariciou o rosto delicado com a ponta dos dedos e com a outra mão, segurava sua palma. A vontade de pegá-la no colo e afastá-la daquele quadro angustiante era imensa, e ele se esforçou muito para não desabar por vê-la tão debilitada.
– Lucas... Eu, tenho um... Aqui... – Ela se lembrou de algo e se esforçava para falar. Levou a mão ao próprio ventre e buscou os olhos dele, temerosa.
– Está tudo bem com o bebê – Ele respondeu, uma lágrima escapou e correu por seu rosto.
Ana sentiu os olhos molhados também, profundamente aliviada.
– Eu ia contar...
Assim como ela, Lucas não conseguia falar, mas o motivo era outro. Cansado de se conter, ele colou a testa à dela, e suas lágrimas se misturam. Ele sentia o corpo chacoalhar com os soluços e nem percebeu quando Antônio deixou o quarto, bem como o médico e a enfermeira, a fim de lhes dar privacidade. Depois de alguns minutos, um pouco mais calmo, Lucas encontrou a voz.
– "Eu estou grávida". Era isso que você deveria ter dito, por todas as vezes, antes mesmo do meu nome, antes dos duzentos "precisamos conversar" ou "tenho algo a te dizer". Era simples, rápido e certeiro. Por que não disse?
Sim. Ele estava reclamando. Por quê? Porque era o que fazia quando não sabia como agir, quando os sentimentos se confundiam dentro dele a ponto de emaranhar suas prioridades. Era a baderna que ela fazia em seu interior, que o transformava em outra pessoa, não pior ou melhor, mas diferente, porque desde que ela entrara ali, nada nunca mais foi como antes.
– Desculpe...
– Está fazendo isso de novo...
Ana se deteve, e a avalanche de lembranças de tudo o que tinham vivido até ali a atingiu em cheio no peito, trazendo uma nova onda de lágrimas. Agora era ela quem soluçava.
– Ei... Calma, vai ficar tudo bem!
– Eu... Tenho medo – sua voz era quase um ruído sem som, e Lucas ficou preocupado com o cansaço que ela aparentava.
– Eu sei, meu amor. Eu sei, não se preocupe em falar. Sabe, eu vi... Eles fizeram um exame que dava para ver o bebê. É bem pequeno, não tem nada, só uma bolinha torta, mas eu acho que se parece com você...
Ana conseguiu fazer um ruído parecido com uma risada.
– E eu ouvi também, o coração, tão rápido e forte... – Lucas engoliu o bolo que se formava em sua garganta antes de continuar – como você, meu amor.
– Eu...
– Ana, eu quase perdi você... Vocês. Eu não sei o que eu faria...
Ana sentiu o cansaço aumentando, bem como o mal-estar e uma dor peculiar na perna.
– Não tô bem... – ela conseguiu pronunciar sua primeira frase inteira, e recostou no travesseiro, fechando os olhos. No mesmo instante ,Lucas chamou a enfermeira.
– Deixe-a repousar. Os pulmões estão se adaptando ao fluxo de ar. Ela precisa curar muitas coisas no corpo.
– Eu posso ficar aqui com ela?
A enfermeira olhou para os lados, depois se aproximou e falou baixinho de modo que só ele pôde ouvir.
– Teoricamente não. Você só poderia acompanhá-la se ela estivesse no quarto, mas posso dizer que você é da polícia, apenas por uma noite.
Ele sorriu e agradeceu. As pessoas do hospital tinham sido excepcionalmente bondosas com ele. Segurando a mão de Ana, ele a contemplou enquanto dormia.
A saudade e o medo que faziam seu corpo doer foram se desprendendo aos poucos, então ele se inclinou e repousou a cabeça na cama. Poucos minutos depois, adormeceu sentado ao lado dela enquanto segurava sua mão.
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