65 - Controle de Danos
Cinco anos antes.
– Falei pra você. O moleque é bom!
– Onde você o encontrou?
– Foi pego vendendo no ponto da Praia do Deodato. Botei ele na viatura, trouxe ele para delegacia e ele pediu para usar o banheiro, quando estava demorando dentro da cabine, o policial forçou a entrada e o pegou com um celular. O aparelho era do próprio imbecil do Souza. Quando recuperou o celular, viu que o rapaz já estava dentro do sistema da Polícia Civil. Em poucos minutos, o moleque tinha hackeado a polícia com um celular da própria polícia!
– Caralho, que vacilo do Souza! E que gênio esse moleque! Mas, no final, ele estava com droga?
– Três papelotes. Não é muito, réu primário, menor, fiquei pensando... O que um moleque esperto desse estava fazendo metido com tráfico? Fui atrás da história, só drama: pai morto, mãe puta, criado pela avó, três irmãos pequenos. Usava um notebook roubado, e quebrava tudo o que era firewall. Ele ia sair da cana e voltar pro ponto, e todo esse talento ia acabar em alguma viela escura antes dos vinte anos.
– Daí você pensou em interromper a carreira dele no tráfico e botar ele numa área mais promissora.
– Esse moleque pode adiantar muita coisa pro nosso lado.
≈
Hoje.
Lucas estava atônito. Não esperava que a pessoa da mensagem fosse...
– Pablo?
– Dá pra ver a gente aqui dentro? – Pablo perguntou enquanto olhava em todas as direções, assustado.
– Não. – Lucas apenas o observava enquanto a mente trabalhava criando as conexões finais.
"Pablo, T.I. da Donatore, amigo da Ana..."
– Antes de eu te contar tudo, você precisa me prometer que vai me ajudar a sair dessa confusão, e que minha família não vai se ferrar com isso.
"...interceptou as mensagens... como conseguiu chegar nas mensagens? Se as encontrou, foi através de algum IP, então não tinha como ele ter as mensagens sem chegar ao IP, e se era bom a esse ponto... Ele mentiu pra Ana!"
– Não vou te prometer nada – Lucas rosnou.
"Pablo é o maldito hacker!"
– Pelo menos me diz que vai fazer um esforço.
– Desembucha! – O olhar glacial de Lucas mostrava que ele finalmente compreendera tudo. Pablo recuou, amedrontado.
– Bom... Vou falar de uma vez, então. – Pablo suspirou e construiu o argumento antes de começar. – Eu trabalho para um grupo de pessoas já tem alguns anos. Eles me aliciaram quando eu estava entrando no esquema dos traficantes. Eu só tinha 15 anos, então eles me tiraram da favela, arcaram com meus estudos, deram uma casa pra minha família e graças a eles a gente saiu do radar dos traficantes...
– Blá-blá-blá... Pula a historinha triste e desenrola! – Lucas interrompeu, irritado.
– Então... Eles me recrutaram porque eu sempre levei jeito com códigos. Eu conseguia invadir os servidores de jogos e derrubar sites, só de zoeira. Eu fazia para sacanear, mas depois descobri que eu realmente era bom nisso, conseguia apagar todos os rastros, ninguém me achava na rede. Veja bem, para mim o tesão sempre foi o desafio. Cada vez que eu conseguia hackear, adulterar ou rastrear qualquer coisa, era uma conquista para mim...
– Parabéns para você. – Lucas respondeu, sarcástico - Agora, que grupo de pessoas? Quem são e como chegaram até você?
– Eles me encontraram porque vacilei, fui detido por posse de droga.
– Eles quem?
Pablo sentia o suor escorrendo pela têmpora, mesmo com o ar do carro ligado. Lucas não deixava espaço para ele organizar o discurso nem parecia impressionado com o que ele falava, era como um predador esperando o primeiro vacilo. Sabia que deveria ter cautela, não podia entregar tudo.
– Os policiais que me prenderam acharam que eu tinha talento e, ao invés de me punir, me colocaram nesse esquema.
– Que policiais, porra? – Lucas fazia um grande esforço para não arrancar tudo do rapaz na porrada. Precisava ser objetivo, uma informação de cada vez.
– Se eu te passar os nomes agora eu perco a vantagem. Veja bem, se o que eu te contar ajudar você a encontrar a Ana, daí... Uma mão lava a outra.
– Você acha que está em posição de negociar? Comigo? - "Se acalma, cara. Respira, o que importa é encontrar a Ana..."
Pablo engoliu em seco, percebendo como Lucas parecia bem maior agora, e ia ganhando tamanho mesmo que não tivesse se movido um centímetro.
