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41 - Arma de Fogo

Alguns quilômetros antes de chegarem à cidade, Lucas pegou um desvio e estacionou em uma parada de viajantes à beira da estrada. O local era retirado, mas contava com um belo complexo comercial.

– Você precisa comer. – Ele afirmou, descendo do carro.

Ana achou engraçado porque em nenhum momento ela reclamou de fome. Lucas tinha sugerido que almoçassem na capital antes de pegar o caminho de volta, mas ela estava incomodada, queria voltar para casa, tirar aqueles saltos torturantes e trocar de roupa. A camiseta que ele havia emprestado a ela era macia, perfumada e... imensa!

Lucas abriu a porta para ela e apoiou a mão em suas costas, conduzindo-a até o estabelecimento com restaurantes e lojas. Ana achou fofo ele querer andar com o braço em torno dela, mas percebeu o sentido de posse que o gesto empregava. Eles escolheram uma mesa e pediram um café. Ele comprou um sanduíche para ela, e nada para si.

– Lucas... não sei se quero comer.

– Você vai comer. Está muito magra, precisa se alimentar melhor.

– E você? Não vai comer?

– Não.

­– Ah, você pode não comer! Por que eu tenho que comer?

Ele a ignorou solenemente e levou a xícara aos lábios, mantendo os olhos atentos por trás das lentes escuras. Contrariada, ela pegou o sanduíche e deu uma mordida. Para sua surpresa, seu estômago roncou em resposta e, depois de tanto tempo sofrendo com a falta de apetite, ela devorou o lanche com gosto.

– Vou te levar pra minha casa hoje.

Ana suspirou, irritada por ele ter apenas decidido isso sozinho.

– E eis que surge o "Controlador-Mas-Só-Um-Pouco" na conversa...

Lucas tirou os óculos e a encarou, o vinco entre os olhos denunciando o mau-humor iminente.

– Qual é o problema, Ana?

– "Oi Ana, então, eu estava pensando... agora que nós somos alguma coisa, será que você gostaria de passar a noite na minha casa?" – ela ironizou, se dando conta de que era a primeira vez que ele se referia à própria casa como sendo dele.

Era um dia cheio de primeiras vezes.

– Você não quer ir pra minha casa? – Ele questionou, enfadado.

Ana se lembrou da Jacuzzi e dos lençóis de algodão egípcio de um milhão de fios, e sua contrariedade vacilou.

– Não é que eu não queria ir para lá, seria até legal...

– Então por que você está criando caso com isso?

– Eu não estou criando caso!

– Está sim!

Ana bufou. Por que os homens tinham que ser tão obtusos?

Lucas suspirou. Será que existia no mundo uma mulher capaz de falar exatamente o que queria?

– Eu achava você bem mais legal antes você ser policial – ela fez um gesto com a mão como quem espanta um mosquito.

– Eu sempre fui policial, Ana. – Ele respondeu, apático.

Ela percebeu que ele já havia abandonado o café e tinha um olhar cansado. Ele enfiou os óculos escuros no rosto de novo e, como já era fim de tarde, ela concluiu que ele apenas queria vigiar sem ser notado.

– Eu te aborreci, não é? ­– Ela se chateou com o ar entediado dele.

Lucas não respondeu, apenas retirou a bandeja da mesa e descartou os restos no lixo, depois a conduziu a uma espécie de Outlet, repleto de roupas e sapatos de diversas marcas. Ana passeava entre as araras quando ele surgiu com várias peças de roupa, para ela.

– Lucas, eu posso passar na pousada e pegar minhas próprias roupas. Pare de ser tão mandão!

Com o olhar transitando em todas as direções, ele apenas negou com a cabeça.

— Pegue as roupas sem discutir, Ana!

Ele estava fazendo aquilo de novo: vigiando, monitorando, procurando ameaças. Não era hora de discutir. Sem alternativa, ela pegou as roupas e seguiu até um provador, com ele em seu encalço.

Ana ficou surpresa com as escolhas dele: um short e uma minissaia jeans, duas babylooks de cor clara e um conjunto de moletom verde musgo. Há pouco tempo, quando vasculhava a vida de Alice Donatore na internet, Ana notou como a ex-mulher de Lucas se vestia com elegância. Imaginou que ele escolheria algo mais requintado, mas as peças que ela segurava não tinham nenhuma sofisticação.

Eram perfeitas. Do seu gosto e do tamanho certo. Lucas era realmente muito observador.

Ana entrou no provador. Não havia ninguém por perto, o local estava vazio, as poucas pessoas no complexo estavam se alimentando ou apreciando souvenirs, e um único atendente se distraía com o próprio celular atrás do Caixa. Antes que ela começasse a tirar uma das peças, Lucas invadiu a cabine.

– O que você está fazendo...? – Ela exclamou, mas ele a calou com um beijo, pressionando-a contra o espelho. Ela tentou sem muito empenho empurrá-lo porta afora, mas ele projetou a mão sob sua saia, lembrando-a de que estava sem calcinha.

Pois é. Ela até ficaria dois dias com a mesma saia, mas com a mesma calcinha? Aí já era demais!

Ele abriu o zíper da calça, virou-a contra o espelho e se encaixou nela, rápido, voraz, sem nenhum preparo, contudo sem resistência alguma. Ela estrangulou um gemido quando ele a preencheu. Impacientes e afoitos, eles tiveram a sua primeira "rapidinha", em pé num provador de roupas.

E eis mais uma primeira vez.

– Ana, você me deixa tão irritado... – ele sussurrou com o rosto enterrado nos cabelos dela.

– Teremos problemas sérios se esse for o seu jeito de me fazer calar a boca!

