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Ao perceber que o depoimento terminava, Lucas foi até a perícia conversar com Lívia.
– Oi Lucas, como ela está? – A pergunta foi feita com preocupação sincera.
– Está inconsciente. Estão cuidando dela da melhor forma que podem... – Lucas sentiu a garganta fechar novamente.
– Eu soube que o Diego foi operado, mas ainda não recobrou a consciência...
– Eu quero que o Diego se foda! – Lucas suprimiu o ódio. Eram muitos sentimentos para gerenciar no momento.
– Alencar rejeitou o seu relatório. Ele disse que tem muita interferência emocional e que você precisa reescrevê-lo. Você precisa deixar de lado os sentimentos e contar a forma como tudo ocorreu de modo objetivo, Lucas. Não pode dar a entender que o tiro partiu do fuzil por uma questão passional. Alencar declarou no relatório dele que você só atirou porque Diego tinha a intenção de matar a Ana, mas os demais membros da operação disseram ter tido a impressão de que você atirou antes de ele soltá-la, e isso colocaria a vida dela em um risco muito maior do que se ele apenas a tivesse jogado no mar.
– Eu jamais faria qualquer coisa para colocar a vida dela em risco, Lívia. Você me conhece e sabe disso.
Mas o que Lívia não sabia era que, dessa vez, ele tinha realmente atirado para matar. Ele estava certo de ter agido apenas depois que Diego soltou Ana, e no segundo antes dela atingir a água, Lucas mirou no quadrante mais importante e vital, a área do tórax onde o coração e o pulmão se sobrepõem. Se o helicóptero não tivesse dado um solavanco no momento em que Lucas acionou o gatilho, o projétil teria chegado ao destino.
Alencar sabia disso, e tinha ciência de que fariam perguntas, principalmente se Diego não recobrasse os sentidos. A corregedoria estava questionando a estabilidade de Lucas, o fato de ele estar envolvido em duas questões tão pessoais em tão pouco tempo complicava ainda mais a situação.
– Lucas, não deixe que isso vire uma bola de neve dessa vez, ok? Nós estamos aqui. Eu estou aqui, se você precisar.
Todos tinham dito a mesma coisa quando Alice morreu. Todos se colocaram ao lado dele antes de isolá-lo e minar sua autonomia e confiança até que restasse um desequilibrado sem noção que ninguém estava disposto a ouvir. Ele nunca mais permitiria que isso acontecesse de novo, e se fazer um relatório cheio de mi-mi-mis sucintos ajudasse, então que se dane, ele o faria novamente.
Lívia observava o conflito de Lucas. Por mais que o tempo tivesse passado, mesmo depois de um casamento e nesse momento, quando ele temia pela vida de outra mulher, ela não conseguia suprimir o que sentia por ele e sofria em silêncio, acalentando as sensações despertadas pelas lembranças das noites quentes que compartilharam no passado. Ela já havia aceitado que não havia possibilidade de esperar qualquer retorno, ainda que ínfimo, por parte dele. Depois de tê-lo visto no hospital, o estado em que ele estava, o desespero e o medo em seus olhos, nem mesmo quando Alice estava desaparecida, Lívia presenciara tal aflição em seu parceiro. Tudo isso confirmava que Lucas estava indubitavelmente entregue àquela mulher, e Lívia, definitivamente ferrada por causa disso.
– Você sabe o que aconteceu com o Pablo? Soube que ele foi trazido para cá depois do resgate para ser autuado, mas vi que ele não está mais sob custódia.
– Ele foi transferido. Ontem mesmo. Ele prestou depoimento e então um policial federal chegou e o levou embora, algemado. A gente não sabe mais nada a partir daí. Talvez Alencar saiba.
