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65 - Tubarões

Atenção. Nesse capítulo há descrição de violência e insinuação ao estupro. O conteúdo é apenas para retratar uma situação, não tem a intenção de apoiar ou usar o ato para entreter.  Se o conteúdo te incomodar de alguma maneira me deixe saber nos comentários, ok? 

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– O que você vai fazer comigo?

A voz de Ana saiu arranhada. Ela sentia dificuldades para falar por causa da sede e da falta de ar, e fraqueza por ter passado a noite no chão da cabine, sem se alimentar e com alguns poucos goles de água que Diego, cruelmente, despejava sobre seu rosto. As dores por todo o corpo inibiam seus movimentos já praticamente impossíveis devido às mãos presas às costas.

Diego ia e vinha do convés à cabine como quem esperava por instruções. Isso fez Ana perceber que ele não era o Manda-Chuva ali.

– Tenho algumas ideias... – Diego se agachou e puxou rudemente sua blusa até rasgá-la, revelando os seios livres de sutiã – Olha! Vem com presentinhos... – ele desdenhou, depois se aproximou e passou a língua no vão entre os seios. O gesto enojou Ana a tal ponto que ela só não vomitou nele porque não tinha nada no estômago.

– Foi assim que você a tratou? – Ana encontrou coragem para perguntar.

– Ah, então você está com ciúmes? Russo foi logo contando da ex para você, não é? Alice era foda, mas eu não a tratava assim. Não, claro que não. Já você, merece um tratamento VIP, é bem mais gostosa do que ela! Fico imaginando o que Russo pensaria se soubesse que você ficou com ciuminho da Alice. Mas não fica grilada, eu tenho algo especial para você.

Diego a levantou do chão pelos cabelos. O corpo exposto e molhado de suor o excitou. Lascivo, agarrou um dos seios de modo rude, fazendo-a gritar de dor, e apertou ainda mais quando percebeu que lágrimas brotavam nos olhos dela na medida que a dor da mama sensibilizada por causa da gravidez se intensificava.

Ana tentou se afastar do toque contorcendo o corpo, e entrou em pânico - se é que já não estava em pânico - com a possibilidade de ele violá-la. O bebê veio à mente, Lucas, Antônio, todos eles ali com ela num momento tão vergonhoso e aterrorizante.

Ela não saberia descrever o que sentiu quando ele puxou cruelmente um dos piercings. Além do seio, o couro cabeludo dela parecia que ia se soltar do crânio com a força com a qual ele puxava os cabelos, e ele não apertava apenas a mama, mas os braços, e a pressão era tanta que ela tinha certeza de que ele a estava marcando por alguma razão bizarra.

– Quero que o Russo veja isso. Quero que ele saiba que eu estive aqui e que essa seja sua última visão antes de morrer. Estou em dúvida se deixo você vê-lo morrer ou o contrário. O que sugere?

Eis a razão bizarra.

Claramente ela não respondeu, apenas mordeu os lábios para conter os soluços de dor. Ele se deliciou com seu sofrimento e voltou a deslizar as mãos por seu corpo com brutalidade.

Quando ela pensou que ele iria mesmo até o fim com aquilo, se perguntou como as pessoas faziam para isolar o corpo da mente, como já ouvira uma vez alguém dizer, que vítimas de estupro e de abuso costumam sair do estado de consciência e se abrigar no quarto ao lado dentro da própria mente. Todavia, ela não sabia como se dissociar de si mesma, nunca aprendera a se fragmentar, e perdeu um tempo pensando nesse assunto, se concentrando nessa única informação enquanto Diego a tocava, sem perceber que estava fazendo exatamente isso.

Quando Diego chegou ao fecho de sua calça, o telefone vibrou, e irritado com a interrupção, ele a soltou de uma vez. Sem os braços para se apoiar ou se equilibrar, Ana caiu com um dos joelhos sobre a quina do degrau da cabine. A dor aguda começou na patela, se espalhou pela coxa e desceu pela panturrilha até a ponta dos pés, fazendo-a gritar.

– O que é? – Diego se virou para atender. Ana sentiu-se zonza, a vista escureceu e ela pensou que ia desfalecer, mas para o próprio desespero, continuou consciente. Viu Diego ao telefone, reclamando, depois gritando como se não pudesse mais ouvir o interlocutor. Tentou esticar a perna, mas um puxão insuportável confirmou a lesão no joelho. Ela olhou o próprio seio sangrando e ficou aliviada por Diego não ter arrancado o mamilo pela violência aplicada.

