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52 - Dano Colateral

Horas mais tarde, Ana acordou sozinha. Chegou a especular se não tinha sonhado com Lucas deitado em sua cama, até que viu a carteira e os tênis dele no chão do quarto. A porta do banheiro estava fechada, e ela deduziu que ele estivesse lá.

Ao se levantar, ela sentiu um forte mal-estar. Tentou controlar a tontura sem muito sucesso, até que Lucas finalmente saiu do banheiro, e ela passou correndo por ele e se inclinou no vaso sanitário para vomitar.

"Malditos mojitos...!"

Quando voltou ao quarto, Lucas a encarava com ar preocupado.

— Pelo jeito a noite foi bem agitada...

— Não enche, Lucas! Eu nem bebi tanto assim... – Ela esfregava os olhos enquanto resmungava, até que finalmente olhou para ele, e levou um susto. – Lucas?

Ele estava de pé ao lado da cama, usava uma calça jeans e um blusão de moletom cinza escuro com o logotipo de uma universidade. Os pés estavam calçados apenas com meias, ele tinha as mãos nos bolsos da blusa, e o rosto parecia ter sido reimpresso com a mesma expressão cansada de quando ele entrara pela primeira vez na pousada. Olheiras profundas, olhos vermelhos, palidez acentuada e o cabelo, como sempre, um caos.

– Você está melhor? – Ele perguntou, com a intenção de desviar a atenção de si.

– Estou de ressaca, claro, mas você parece bem pior do que eu. Está doente? – Ela se aproximou e colocou a mão em sua testa – não está tão frio assim para você usar esse blusão!

Ele deu um sorriso triste e Ana ficou ainda mais preocupada.

– Não precisa me avacalhar. Estou apenas cansado.

– Que horas você chegou?

– Eu não sei direito. Fui para casa, mas você não estava lá. Eu não queria ficar sozinho então tomei um banho e vim para cá.

– Hoje você trabalha?

– Hoje não.

E foi tudo o que ele disse. Ana ficou aliviada e perguntou se ele queria tomar café da manhã, mas ele recusou. Ela foi sozinha ao refeitório, e na volta trouxe um café preto para ele, só que quando entrou no quarto, ele estava dormindo meio sentado na cama.

Ana o observou enquanto tomava o café sobressalente. Lucas parecia bem abatido, realmente como se estivesse doente. Ela colocou novamente a mão no rosto dele para verificar a temperatura e constatou que parecia normal, então o deixou descansar. Ela esperava que fosse apenas o cansaço mesmo.

– Eu vou com você, Lucas.

Lucas acordou depois de duas horas e decidiu que queria voltar para casa, e Ana, que tinha planejado passar o fim de semana na pousada, acabou mudando os planos por causa dele.

– Não quero que você "deixe de fazer o que sempre fez" por causa desse "ermitão chato pra cacete", Ana. Fica em paz, ok? Você pode ficar por aqui, no seu espaço, descansar e fazer suas coisas. Eu vou ficar bem, não se preocupe.

– Eu já pedi desculpas, Lucas. E pare de ficar decorando as minhas falas! Está tão determinado a me manter aqui que estou começando a desconfiar que você quer me evitar.

– Não, Ana. Jamais... – Ele colocou as duas mãos em seu rosto e a olhou bem no fundo dos olhos, como se quisesse transmitir uma mensagem. Ana sentiu falta da chama verde, os olhos claros pareciam opacos e cansados, e as mãos, atipicamente frias. – Eu amo você. Quero ficar com você o tempo todo, ok? Só acho que não vou ser uma boa companhia hoje.

Ana o beijou docemente, e ele suspirou de modo profundo. Quando se afastou, jurou que pôde ver os olhos dele molhados. Ela sabia que não adiantaria perguntar nada, ele não iria falar, então, determinada, pegou a bolsa e o esperou na porta do quarto enquanto ele calçava os tênis.

Sem mais palavras, ele deixou o quarto, e ela o seguiu.

– Está com fome? – ela perguntou assim que entraram na casa.

– Não.

Ana se intimidou. Parecia que Lucas nunca comia, ao passo que ela queria comer o tempo todo. Fora o período em que ele desapareceu da pousada, ela sempre foi meio gulosa, metabolismo rápido e tal, só que isso ficava ainda mais evidente quando ele entrava nessa de passar longos períodos sem se alimentar.