Apesar de tudo o que o rapaz tinha causado, Lucas ainda mantinha uma ponta de simpatia por Pablo por ter cooperado com o resgate e por ter tentado proteger Ana de toda aquela confusão. Ele não podia negar o fato de que, se Pablo não tivesse interferido, talvez Ana ainda estivesse desaparecida ou algo pior poderia ter acontecido. Lucas esperava que o rapaz recebesse o que merecia, mas não através do tribunal do crime. Quem sabe os talentos dele pudessem ser aproveitados de forma diferente? Talvez segundas chances não fossem algo tão intangível afinal.
– Eu vou refazer o relatório, ok? Diz pro Alencar me manter informado da busca por Garcia, e... Obrigado. Obrigado por tudo. – Ele a tocou no ombro com carinho.
Depois disso, Lucas finalmente voltou para o hospital, e para sua surpresa, sua mãe e seus irmãos o aguardavam.
– Filho! – Helena foi ao encontro e o envolveu em um abraço apertado.
Definitivamente, tudo estava conspirando para que ele fizesse o papel de bebê chorão.
– Mãe, Edu, Luís, Leo... O que estão fazendo aqui?
– Você tem um jeito estranho de reunir a família – Leonardo respondeu. Ele sempre foi a alma leve da casa.
Eduardo apenas colocou a mão no ombro de Lucas, buscando transmitir afeto. Tratando-se dele, esse era um gesto extremo. Diagnosticado com Asperger, o contato físico vindo dele era algo raro, exceto quando precisava tocar nos pacientes para realizar exames, pois nesses casos o toque tinha um objetivo específico, uma função prática. Já o carinho não era algo necessário, pelo menos não para Eduardo.
Luís se aproximou e abraçou o irmão de forma calorosa. O rapaz expressava uma grande preocupação por Lucas estar passando por questões tão difíceis novamente. Faz pouco tempo que tinha enterrado a esposa, agora sofria com o quadro delicado de Ana.
– Não se preocupe, Luís. Vai ficar tudo bem – Lucas se viu tranquilizando o irmão quando na verdade ele deveria estar sendo tranquilizado, mas era o que Lucas fazia, e o que havia feito a vida inteira. Ele subia no topo do guarda-chuvas e tentava proteger a todos do temporal.
Lucas apresentou a família a Antônio e Catarina, depois relatou os últimos acontecimentos e atualizou a todos sobre o quadro clínico de Ana. Por alguma razão, não conseguiu mencionar a gravidez. Antônio percebeu e respeitou a decisão de Lucas, talvez fosse mais prudente aguardar antes de espalhar a notícia.
– Me diga que você não está se culpando por essa tragédia também – Helena o abordou com os mesmos olhos de águia que Lucas usava para ler pessoas.
– Mãe... Não quero falar sobre o que estou sentindo agora – dentro de sua cabeça, uma imagem ridícula se formava: de um lado Helena, do outro o Dr. Joaquim, ambos falando e falando sem parar sobre como ele deveria se sentir, e ele estava exausto de tudo isso. Ele se sentiu mal por colocar a mãe na mesma sala do terapeuta, e a abraçou apertado, tentando conter as perguntas dela dentro dela mesma por um tempo.
Helena entendeu o recado e não falou mais nada, só o manteve por perto e fez o que devia fazer, ficou ali sendo apenas mãe porque isso era tudo o que ele precisava agora.
No fim do dia, Larissa e Carla foram até o hospital para se informarem sobre o quadro de Ana. Lucas achou interessante como Ana havia realmente conquistado aquelas pessoas. Num bate-papo rápido, ele soube que o namorado de Carla trabalhava no hospital; foi ele quem viu Ana no dia do sequestro e comentou o fato com Carla. Então, Larissa contou sobre a gravidez, o que levou Pablo a se manifestar.
No fim, tudo acabou acontecendo de um jeito que parecia ter sido desenhado para acontecer. Helena dançaria uma salsa se lesse seus pensamentos agora.
– Lucas... – Larissa aproveitou que Carla havia se afastado e abordou Lucas.
– Oi Larissa.