Diego estava de costas para ela, furioso. Ela observou as escadas da cabine e imaginou o mar, a alguns degraus de distância, talvez três passos do convés, e pensou que se não estivesse amarrada e machucada, seria louca a ponto de pular para se salvar. Mas daí, nadaria em qual direção? Era um pensamento inútil, mas tentador se considerasse os possíveis e aterrorizantes desfechos desse sequestro.

O vento aumentava e o barco sacolejava intensamente, piorando ainda mais seu mal-estar. Ela viu Diego andando de um lado pro outro com os olhos fixos na tela do aparelho e concluiu que ele estava sem sinal, e sua esperança oscilou. Talvez ninguém viesse em seu socorro, talvez os planos daquelas pessoas tivessem dado errado, e ela não queria pensar na possibilidade de Lucas ter sido neutralizado.

Neutralizado. Ela pensou um pouco na palavra e na ironia de achar que um eufemismo diminuiria o impacto da realidade. Ana achava que Lucas estava bem, só porque era mais fácil pensar assim, ou talvez fosse algo metafísico, alguma conexão psíquica que permitia a ela ter essa percepção. O pensamento parecia inútil e infantil, mas ela se apegou a ele, porque não podia lidar com o fato de que, talvez, ele estivesse ferido o coisa pior. Não, definitivamente ela não podia.

Agarrada a essa esperança, ela se concentrou em ignorar as dores, sobrepor o mal-estar e dispensar energia para as partes do corpo que estavam feridas. Com o pensamento em Lucas, no pai, em Larissa e Pablo, ela fechou os olhos e regulou a respiração, tentando manter a coerência. Não iria dar uma de histérica nem se entregar tão facilmente, só precisava se acalmar e esperar um pouco mais.

Lucas fez o retorno e seguiu rumo à Delegacia de Polícia. No trajeto, ligou para o ramal da Perícia.

– Alô - Lívia atendeu a ligação, preocupada – Russo, tudo bem?

– Lívia, sobre aquele arquivo que você me passou, quem mais sabe a respeito?

– Russo... Melhor falarmos pessoalmente.

– O canal está seguro – Lucas respondeu, olhando para Pablo, que sinalizava positivamente.

– Alencar sabe, mas segurou a informação até reunir mais elementos. Ele recebeu o relatório muito tempo depois que o caso estava arquivado e notou a fraude. Lembra que o legista que fez a autópsia da Alice foi transferido dias depois? Então, ele sumiu por um tempo, depois enviou o arquivo para cá. Eu tenho a cópia original do legista e deixei com o delegado. Você pode confiar nele e em mim. Tem mais pessoas do departamento que estão comprometidas, ele não conseguiu isolar todos ainda, mas já está tomando providências.

– Eu passei mais um nome para ele agora. Ele precisa fazer tudo com muita discrição, estamos contando com o elemento surpresa. Diga a ele para coordenar uma equipe de resgate que eu estou chegando.

Lucas desligou o telefone, olhou para Pablo e perguntou:

– O que você fez com as informações do cartão?

– Eu... Copiei os dados, apaguei tudo e devolvi o cartão vazio pra Ana.

– Tão genial, mas tão ingênuo. E você achou mesmo que eu ia ser estúpido a ponto de manter aquela única cópia?

Pablo sempre soube que Lucas não tinha nada de estúpido. Já havia imaginado isso, e por esse mesmo motivo, Ana corria tanto perigo.

– Você entende né? – Pablo indagou depois de um tempo – Eu nunca ia sair do lugar se não tivesse sido recrutado para esse trabalho. Ninguém dá chances pra gente como eu, um favelado, um pária. Mas no crime é diferente, meu talento é reconhecido.

– Mais ingênuo do que genial... Infelizmente. Espera só pra ver o reconhecimento quando tudo vier à tona. Seria bom se te dessem uma chance depois disso, mas no crime, amigo, não existem segundas chances.

Pablo abaixou a cabeça, compreendendo exatamente o que ele queria dizer.

– O que você vai fazer com tudo isso, essas provas, tudo o que reuniu, depois que recuperar a Ana? – Pablo perguntou, por fim.

— Depois que ela estiver segura, vou jogar tudo para os tubarões. 

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