– Eu vou te falar o que sei, depois você me diz como isso pode ajudar a achá-la. – Pablo suspirou, reuniu coragem, e então retomou o assunto – que eu trabalho pro Ricardo você já sabe, e meu papel em tudo isso sempre foi preparar o terreno virtual para que os negócios escusos dele e dos aliados corressem sem interferência. Só que eu precisava ser discreto. Nada de roubo, desvio de recursos, nada que pudesse puxar uma investigação. Era mais monitoramento e controle de danos. Quando você começou a farejar o esquema, fui eu quem fiz a pesquisa para saber se você seria um possível aliado ou um pé no saco, e adivinha? Foi aí que colocaram a Alice no esquema, para te tirar de cena. Depois a coisa ficou feia, ela acabou morrendo e o resto você já sabe – Pablo fez outra pausa e enxugou as palmas das mãos na calça – depois que Alice morreu, me pediram para colar em você. Mesmo você estando escondido, sem celular ou carro, ou qualquer coisa que eu pudesse usar para te rastrear, eu descobri onde você tinha se enfiado.
– Como você descobriu? Não foi através do número que eu estava usando, o aparelho não tinha acesso à internet, então como conseguiu me rastrear?
– Antônio, o pai da Ana. Um tempo depois que você sumiu, depois que saiu da casa da sua mãe, o homem ligou pra DP atrás de saber sobre você. Foi fácil deduzir que ele tinha tido algum contato contigo, então foram atrás dele, descobriram que ele era dono de uma pousada, daí colocaram vigilância em cima do lugar. Quando você começou a aparecer com a Ana, surfando e outras coisas, logo deduziram que estava rolando algo.
Claro. Lucas bem que se perguntou onde Antônio tinha conseguido as informações.
– Certo, Antônio falou com a polícia e por isso você me achou. E quem na polícia colocou vigilância na pousada? – Lucas já sabia a resposta, mas queria ouvir em voz alta.
– Garcia, o seu parceiro. Ele é o contato dentro do departamento para manter as coisas funcionando. Ele mantinha todos informados sobre cada passo seu, o que tinha descoberto, o que estava investigando, tudo.
Lucas já tinha descoberto o envolvimento de Garcia quando pegou a assinatura no documento da marina. A análise grafoscópica identificou a letra dele, mesmo ele tendo usado um nome falso e disfarçado a escrita. A partir daí, Lucas foi reconstruindo mentalmente todas as ocasiões em que chegara muito perto de descobrir a verdade e tudo acabava virando fumaça.
Garcia tinha se colocado ao lado de Lucas, contestando as evidências e se indispondo no departamento apenas para conquistar-lhe a confiança e ficar a par de cada passo que ele dava. Fingiu ser seu amigo, chegou a tomar um tiro por ele, tornando quase impossível para Lucas desconfiar de seu envolvimento.
Por fim, a gravação das câmeras de segurança da marina na noite em que Alice desapareceu colocou Garcia no barco que zarpou um pouco antes de Alice pular da sacada.
– E quanto ao Morato?
– O que tem ele? – Pablo sentia as mãos começarem a tremer pelo jeito agressivo da pergunta.
– Ele tinha conseguido chegar em você, não é? Você se acha tão fodão, mas foi descoberto, aí você o expôs! Você sabia que ele era pai de um bebê? Seu grande filho da puta!
– Eu não tive nada com isso! Eu juro! Ele deve ter comentado com a pessoa errada, eu não fiz nada contra ele, eu nem cheguei a reportar e o cara já estava morto!
Lucas deduziu que Morato devia ter falado com Garcia por saber que era seu parceiro. Que puta confusão! Nada diminuía sua responsabilidade na morte do homem nem na avalanche de acontecimentos que se seguiu.
– Enfim, – Pablo tentou continuar a história – até aí, eu não me envolvia diretamente com as decisões, só passava as informações, hackeava e cumpria ordens, então você começou a se relacionar com a Ana e eu reportei a respeito dela, mais por hábito.
– Foram vocês que colocaram a Ana dentro da Donatore?
– Não. Ela preencheu uma vaga que estava de fato aberta, e passou nos testes. O Ricardo descobriu que você estava com ela só depois, achou que você tinha plantado ela na empresa para o monitorar e ficou paranoico. Daí, todo mundo conheceu Ana e... Todos nós nos apaixonamos por ela.
Lucas fechou a mão até os nós dos dedos ficarem brancos. Por pouco Pablo não ganhou um implante permanente de óculos naquela cara de imbecil. Apaixonado o caralho!
– Tic-tac moleque... Minha paciência está se esgotando... – Lucas falou com a voz baixa, fazendo Pablo suar ainda mais ao se dar conta de que estava trancado dentro de um carro filmado com um cara completamente desequilibrado... E provavelmente armado.
– Então a Ana passou a se interessar demais pelo assunto. Começou a pesquisar sobre a Alice, ficava vasculhando os documentos da Espanha, fazendo perguntas e causando problemas. Ricardo fez questão de mantê-la por perto, me pediu para dar corda pois queria saber até onde ela iria, enfim, eu percebi que ela não merecia estar no meio disso e fiz de tudo para distraí-la. Eu usei uma das mensagens para fazê-la confiar em mim e fui dando munição falsa para ela pensar que estava te ajudando de alguma forma, fiz o que pude para mantê-la longe do Ricardo e da sócia, mas ela não recuava, então mostrei a mensagem da emboscada em Santos para ver se punha medo nela, mas ao invés de ela dar um passo atrás, ela apareceu com aquele micro SD.