Ela percebeu o olhar penetrante de Lucas e sentiu o rosto corar. Desta vez, ele estava prestando atenção nela, diferente da noite anterior, quando parecia completamente alucinado à espera de notícias de Ana. Ele sustentava o olhar e isso não o incomodava, ao contrário das pessoas em geral, que desviam o olhar quando os olhos se encontram.
Deve ser algo de investigador, pensou ela, um jeito de tentar adivinhar o que se passa na cabeça das pessoas. Ela ficou imaginando se ele tinha como saber as coisas que ela fantasiava todas as vezes que ele aparecia na Donatore. Tentando preservar a dignidade que lhe restava, ela preferiu pensar que isso seria absurdamente improvável.
"Estúpida, o cara é da polícia, deve ter sua ficha e a de todo mundo pendurada na porta da geladeira..."
– Eu só queria que você soubesse que nós não imaginávamos que Ana poderia estar correndo algum tipo de risco – ela murmurou.
– Eu sei disso, – ele tinha um sorriso triste nos lábios – me desculpe por não ter ido a nenhum encontro com vocês. Agora você deve imaginar o porquê de tudo.
– Que loucura... – ela ficou sem graça, e resolveu arriscar – você sabe se está tudo bem com... você sabe...
– Está tudo bem – ele sabia que ela se referia ao bebê – eu não entendo por que ela contou pra você antes de... Ela poderia ter me... Enfim, vocês realmente devem ser muito amigas.
Lucas sentiu o sabor azedo da insegurança fazer o caminho estômago até a boca. Ana contara sobre a gravidez para uma amiga antes mesmo de deixá-lo saber. Nem ao menos ao pai ela havia contado.
– Ela não teve escolha – Larissa entendia a angústia de Lucas – ela chegou tão abalada no trabalho que eu tive que interferir, e eu posso ser muito convincente, sabe? Mas ela não queria contar para ninguém antes de falar com você.
– Ela estava abalada, tipo... Triste ou decepcionada? – Mais um ponto pra insegurança.
– Não do jeito que você deve estar pensando. Ela estava muito assustada, preocupada, principalmente com a sua reação.
Lucas se calou. Era óbvio, ela tinha todos os motivos do mundo para temer uma reação sem noção por parte dele. Ana praticamente só conhecera o Lucas revoltado, desconfiado e zangado. Ela teve que aguentar um comportamento horrível por parte dele quando o relacionamento ainda tinha a fragilidade do início, e foi obrigada a ouvir os absurdos que ele despejou sobre ela nos momentos em que a insegurança suplantava a razão.
Mesmo assim, ela não o deixou. Ela ficou, mas teve medo, e isso era mais uma prova de que eles tinham muito a aprender um sobre o outro, e de que ele estava longe de merecê-la.
– Quando foi isso? – ele perguntou, chateado.
– Há mais ou menos uma semana.
– Uma semana...
Ele relembrou o comportamento estranho dela, o distanciamento, o mau humor e as sessões intermináveis de vômito. Em contrapartida, o ganho de peso, a exuberância dos seios avolumados, a aura cheia de luz e energia. Ele conhecia o corpo dela e, porra! Deveria ter notado que ela não menstruava há um bom tempo!
Desconfiara que ela escondia algo, e ele achando que eram apenas os bilhetes. Mais uma vez, lembrou-se de como invadiu o quarto e a acusou, depois a abandonou sozinha enquanto ela tentava conversar com ele. Como pôde ser tão canalha? Como sempre, em tudo o que dizia respeito a Ana, ele sempre agia como um completo estúpido.
– Obrigado, Larissa, por ser a amiga que ela precisou.
Depois de um certo tempo, Catarina, a família de Lucas e as amigas de Ana foram embora, restando apenas Lucas e Antônio.
– Muito bem, rapaz. Agora que estamos só nós dois aqui, sobre o que você quer conversar?
Bem, ao menos Antônio não era o Dr. Joaquim.
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