22 - Alerta de Estupidez
Lucas encarava o homem mais velho com uma postura rígida. O olhar duro e frio chegou a causar um breve arrepio na coluna de Antônio quando o policial lançou a pergunta.
– Você vai contar a ela?
– Eu me pergunto o porquê de você ainda não ter contado, já que estão tão íntimos. Eu só posso concluir que você está tirando proveito, usando-a só para se divertir! – Antônio o acusou e tentou não se deixar intimidar.
– Ei, espere um pouco! Eu não estou fazendo isso! Nossa relação é consensual, e eu respeito muito a Ana. Me aproveitar dela não é nem nunca foi a minha intenção.
– Respeita é? Sua ex-mulher nem esfriou no caixão e você já está se engraçando com outra – Antônio o acusou, sagaz.
Lucas sentiu como se tivesse levado um murro no estômago. O ar escapou por sua boca lentamente enquanto seu sangue subia rapidamente. A constatação do quanto ele tinha se desviado de sua missão por causa do seu envolvimento com Ana o atingiu como um trem.
– Como é?
– Minha filha não serve para o que você quer! Ela não é um esparadrapo para você colar em cima da merda que deve ser sua vida.
Nessa hora, apenas o respeito pelos mais velhos e a necessidade de manter a discrição impediram Lucas de reagir do mesmo modo que as suas entranhas reagiam.
Antônio, por outro lado, se sentiu envergonhado, mas tentou não demonstrar. Seu comentário tinha sido propositalmente cruel pois ele sabia que precisava ser agressivo se quisesse afastar Lucas, embora sua raiva tenha oscilado um pouco quando viu a dor no rosto do rapaz.
Foi desumano usar a esposa morta para repeli-lo sendo que ele mesmo conhecia a dor de ter perdido a própria mulher. Antônio engoliu a vontade de se desculpar e manteve o olhar altivo.
– Com todo respeito, você não sabe de nada! – Lucas revidou com a voz levemente alterada, mas ainda se contendo – você não tem ideia do que eu penso, quero ou pretendo, e eu não devo nenhuma satisfação a você nem a ninguém!
– Nem à Ana?
– Ana é livre e maior de idade, é a pessoa mais incrível que eu já conheci e a última coisa que pretendo é fazer mal a ela!
– Certo. Pergunte-se então que tipo de homem começa um relacionamento em cima de segredos. Ah... eu estava me esquecendo, claro. Não é um relacionamento, certo? É só uma diversão, uma aventura passageira – sarcasmo nunca foi o forte de Antônio e seu nervosismo não passou despercebido a Lucas.
– Você está errado! – Lucas argumentou, mas também não soube o que dizer a seguir. Antônio tinha razão quando dizia que não era bem um relacionamento, porque de fato não era. Mas também não era uma aventura ou um passatempo. Lucas não fazia ideia do que era, na verdade.
– Se ainda não falou a verdade para ela, é porque não a conhece de fato. Você não tem ideia do que a machuca, nem do que ela precisa. Pense nisso e verá que estou certo. E saiba que eu sei cuidar da minha filha, e você não vai levá-la para a bagunça que é sua vida; eu não vou deixar!
Antônio estava no seu direito, e Lucas até aceitava que ele não estava de todo errado. Mas infelizmente o homem tocara no nervo exposto, e não tinha ideia do que Lucas era capaz quando queria algo de fato.
– Certo. Você descobriu quem eu sou, e acha que conhece a minha história. Se fez suas pesquisas direito, sabe que um investigador precisa trabalhar em sigilo, e certamente também sabe que expor um agente da lei pode ser considerado crime.
Antônio sentiu o rosto enrubescer com a ameaça velada. Ele pigarreou, ajustou a postura e enfrentou Lucas.
– Então vai ser assim?
– Não precisa ser.
– Então ela é só um disfarce?
– Não quer dizer que seja.
– Então é só uma questão de tempo. Espero que você se lembre dessa conversa quando sair por aquelas portas enquanto eu recolho os cacos da minha filha pelo chão. Tenha um bom dia!
Certo. Aquilo foi desproporcionalmente dramático, e até Lucas, que sabia que estava fazendo merda, achou um pouco exagerado.