Ela tampouco queria comer sozinha, então resolveu esperar a hora da fome dele. Foi até a sala e alcançou um livro do curso de Alemão que vinha usando para estudar quando estava na casa dele. Lucas se deitou no sofá e apoiou a cabeça numa almofada em seu colo enquanto ela lia.

Foi um tempo bem agradável. Aos poucos ela foi sentindo-o menos tenso, e isso lhe proporcionou um bem-estar sem precedentes. Era um momento tão doméstico e íntimo, e tão perfeito que poderia ser registrado em um quadro.

Um bom tempo se passou. Lucas chegou a cochilar por aproximadamente uma hora, mas depois acordou e ficou observando-a enquanto ela se mantinha compenetrada no livro. Passou alguns minutos observando a forma como ela movia os lábios enquanto lia, como quem experimentava as palavras. A cena de alguma forma despertou seu corpo outrora abatido.

– Ana...?

Ela o encarou. A marquinha do sorriso surgiu em seus lábios, de súbito ele se ergueu, retirou o livro das mãos dela e a beijou.

A carícia começou suave, delicada, mas aos poucos ganhou intensidade. Ele segurou os punhos dela acima da cabeça, então desceu o zíper do vestido que ela usava, removeu a parte de cima e alcançou os seios. Ela tentou se soltar, mas ele a manteve cativa enquanto beijava e acariciava as auréolas, o vale entre as mamas e o ventre.

– Lucas, me solta, só um pouco...

Ele finalmente a soltou, mas não a deixou tocá-lo. Ajoelhou-se entre suas pernas e subiu a barra da veste pela coxa até alcançar a calcinha, e a removeu.

– Fique quietinha...

Com os lábios e os dedos, ele a acariciou intimamente. Ela ofegou e se inclinou, radiante por ele reagir e por querê-la mesmo estando cansado. Quando sentiu que estava transitando na borda do prazer, tentou trazê-lo para perto, puxando-o pelos cabelos para que pudesse retribuir as carícias, mas ele se manteve firme lá embaixo até fazê-la gozar.

Quando ela estremeceu e soltou o corpo sobre as almofadas, ele escorregou para o chão, sentado ao lado das pernas ainda trêmulas. Estava prestes a se levantar, quando ela deslizou para o chão e se encaixou em seu colo.

– Lucas, vem cá... Preciso dar um jeito em você. – Ela começou a tentar tirar o blusão que ele usava enquanto o beijava no pescoço. Seus seios se projetaram em pressionaram o corpo ainda vestido, e nesse momento, ele soltou o ar e se encolheu.

– Ai, caralho, Ana... Espera...

– Lucas?

Ele saiu debaixo dela. Ana notou que ele tinha a tez pálida e o rosto retorcido. Algo estava errado. Muito errado.

– Lucas, o que foi?

Ele não respondeu. Ela percebeu que ele respirava de modo irregular. Ela se aproximou e tentou levantar sua blusa, mas ele segurou a barra firmemente para baixo.

– Ana... não.

– Lucas, você está machucado?

– Deixa disso. Não é nada.

– Como não é nada? Deixe-me ver... – Ela insistiu e finalmente conseguiu subir o blusão. Havia um curativo abaixo do mamilo, e uma mancha escura perto do umbigo como se fosse sangue pisado; minúsculas veias se espalhavam a partir dos pontos inchados como se fosse vidro trincado. Instintivamente, ela ergueu a mão para tocar o ferimento perto do umbigo.

– Ana... Espera! – ele retraiu o corpo e se afastou do toque.

– Tira a blusa, Lucas! – Ela estava verdadeiramente assustada.

– Não precisa fazer drama – ele murmurou, mas acabou removendo o blusão. Além das marcas no abdômen, havia um curativo no braço, abaixo do bíceps esquerdo.

– Que porra é essa, Lucas? – Ela bem que tentou controlar, mas a voz saiu mais alta do que o esperado.

– Não é nada grave, Ana. Não precisa se preocupar.

– Como não é grave? O que são esses ferimentos?

– São... Por causa do colete à prova de balas.

Ana sentiu a cabeça rodar, mas logo se recuperou apenas para apresentar sinais típicos de histeria.

– Você foi baleado?

– Não, não. Eu só fiquei no fogo-cruzado.

– Qual é a diferença? Por Deus, Lucas...

Ana percebeu o quanto suas mãos também tremiam. A consciência do perigo que Lucas correu, que corria todos os dias, fez seu estômago voltar a ficar embrulhado.

Lucas sabia que não era justo continuar escondendo os detalhes da própria vida, que não tinha como protegê-la disso. Se ela realmente queria ficar com ele, precisava saber o que isso significava, e se entendesse e ainda assim permanecesse com ele, então ele saberia que tudo ia ficar bem.

Agora, se ela não pudesse segurar a barra, aí ele ficaria mais fodido do que já estava.

– Foi uma emboscada, – ele começou a explicar – estávamos prestes a abordar um grupo de traficantes, mas de alguma forma eles foram avisados. Fizemos a ofensiva junto à PM, os bandidos começaram o tiroteio. Eu estava na retaguarda, não me envolvi diretamente na ação, mas alguns projéteis acabaram me alcançando. Sorte que eu estava de colete e que Garcia estava perto de mim. Ele meio que salvou minha vida.

– Lucas... – Ana tentou conter a histeria – Eu achei que o colete impedia que vocês fossem machucados! – Um calafrio a percorreu quando o imaginou na mira de uma arma, e depois, caído no chão.

– O colete impede que o projétil penetre o corpo, mas não tem como impedir o impacto.

– Mas, e esses curativos no peito e no braço? E essa marca?

– No braço foi um tiro que pegou de raspão quando Garcia se jogou sobre mim e fui ao chão. Acredito que era para ter atingido minha cab... outro lugar. As lesões são porque o calibre era pesado, mesmo assim as balas não chegaram a perfurar o colete.

– Jesus... O quão ruim é, Lucas? Esses machucados parecem bem ruins para mim. O que isso faz com você?

– Não é nada, Ana. Sei que parece assustador para você que não está acostumada a ver isso, mas realmente não é nada sério, estou falando a verdade. É mais o tranco que machuca. É como um coice de cavalo, mas muito pior. Daí fica o roxo, uma ou duas costelas trincadas, levei três pontos aqui no braço, mas seria infinitamente pior sem o colete.

– E... dói muito? – ela se sentiu ridícula por perguntar o óbvio.

– Suportável. Já senti coisa pior – ele recolocou o blusão com cuidado, depois soltou o ar dos pulmões. Doía pra caralho, mas ele não ia dizer a ela.

– Você não deveria estar num hospital?

– É normal, Ana. E eu fui pro hospital, por isso demorei a voltar. É um procedimento padrão, eles tiram radiografias, checam a lesão e depois mandam a gente pra casa. Eu fiquei por lá mais tempo do que o necessário porque Garcia levou um tiro quando tentou me proteger, e um outro policial foi gravemente ferido na operação.

– Garcia, o seu parceiro?

– Sim, mas ele já está em casa também. O projétil atingiu o braço, mas não pegou nenhum tendão importante. Vai ficar uns dias de molho e logo volta à DP.

– E o outro policial, era amigo seu?

– Não. Um PM.

Ana sentiu um calafrio.

– Ele ficou bem...?

– Não.

Ela sentiu os olhos nublados. Poderia ter sido Lucas, e ela não conseguia nem ficar feliz por não ter sido, porque era tudo tão horrível que não existia um lado bom da coisa. Uma pessoa morreu, e isso era tão definitivo que ela não teve mais como conter as lágrimas.

Lucas a viu se desmanchando num choro sentido e a abraçou. Ela se apoiou nele com cuidado, agora que sabia que ele estava ferido, e permaneceu ali até se sentir mais calma.

– Eu... Eu não sei... – Ana não conseguia se expressar.

– Eu sei, Ana. Fica tranquila porque eu sei. É uma merda. Uma caralha de uma merda sem tamanho. Mas com o tempo fica menos ruim, ao menos é o que parece.

– Até ser a sua vez. – Ela sentiu uma nova onda de lágrimas.

– Não pensa nisso, Ana. Pode ser a vez de qualquer um, fazendo ou não o que eu faço. Pelo menos eu tinha um colete, o resto das pessoas por aí não têm. – Ele suspirou, desanimado, e quando notou que ela tinha parado de chorar, tomou coragem para perguntar – é demais para você?

Ela se separou dele e o olhou nos olhos, as íris verdes que ela tanto amava a fitavam de volta cheias de apreensão e angústia. Sabia que não tinha escolha, deixá-lo estava fora de cogitação.

– Eu aguento qualquer coisa para ficar com você, Lucas. Conta comigo do teu lado. – Ela viu os olhos dele ficarem imediatamente molhados e se emocionou também – Vem, vou fazer uma compressa nesses machucados, depois você vai tomar um analgésico e eu vou cuidar de você.

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