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79 - Recomeço

Uma semana se passou, e Ana permaneceu na UTI. Lucas precisou voltar ao trabalho, por esse motivo não pôde ficar o tempo todo no hospital. Durante o período em que Ana esteve internada, o caso de Alice foi reaberto. Diego voltou a depor, sua declaração corroborou a versão de Garcia acerca dos fatos, e todos os envolvidos foram finalmente acusados.

Lucas vendeu o barco e resolveu colocar a casa do condomínio à venda, por entender que precisava recomeçar, em todos os sentidos. Esperava que, quando Ana voltasse à consciência, pudessem juntos escolher outro local, ainda que não tivessem decidido qualquer coisa acerca do futuro.

Ele não conseguia conceber a possibilidade de ficar longe de Ana, por isso decidiu que não faria nenhum plano sem a participação dela. Sua intenção era trazê-la para sua vida de qualquer jeito, nem que tivesse que usar o próprio filho como argumento.

Pablo estava desaparecido. Lucas até buscou mais informações sobre ele, mas o rapaz sumira do mapa, e tudo acerca dele corria sob segredo de justiça. Lucas estava curioso com o desfecho, mas não insistiu mais no assunto.

O escritório da Donatore, onde Ana trabalhava, foi fechado. Larissa e Carla, bem como os demais funcionários, foram devidamente indenizados. Mesmo com o rompimento do vínculo, as garotas faziam visitas periódicas para acompanhar a evolução do quadro de Ana, e Lucas entendeu que aquelas amizades permaneceriam na vida dela por um longo tempo.

Nos dias que se seguiram, Lucas procurou manter a mente e o corpo em atividade. Ele aceitou que não adiantava tentar fazer as coisas acontecerem com a força do pensamento.

A terapia obrigatória vinha ajudando com isso; ele podia falar qualquer coisa para o Dr. Joaquim sem ser julgado, e estava um pouco mais aberto em aprender a gerenciar a culpa. Ainda que se sentisse frágil emocionalmente, buscava manter a mente otimista.

Todavia, ele sabia que tudo ia depender da reação de Ana quando finalmente acordasse, e temia, pois, as coisas entre eles já andavam estranhas antes de todos aqueles acontecimentos. A desconfiança, a impaciência e a falta de transparência haviam marcado os últimos dias da relação e, ainda que Lucas reconhecesse a responsabilidade por tudo o que dera errado, ainda havia uma réstia de mágoa por Ana ter escondido a gravidez.

Por várias vezes ele se pegou simulando como seria se Ana tivesse dado a notícia num momento oportuno, como no barco, ou nas poucas noites que desfrutaram depois. Ele teria ficado exultante, assustado, obviamente, mas muito feliz, e eles teriam comemorado juntos.

Se é que ela estava feliz com o fato. Ele não queria pensar nisso agora, principalmente porque já estava se acostumando com a ideia de ser pai, ainda que a palavrinha de três letras causasse um incômodo bem estranho em sua barriga.

Quando a angústia se tornava muito forte, ou quando o medo ameaçava tragá-lo para um novo ciclo de autocomiseração e culpa, Lucas ia para a pousada e ficava lá com Antônio. Algumas vezes, tentou surfar, e nesses períodos era como se Ana estivesse ali com ele; isso trazia um acalento para sua alma e um desgaste para o corpo que o ajudava a dormir à noite.

Os pesadelos cessaram. Lucas não teve mais nenhum evento emocional significativo, salvo uma ou outra noite em que acordou com o rosto molhado por lágrimas de saudade. Mas isso era esperado, totalmente normal, embora ele não fosse confessar isso a ninguém, nem ao Dr. Joaquim.

O quadro de saúde de Ana permaneceu sem muita variação. O corpo respondeu aos antibióticos e o bebê parecia bem. De acordo com os exames, o feto seguia crescendo dentro da normalidade, o que chocou boa parte da equipe médica. Isso enchia Lucas de esperança, principalmente quando se lembrava das palavras de Antônio quando dizia que Ana era uma guerreira, e de fato, ela era.

– Você vai ficar na pousada? – Antônio questionava enquanto se preparava para deixar a recepção aos cuidados da atendente. Ele tinha planos de dar uma passada no hospital.

– Daqui a pouco vou pra delegacia e não sei que horas saio de lá. Estamos com falta de pessoal, já que perdemos cinco agentes que ainda não foram repostos.

Além de Garcia, as investigações e depoimentos levaram à prisão de mais quatro comparsas na operação de tráfico e lavagem de dinheiro. A coisa ficou feia na DP, até policiais que não estavam envolvidos foram suspensos por um período de tempo.

– Quando chegar lá eu ligo para te atualizar.

– Tranquilo.

Lucas saiu da pousada e caminhou até o calçadão. O pôr do sol lançava luz e cores por todo o firmamento, e as águas, meio negras meio incandescentes, davam a impressão de estarem em chamas. Ele caminhou por mais alguns metros, sentindo a areia morna sob os pés descalços, até que uma onda pequena lhe atingiu os tornozelos. Mais alguns metros para o norte, ele se deteve, e permaneceu ali por um tempo.

Era exatamente o local onde o corpo de Alice fora encontrado. Esse era o motivo Lucas voltar àquela praia e caminhar pelos mesmos lugares, em constante busca. Antes ele lamentava, agora nem tanto. Sete meses havia se passado desde o falecimento de Alice, e Lucas achava irônico estar exatamente no mesmo lugar.

O que não queria dizer que ele não saíra do lugar, em absoluto. Ele havia mudado, e ainda que jamais deixasse de lamentar a morte da esposa, ficava menos difícil a cada dia; ter pessoas como Ana e Antônio por perto tornava tudo mais suportável.

Parado no mesmo lugar onde tudo terminara e começara, ele se sentiu privilegiado como nunca antes. Jamais poderia imaginar que essa tragédia o levaria até a pousada, e consequentemente, até Ana, e essa era a parte mais surpreendente de tudo, como se Alice tivesse chegado até ali, só para que ele tivesse a chance de um recomeço.

Mas é claro que isso era coisa da sua cabeça. Só podia ser.

Enquanto pensava nessas coisas, sentiu o aparelho vibrar no bolso de trás da bermuda.

– Alô, Antônio?

– Lucas, você pode vir pra cá, agora?

– Aconteceu alguma coisa? – Lucas sentiu a ansiedade como uma bola de fogo no estômago.

– Venha rápido. Eles vão diminuir a sedação e tirar a Ana do respirador.

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