Lucas sentiu o sangue fugir do rosto e ir parar em algum lugar fora do corpo. O cartão... O maldito micro SD de Alice! Como pôde ser tão descuidado? Por isso Ana estava com o cartão na bolsa! Por que ele não guardou o dispositivo no cofre? Que erro primário! Que deslize ridículo! A constatação dos erros que ele vinha cometendo nos últimos tempos começava a se amontoar sobre sua cabeça como uma pilha de pedras incandescentes.
Isso era o que Ana fazia com ele! Ela o estragava, o confundia, não o deixava pensar direito! Por causa dela ele ficava perdido, irritado e vulnerável. Por que ela foi se meter no assunto? Depois de tudo o que ele fez para mantê-la longe! Que teimosa dos infernos!
E agora ela estava sabe-se lá onde, em perigo imensurável. Lucas ainda não tinha se permitido pensar no que ela poderia estar passando ou sentindo, já que, como um covarde de merda, ele vinha espantando a ideia toda vez que o pensamento lhe surgia à mente, empurrando o medo com tudo pro quarto ao lado até que pudesse encontrar um caminho para salvá-la.
Deus... Como sentia falta dela! Precisava dela, e precisava agora! Lucas sentiu o peito arder de angústia e ódio, e a réstia de sua paciência escorreu junto com a última gota de suor que descia por sua têmpora.
– Onde ela está! – Controle esgotado. Lucas segurou Pablo pela gola da blusa, e o rapaz sentiu o contato frio do cano de aço contra o queixo. Apavorado, por pouco não fez as necessidades no banco do passageiro.
– Calma, cara, pelo amor de Deus... Eu não sabia que eles iam fazer alguma coisa contra ela, eu juro! Eles só estavam atrás de você, eu só vi que algo estava errado quando interceptei a mensagem do porteiro! Foi eu quem deixei vazar a imagem das câmeras do hospital...
– Você acha que eu sou cretino? Você apagou as câmeras do condomínio durante a madrugada! Não me deixou ver quem colocou a porra do envelope no meu portão! Como não sabia que ela tinha saído e que corria perigo?
– É um programa, tá legal? Eu não fico o tempo todo monitorando! Você acha que eu viro noites e noites assistindo essas merdas? O programa faz a varredura e escolhe randomicamente cenários que se encaixem e troca as cenas. Botei pra rodar nessa última semana. As imagens originais ficam gravadas em outro servidor, e quando tenho tempo, faço a checagem e relato qualquer coisa que achar relevante!
– Onde. Ela. Está? – pior do que gritar, Lucas rosnava pausadamente, enfatizando as palavras com a pressão da Glock.
– Eu não sei onde... Eu não sei! Juro por tudo o que é mais sagrado! Essa decisão foi tomada entre eles, na conversa, e ninguém mais falou comigo depois do sequestro. Deve ter sido algum capanga do Ricardo ou do Diego que colocou o envelope no seu portão!
– Como você fica de olho em tudo, sabe de tudo, e não sabe isso? Você acha que eu sou idiota ou o quê?
Lucas elevou a voz e Pablo se encolheu ainda mais, sentindo o cano da arma começar a aquecer em contato com sua pele. O toque seria imperceptível agora se não gritasse brutalmente o estrago que poderia fazer no teto do carro caso fosse acionado.
– Me diz você! Não é você o investigador? Me dá um nome, e eu posso tentar rastrear... – A ousadia fez Pablo imaginar pedaços do próprio cérebro escorrendo pelos vidros do SUV. Não sabia de onde tirara a coragem para enfrentar Lucas, mas estava cansado de fugir, de mentir e se esconder, e dizer que estava tudo bem depois que ele começou a brincar de espião não passava de uma puta de uma gigantesca negação.
Lucas recuou um centímetro, mas manteve a arma, ainda travada, apontada para Pablo. Não era um inconsequente, não colocaria a vida do rapaz em risco ainda que estivesse furioso, mas Pablo não sabia disso. Tentando conter a ansiedade crescente, afirmou, firme e resolutamente:
– É. Eu sou um puta de um investigador, pode acreditar nisso! Cheguei numa porrada de gente sem uma única ajuda e com uns merdas como você e o Garcia atrapalhando tudo. Você se acha muito fodão, não é? Eu consegui tudo sem usar nenhum recurso, enquanto você se esconde atrás dessa tela como um cuzão de merda! Aposto que não consegue limpar a bunda sem internet ativa!
– Escuta... Você precisa de mim... – Pablo estava apavorado com a possibilidade de se tornar descartável. Já tinha dado com a língua nos dentes, e se não tivesse nenhum apoio de nenhum dos lados, seria uma questão de horas até ele desaparecer.
– Não, não preciso, mas vou te usar porque quero desmantelar essa porra toda. O negócio é o seguinte: foi você quem derrubou o sinal do meu celular, certo? – Pablo assentiu, apavorado – Vai fazer isso de novo com os contatos que eu vou te passar agora, e vai me dar os nomes, isso não é negociável. Com isso, moleque, o cronômetro vai começar a rodar, e você vai ter cinco minutos para me passar a porra da localização.
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