Mas foi suficiente para deixá-lo fora de prumo.
Depois de uma noite tão intensa, Lucas não esperava se encontrar tão desestabilizado agora. Antônio descobrira quem ele era, embora tivesse entendido que não podia expor sua identidade. O fato de Lucas apelar para o blefe a fim de ganhar tempo só piorava tudo.
Estava irado consigo mesmo por não ter previsto essa situação. Por ser investigador, ele conhecia bem o processo, afinal, ele havia chegado de repente, se hospedado sem uma data definida e começado a se engraçar com a filha do homem, era óbvio que Antônio iria buscar se informar a respeito dele. Só não entendia como Antônio conseguira essa informação, sendo que Lucas sempre fora muito cuidadoso em ocultar o próprio rastro.
Preocupado, ele repassou tudo o que ocorrera desde que se hospedara. Ele não costumava deixar nada a respeito de si na internet, seus meios de comunicação eram provisórios ou "frios" e não havia nenhum dado real na ficha que ele preenchera a não ser o seu nome e o número da CNH. Como Antônio havia descoberto?
Ele não devia ter se envolvido com Ana. Isso era tão claro quanto um gigantesco outdoor em neon piscando: "Alerta de Estupidez!", aceso desde quando botara os olhos nela e em seu cabelo embaraçado. Mas ele escolheu ignorar, ou simplesmente não pôde dar atenção aos avisos.
Ainda remoendo as palavras do homem mais velho, Lucas voltou para a suíte 7 sabendo que estava fazendo tudo errado, que não deveria arrastar Ana para dentro do seu mundo sombrio, mas não queria abrir mão dela. Ele preferia ignorar o imenso outdoor.
Assim que entrou no quarto, pegou o celular e retornou a última ligação perdida.
– Alô, Russo?
– Garcia? Como andam as coisas?
– Russo, preciso te contar algo. Você pode falar? Está sozinho?
– Por que eu não estaria sozinho? – Lucas estranhou a pergunta, já que Garcia sabia muito bem que ele estava isolado de tudo e todos.
– Cara, não sei como te dizer isso, mas eu acho que estão te vigiando de perto.
– Como assim? O que você sabe?
– Eu ouvi uma conversa aqui na delegacia. Falaram que você já tinha arrumado outra mulher e que estava morando com ela numa pousada.
– O quê? – Lucas sentiu o sangue gelar – Quem falou isso?
– Eu ouvi os rapazes conversando nos corredores, mas não sei quem contou isso para eles. Achei melhor não perguntar, não quero comprometer meu papel nessa história levantando suspeitas com perguntas.
– Você está certo. Se eu estiver sendo vigiado, então preciso tomar ainda mais cuidado. Eu vou pensar no que fazer e te retorno.
– Certo, e lembre-se: você não soube por mim.
– Jamais, fica tranquilo!
– Ah... só mais uma coisa...
– Diga.
– Você está?
– Estou o quê?
– Você sabe... com outra mulher?
Lucas pensou por um segundo antes de responder.
– Não. Eu não estou.
E desligou o aparelho. Jogou o acessório sobre a cama e começou a caminhar de um lado pro outro, aturdido. Primeiro se sentiu mal por mentir para o seu parceiro, depois especulou se de fato estava mentindo.
Estava mentindo?
Não importava. Estavam novamente falando dele na delegacia. Mais uma vez julgavam suas atitudes pelas costas e... Como diabos haviam descoberto onde ele estava? Seu celular era descartável, sem acesso à internet e impossível de rastrear, ao menos pelos métodos limitados da D.P.
Talvez isso não fosse de todo ruim. Se pensassem que ele estava apenas se aventurando com uma garota, não ficariam especulando o porquê de ele estar isolado numa pousada ao invés de ficar na própria casa.
O letreiro neon ganhou um novo texto:
"Alerta de Canalhice".
Ele bufou, resignado. Cogitar a hipótese de que sua relação com Ana poderia ser uma excelente fachada para continuar a investigação discretamente mostrou que, no fim das contas, Antônio tinha toda a razão.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro