5 - Crista da Onda
Ana sentiu a antecipação da adrenalina assim que a água atingiu sua cintura. Precisava ser ágil, pois, apesar de o céu estar predominantemente limpo nesta manhã, as nuvens vinham se acumulando lentamente, diminuindo o calor gradativamente. Ela aproveitava o vento um pouco mais forte para surfar antes que o tempo virasse de vez, obrigando-a a sair da água.
Surfar era para ela uma experiência única que envolvia uma mistura emocionante de desafios. Primeiro, ela escolhia a onda certa e remava em direção a ela. A adrenalina começava a fluir; ela sentia uma empolgação pelo que estava por vir e uma ponta de ansiedade pela incerteza do que aconteceria a seguir. Quando a onda se formava à sua frente, remava com mais força e rapidez. Sentia a água sob a prancha e as gotas respingando no rosto enquanto tentava ganhar impulso.
O momento era eletrizante. A sensação do drop, quando o chão desaparecia e ela deslizava pela face da onda, era como se estivesse em um tobogã aquático natural. A velocidade e o movimento da água eram impressionantes, e era ali onde a verdadeira magia acontecia. Ana tentava se equilibrar com os pés na prancha, ajustando a postura para acompanhar a forma da onda. A sensação de estar no controle, mesmo quando parecia que iria cair a qualquer momento, era indescritivelmente empolgante.
À medida que ela ganhava confiança, começava a experimentar manobras. Virava a prancha, fazia curvas e até mesmo tentava um pequeno salto em uma seção mais íngreme da onda. Cada manobra era um desafio novo e emocionante, até que, tão rápido quanto começara, assim também terminou. Voltando a remar, Ana sentiu a energia do mar, o calor do sol na pele e o som das ondas quebrando ao redor.
Era uma experiência visceral, de imersão na natureza que a fazia se sentir parte do oceano, e nesse momento específico, o tempo desacelerava, a existência se resumia à busca pela próxima onda, e os problemas e preocupações ficavam em segundo plano.
Depois de repetir o processo várias e várias vezes, ela resolveu sair um pouco do mar para recuperar o fôlego e se deteve na beira da água a fim de observar as ondas. O mar estava vazio, exceto por embarcações bem ao longe, e um único rapaz que dava braçadas entre uma onda e outra. Ela ficou um pouco distraída olhando para ele, até que ele parou de nadar e ficou em pé, a água lhe atingindo a cintura. Só então ela o reconheceu
Lucas, o hóspede silente. Ana sentiu o coração disparar, o que a deixou cabreira. De longe, ele olhou diretamente para ela e caminhou em sua direção. A arritmia persistiu e ela sentiu a boca secar.
Ela ainda não o tinha visto sem camisa. O peito bem definido e molhado ofereceu a ela uma visão pra lá de interessante. Os cabelos crescidos e úmidos caiam no rosto másculo, alguns fios chegavam até a altura dos lábios e outros cobriam parte do pescoço. Sem se importar com a sensualidade do gesto, ele puxou os fios para trás com uma mão, entregando a ela uma bela visão dos tríceps definidos pelo esforço do nado, e na medida que chegava perto, ela finalmente conseguiu enxergar os olhos, pela primeira vez livres dos óculos escuros.
Verdes. Profundos. Cristalinos. Incrivelmente fascinantes.
– Você manda bem nas ondas! – Ele elogiou, elevando um pouco o tom de voz para superar o som do mar. Tinha a respiração acelerada quando se aproximou. O som da voz, os olhos claros e o corpo molhado...
Ana esqueceu completamente o que deveria dizer. Era algo como "bom dia", ou "você nada bem", ou talvez "você é gostoso pra cacete..."
– Eu me esforço – ela improvisou qualquer resposta, com o sorriso de volta aos lábios.
Ela bem que andou reparando nele ao longo da semana, não com um interesse tão evidente como agora, mas se pegou muitas vezes olhando para a escada, esperando o momento em que ele descia os degraus para entregar a chave e sair para comer algo, ou por qualquer outro motivo que não era da sua conta.
Sim, ele havia despertado nela um interesse inédito por várias razões. Uma delas foi o silêncio. Ele não falava. Era educado, cortês, mas não conversava, não perguntava nada e, muito menos, sorria. Exceto pelo segundo dia de hospedagem, quando se encontraram por acaso e depois almoçaram juntos, ele nunca mais dirigiu perguntas a ela nem tentou uma conversa mais amistosa.
Outro motivo foi que, mesmo depois de uma semana, ele parecia tão cansado quanto estava quando chegara à pousada, e ela especulava se ele estaria gostando do quarto, do colchão ou da hospedagem de modo geral.
Enfim, as razões de sua curiosidade a respeito de Lucas envolviam muito mais o comportamento dele, mas agora, vendo-o diante de si de modo tão livre de barreiras, o interesse ganhou uma nova proporção.
De misterioso cansado a misterioso gato, era uma mudança e tanto.
