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8 - Torrencial

Ana não reagiu a princípio, paralisada pelo choque a partir do momento em que os lábios se tocaram. Sentiu os dedos dele em sua nuca, emaranhando-se em seus cabelos, e a boca que buscava a sua de maneira nada gentil... e então se entregou. O corpo derreteu como manteiga, o coração martelou descontrolado e o ar se tornou raro. Ergueu os braços e o enlaçou pela cintura, fazendo seu corpo se colar ao dele.

Percebendo a entrega dela, Lucas escorregou as mãos do pescoço para as costas e a estreitou ainda mais em seu abraço, fazendo-a perceber o calor e volume do seu corpo rígido. Ela entreabriu os lábios e permitiu que as línguas se tocassem, e quando isso aconteceu, ele sentiu o corpo inteiro vibrar em expectativa.

Que loucura!

O cheiro avanilado, primitivo e feminino arrancou um gemido dos seus lábios, um aroma que ficava mais evidente por causa da pele molhada. Foi então que ele notou o quanto estavam encharcados por conta da chuva torrencial que caía. Ao senti-la com a roupa colada ao corpo, uma reação dolorosa abaixo da cintura o puxou de volta à realidade.

Eles sequer tinham percebido como a chuva havia apertado. Lucas sentiu o gosto levemente salgado da água que escorria pelo rosto dela e se esforçou muito, muito mesmo, para separar suas bocas. Um fio de saliva persistiu conectando os lábios, até que uma gota de chuva o rompeu.

"Que merda você acha que está fazendo?"

Ele tentou articular alguma frase, mas não se lembrava de nenhuma palavra. O coração batia forte, fazendo o sangue ribombar em seus ouvidos e martelar em sua virilha.

"Diga alguma coisa, Lucas! Vamos, deixe de ser idiota!"

Ofegante, ela o encarava de volta com os lábios ainda abertos, levemente inchados pela força do beijo. Os cílios sustentavam minúsculas gotas de água, e os longos cabelos ondulados e molhados pesavam sobre os braços que ainda a mantinham cativa. Foi quase impossível não voltar a beijá-la.

– Ana... eu...

– Me desculpe... – ela articulou sem saber por que pretendia se desculpar, e então teve a reação mais infantil que se poderia pensar.

Ela se desvencilhou dele e saiu correndo.

Enquanto corria, sentia a chuva golpeando o seu rosto. Era uma sensação boa, como se pudesse lavar o que acabara de acontecer, aliviando sua febre. O barulho das ondas açoitadas pelo temporal ensurdecia a confusão dos seus pensamentos, prorrogando para mais tarde qualquer resolução sobre o beijo e tudo o mais.

Em apenas dez minutos, ela percorreu todo o trajeto até a pousada. Esbaforida, entrou e deixou a porta destrancada, depois seguiu direto para o próprio quarto.

– Ana? – Seu pai a chamou, meio sonolento.

– Tudo bem, pai. Volte a dormir — ela o tranquilizou antes de entrar no banheiro.

No chuveiro, sentiu a água morna aliviar a tensão. Tocou os lábios que pareciam ter sido impressos com a marca dos lábios de Lucas.

Nunca tinha sido beijada assim.

Enquanto a água escorria por seu corpo, uma melancolia estranha a envolveu, uma espécie de urgência, de ansiedade que a fazia querer voltar para a chuva e para os braços dele. Confusa, teve medo do que o beijo a fez sentir e, na verdade, não tinha ideia do que estava sentindo ou desejando. Ela não era o tipo de pessoa que ficaria magoada por um beijo roubado. Isso já tinha acontecido antes e tudo não havia passado de uma brincadeira. Mas esse beijo... não tinha sido uma brincadeira. Não só o seu beijo, mas sua alma também parecia ter sido roubada.

Lucas a viu correndo e nem tentou alcançá-la. A atitude dela soou como um alerta, afinal, ele sequer sabia a idade dela. E se tivesse forçado uma intimidade com uma garota menor de idade?

Ele era um agente da Lei e, porra! Onde estava com a cabeça?

Não conseguia entender o que o levara a beijá-la, mas não estava em condições de especular o motivo agora, já que o sangue ainda não tinha voltado para o cérebro. Só sabia que havia sido algo tão natural, tão tentador, tão... enfim, ainda sentia o aroma dela mesmo com toda a chuva que caía, e o gosto, ah... que gosto ela tinha!

Inferno! Estava ficando louco? Inconformado consigo mesmo, voltou a caminhar em direção à pousada, sentindo a chuva e permitindo que a água ajudasse a esfriar as coisas. Aos poucos, as emoções foram se estabilizando e ele pôde pensar melhor sobre o ocorrido.

Que idiota! O que estava pensando? Na verdade, não estava pensando. Estava reativo, cansado, confuso e aborrecido. Tudo, menos pensando. Pensar tinha se tornado o evento do ano! O beijo tinha sido totalmente errado, imprudente, inconveniente, completamente desnecessário.

E gostoso pra caralho...

Talvez fosse melhor ir embora para outra pousada, para outro lugar longe das distrações... e dela.

Pensar nisso fez seu peito se contrair de forma estranha. Não gostou da sensação. Não gostou de não gostar da sensação. Se forçou a pensar em Alice e nos próximos passos da investigação, mas a imagem da ex-esposa foi se confundindo, os cabelos ondulavam e a boca se curvava num sorriso sedutor.

Que absurdo! Ele realmente devia estar surtado! Era a única explicação para um comportamento tão sem-noção!

Quando finalmente se aproximou da faixa de areia em frente à pousada, já estava clareando. A chuva ia passando e um arco-íris surgia no céu alaranjado pelo prenúncio do amanhecer. Mais uma das muitas visões deslumbrantes que o vinham presenteando ultimamente: o amanhecer, o anoitecer, a crista da onda... e a pele morena.

Definitivamente, ele precisava ir embora.

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