– Eu não sei o que rola, você me faz agir como um moleque! Eu nunca fui assim! Nesse pouco tempo perto de você já quebrei um milhão de determinações que criei para mim mesmo!

– Ah, tá! Agora a culpa é minha? Ora essa! – Ela ajeitou o cabelo enquanto o olhava através do espelho.

– Moça, está precisando de alguma ajuda? – Uma voz do outro lado do provador os trouxe de volta à realidade. Olhando um pro outro, eles abafaram o riso.

– Está tudo bem! – Ana respondeu e estendeu uma peça aleatória por cima da porta da cabine – você pode pegar uma dessas um número menor, por favor? – Ela espiou por um vão e avisou Lucas quando o atendente se distanciou.

Antes de sair, ele enfiou a mão no bolso de sua saia e removeu dali a calcinha que ela não tinha recolocado depois do banho. Ela o olhou espantada enquanto ele saía de fininho, transitando como se nada tivesse acontecido, e viu quando ele guardou a lingerie no próprio bolso.

— Que sem-vergonha!

Ainda corada, Ana riu baixinho. Era óbvio que ele sabia que a calcinha estava ali o tempo todo. Lucas e seus maravilhosos olhos de águia! Nem um dia sequer ao lado desse homem parecia ser igual, a não ser pelo fato de que ele não conseguia parar de agarrá-la.

Lucas caminhava entre as araras enquanto aguardava. Estava irritado consigo mesmo por não conseguir tirar as mãos, a boca e todo resto de cima dela. Era como se num passe de mágica ela fosse desaparecer e ele precisasse marcá-la como sua.

Esse sentimento, novo e confuso, ia contra tudo o que ele considerava saudável num relacionamento. Ana o desequilibrava em todos os sentidos, mas ele não conseguia desgostar disso. Passar mais tempo com ela estava sendo uma experiência irritante e divertida ao mesmo tempo.

Ana saiu do provador com as roupas, aproveitou para pescar um trio de calcinhas numa prateleira, depois seguiu para o caixa. Lucas foi até ela e se ofereceu para pagar, mas ela recusou. Já no carro, ela abriu a porta traseira para guardar as sacolas enquanto Lucas ia até um caixa eletrônico. Ela acomodou as compras no banco traseiro, e foi quando viu a bolsa de couro dele. Curiosa, abriu o zíper.

Dentro ela encontrou umas poucas peças de roupas, inclusive a blusa do conjunto dela. Havia alguns papéis, um notebook e algo envolto num tecido preto. Ela descobriu o objeto e revelou uma pistola Glock. Como se tivesse queimado os dedos, ela tirou a mão da bolsa ao mesmo tempo em que Lucas abria a porta do motorista. Ele notou o que ela estava fazendo e fechou o imediatamente o semblante.

– Não mexa nisso!

– Você está andando por aí com isso o tempo todo?

– É lógico que eu estou andando com isso! O que você esperava?

Pois é, o que ela esperava? Ele era um policial, merda! Óbvio que costumava andar com uma arma! Por mais que ela fosse contra a posse de armas de fogo e odiasse qualquer tipo de violência, Lucas era o cara com quem ela estava envolvida agora, e ela precisava parar de fingir que não havia um oceano de diferenças entre eles.

– Eu... Não gosto de armas.

– Ninguém gosta.

– Acho que elas pioram tudo.

– Elas têm o seu lugar. Elas podem salvar vidas.

– Como? Elas tiram vidas!

– Tenha uma apontada para alguém que você ama, e nenhum policial por perto para ajudar, e você mudará de ideia.

Ela engoliu em seco. Tudo era uma questão de perspectiva, certo? De que estava na frente ou atrás do cano.

– Eu não gosto. Ponto final.

– Essa discussão não leva a nada. Eu tenho o porte, tenho a arma e vou usar se precisar.

– Espera..., mas você não está afastado do trabalho? Não é errado usar a arma sem estar em serviço?

– E o que você sabe sobre isso? Fez um curso na Netflix? – Ele suspirou, arrependido. Estava sendo estúpido, mas ela também não dava um tempo, caralho! – Essa aí não pertence à corporação.

– Mas... Quantas você tem?

– Quantas o quê?

– Quantas armas!?

Ele bufou e rosnou a resposta:

– Algumas. Vai implicar com isso também?

– Vamos embora, por favor. – Ela pediu, desanimada.

Lucas fechou a porta do carro com muito mais força do que pretendia.

E lá estava, o sentimento de insegurança, o medo repentino de ela mudar de ideia e decidir que ele não era nada do que ela precisava. Talvez não fosse mesmo, mas ele não ia se render tão facilmente dessa vez. Precisava fazê-la entender.

– Ana, veja bem, quando li a carta da Alice, percebi que precisava redobrar o cuidado. A polícia está envolvida no que aconteceu com ela, por isso foi tão fácil passar por cima dos protocolos e arquivar o caso tão rapidamente. Não tenho muito em quem confiar e saber que estou sendo rastreado me impede de buscar mais informações, inclusive com meu parceiro de confiança. Então, sim, eu vou manter a arma comigo, quer você goste ou não, e vou manter você também comigo, porque se alguma coisa acontecer com você por causa disso tudo, eu... – ele não terminou a frase, apenas deu a partida e colocou o carro de volta na estrada.

Como havia decidido, ao invés de pegar o caminho para a pousada, Lucas seguiu direto para o condomínio. Ana pensou em argumentar, mas já o tinha provocado além do necessário, então desistiu. Eles ainda tinham muito a conversar, e muitos lugares diferentes para explorar...

"Ana, sua safada!".

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