Ela queria perguntar se ele estava gostando da estadia. Ele ainda não tinha informado por quanto tempo pretendia ficar, mas pagara a semana toda adiantado e em dinheiro, e ela imaginava que em breve ele partiria. O pensamento a deixou um pouco amuada, e ela escondeu a sensação como pôde dentro de si, afinal, ele era só mais um hóspede, que chegara e partiria, como todos os outros.
– Não... é sério! Você é boa nisso – ele continuou, agora com a sombra de um sorriso nos lábios. Ele parecia de fato impressionado, e isso a encheu de satisfação.
– Obrigada.
Ela continuou encarando-o sem perceber. Estava deslumbrada com os olhos claros e agora com o quase sorriso também. Ele parecia relaxado e ela sentiu o ventre tremular e espalhar calor pela região pélvica, e se constrangeu porque sabia exatamente o que isso queria dizer.
Lucas esperou até que ela voltasse a andar em direção à faixa de areia e voltou a mergulhar, dando mais algumas braçadas. Ela se sentou na parte ainda úmida da areia, ficou contemplando o horizonte, e de quebra, Lucas nadando. Apreciou como ele nadava bem, veloz e enérgico.
Depois de um certo tempo, Ana já recuperara o fôlego, mas o mar estava muito mais agitado. Gostava de surfar, mas evitava correr riscos, então decidiu encerrar a manhã. Viu Lucas voltando do mar, mais uma vez a visão do corpo molhado, agora totalmente fora da água, despertou as borboletas na barriga. Que fogo no rabo é esse, mulher? Se controla!
Lucas se aproximou e estendeu-se ao lado dela na areia, apoiando o peso do corpo nos cotovelos e controlando a respiração acelerada pelo esforço. Ele estava simplesmente... delicioso. Ela observou a bermuda molhada, colada nas pernas peludas, o tecido moldando discretamente a região íntima, o caminho que os pelos faziam do abdômen até desaparecer no cós... Constrangida, afastou o fascínio, afinal, isso não daria em nada; ele sequer parecia interessado nela, para falar a verdade.
– Vai chover... – ele olhou para o céu espremendo os olhos, e um vinco se formou entre as sobrancelhas grossas.
– Você tem algum tipo de fotossensibilidade? – Ana perguntou, perscrutando o rosto dele.
– O quê?
– Você tá sempre de óculos escuros, e agora fica enrugando a cara toda para olhar pro céu.
Lucas sorriu. Achou engraçado o jeito dela. Ele nunca reparara que enrugava o rosto do jeito que ela dizia.
– Assim tá bem melhor – ela desviou os olhos, constrangida pela reação de suas entranhas ao primeiro sorriso dele. Como um simples gesto podia causar um frenesi tão grande? Sem poder se conter, olhou de novo para os lábios de sorriso tímido e se impressionou com a mudança que o sorriso causava na expressão dele.
– Eu nem percebo. Eu uso óculos por hábito, e porque...
Ana ficou esperando-o completar a frase, mas ele não o fez. Parecia que ele nunca terminava uma frase direito.
– Você ainda não comunicou à pousada até quando pretende ficar.
– Faço isso hoje.
Ela esperou que ele dissesse algo além disso, mas ele também não informou mais nada. Não queria assumir, mas saber que ele ainda não ia embora lhe causou um certo prazer secreto. Voltou a observar as nuvens carregadas.
– O tempo está fechando rápido. Acho melhor a gente voltar.
– Tá com medo de se molhar? – ele perguntou, travesso.
– Não, – ela deu uma gargalhada curta – é por causa das descargas elétricas.
Lucas olhou para ela, atraído pelo som da gargalhada, e se divertiu internamente com o duplo sentido da conversa, claramente interpretado desta maneira apenas por ele. Tinha se esquecido de como fazer isso, jogar conversa fora, flertar abertamente sem se preocupar com as consequências.
Ana continuava olhando para as ondas, e ele se viu meio fascinado por ela também. Por causa da força das ondas, o cabelo outrora preso agora estava solto, todo emaranhado e cheio de areia, e ele conteve um impulso súbito de desembaraçá-los com a ponta dos dedos. Que pensamento besta!
Pela primeira vez, Ana percebeu o olhar dele sobre si e especulou se ele chegara a olhá-la assim por trás das lentes escuras em algum momento. O pensamento a aqueceu por dentro.
– Você poderia me dar umas aulas... – ele sugeriu de modo displicente, sem tirar os olhos dela.
– O quê?
– É, você poderia me ensinar a surfar.
– Eu não sei se eu sei ensinar alguma coisa – ela estava surpresa com o pedido dele.
– Pensa no assunto, ok?
– Mas você ao menos tem uma prancha?
– Isso é fácil de arrumar.
Ana ficou encarando-o, boquiaberta. Ele parecia falar sério.
Lucas se pegou mirando os lábios entreabertos, e uma fisgada na virilha o fez se erguer de um salto e se afastar em busca dos tênis que deixara em algum lugar na areia. Quando os encontrou, Ana o viu voltando para a pousada sem se despedir, como quem fugia de uma ameaça desconhecida.
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