17 - Doce na Vitrine
Três segundos. Lucas conseguiu ficar em pé na prancha por três segundos antes de desabar, e isso o deixou um pouco menos decepcionado com todo o resto. As pontas enrugadas e esbranquiçadas dos dedos revelavam que ele estava na água por no mínimo uma hora. Os olhos ardiam e os músculos estavam tensos, mas ele não se importou muito com isso.
O exercício foi gratificante. Se soubesse que surfar era tão divertido, teria levado a cabo o desejo antigo. Lucas golpeava as ondas com toda a força de sua frustração, desfazendo a irritação acumulada com a falta de evolução no caso de Alice, os pesadelos, o afastamento do trabalho, e sua relação com Ana que, embora fosse a melhor parte, era algo tão efêmero quanto o tempo que ele conseguia permanecer em cima de uma onda.
Enquanto recobrava o ar, ergueu os olhos e vasculhou os arredores, e então percebeu como apertava as pálpebras involuntariamente. Certa vez ele ouviu dizer que a íris clara costumava ser mais sensíveis à luz, talvez fosse por isso que a claridade o incomodava. Se Ana não tivesse comentado a respeito, ele nunca teria se ligado nisso.
Pensar nela o fez sorrir por um breve momento. Ana era uma das garotas mais divertidas que ele já conhecera, não se deixava intimidar com a postura fechada dele ou de qualquer outra pessoa. Ela falava o que pensava, talvez por isso foi tão fácil se aproximar dela.
Era uma pena que tivesse que se afastar.
Ao longe ele podia ver uma dezena de pessoas caminhando pela praia, três surfistas tentavam manobras ao longe enquanto outro ia deixando a água.
Não era um surfista. Era uma surfista: Ana.
Lucas não pensou direito, só saiu da água o mais rápido que pôde e caminhou em direção a ela. Conforme se aproximava, se espantava como pôde não a ter visto antes; com aquele cabelo enorme era quase impossível não a reconhecer.
Mas algo parecia diferente nela. Talvez fosse a roupa de surfe que não cobria o corpo todo desta vez, ou o modo com o qual ela segurava a prancha, abatida de um jeito que ele não se lembrava de tê-la visto antes, nem quando ficava exausta pelo esforço físico.
– Oi, pequena sereia. Está tudo bem? – ele sorriu quando se aproximou.
Ana cobriu os olhos com a mão para enxergá-lo melhor. Sua expressão era bem diferente da noite anterior. Parecia mal-humorada.
– Oi, playboy.
Ela desviou os olhos. Lucas sentiu falta do sorriso, e embora estivesse louco para tocá-la, algo o impediu de fazê-lo. Parecia um absurdo pois há poucas horas eles quase não se desgrudavam um do outro. Sem saber como agir diante do afastamento, tentou aliviar o clima entrando na brincadeira dos apelidos.
– Por que você me chama de playboy?
– Por que você me chama de pequena sereia?
– Porque você parece uma.
– Sereias não existem. Playboys sim.
– Mas... por que isso? – no começo ele achava que era só uma brincadeira inocente, mas agora o comportamento estranho começava a aborrecê-lo.
– Bermuda da Lacoste.
Ele olhou para si mesmo e se chateou um pouco com o comentário. A maior parte das roupas dele foram adquiridas por Alice, e ele não se importara muito com isso até Ana lembrá-lo de que, por muito tempo, a ex-mulher tentou transformá-lo em outra pessoa.
– São apenas roupas, Ana.
Ela deu de ombros e seguiu olhando para as ondas. Ele continuava achando que havia algo errado com ela.
– Olhei você da água. Está melhorando, parabéns. – Ela comentou com uma frieza que não lhe caía bem.
– Por que não foi me encontrar?
Ela não respondeu e ele começa a ficar irritado. Chegou mais perto e tentou segurar a mão dela, mas ela se esquivou. Ele insistiu.
– Ana, o que foi? Está tudo bem?
– Está tudo ótimo – ela lhe deu as costas e seguiu em direção ao calçadão. Confuso, Lucas correu para alcançá-la.
– Ei, espera, o que foi?
– Não foi nada, Lucas. Só estou cansada. Pode ir... fazer suas coisas – ela fez um gesto com a mão como quem espantava um mosquito. Ele ficou nervoso com a atitude dela.
– Eu fiz alguma coisa errada?
– Não. Você não fez nada errado. Aliás, você faz tudo muito bem, até surfar, que você acabou de aprender, consegue fazer bem melhor do que eu quando comecei. Eu é que não sei o que estou fazendo.
– Espere um pouco... eu não estou entendendo. Você está aborrecida porque eu estou aprendendo a surfar mais rápido do que você?
– Não, Lucas. Olha... deixa isso para lá. – Ela respondeu meio irritada, e continuou andando.
– Pode parar de andar e falar comigo? – Puto porque ela não parava de andar, ele cruzou a frente dela e bloqueou seu caminho. – Qual é o problema?
– Você, Lucas! De repente eu me dei conta de que não sei quem você é. O que você faz da vida, onde mora, se é casado ou solteiro, se tem filhos... você aparece do nada, não fala quanto tempo vai ficar, não te vejo curtindo férias, fica me rondando, o que você quer?
– Eu? Te rondando? Quem entrou no meu quarto do nada para espionar foi você!
– Depois de você ter me obrigado a te ensinar a surfar... e me beijado!
– Quem quis sair no meio da noite atrás de mim foi você! Lembro muito bem de ter sido claro quando disse que queria caminhar sozinho! Quem subiu no meu quarto para uma noite de sexo foi você, e quem me puxou para aquele depósito minúsculo e tirou a calcinha também foi você! – Ok, ele não devia ter falado desta maneira, mas controle das emoções era algo que ele havia perdido a um bom tempo – E outra, eu não te obriguei a me ensinar a surfar! – "Ok, talvez eu tenha meio que forçado um pouco." A prudência até tentou se entranhar no meio do caos emocional, mas foi muito fugaz.
Ana abriu a boca para responder, mas fechou de novo. Sabia que ele tinha mais razão do que ela, mas doeu ter seu comportamento imprudente escancarado de forma tão indelicada. Olhou de volta para ele, encarou os maravilhosos olhos verdes que a faziam questionar tudo e quase desistir de desistir, engoliu em seco e concluiu, resignada.
– Olha, Lucas. Foi legal ficar com você. Curti, de verdade, a nossa aventura – ela sentiu vergonha de reduzir os momentos mais incríveis da sua parca existência a uma simples aventura – mas você vai embora e eu vou ficar. Prefiro manter as coisas como eram antes. Não sou de fazer isso, acredite, não sou dessas que ficam se engraçando com turistas. Não sei o que me fez ser diferente com você. "Talvez esses olhos, os cabelos com reflexos dourados no sol, esse peito musculoso, essa boca deliciosa, esse cheiro de homem... foco, Ana!"
Lucas imaginou, apenas por um instante, como seria falar a verdade para ela. Como ela reagiria se soubesse que ele era recém viúvo, investigador de polícia e emocionalmente fodido. O pensamento foi descartado muito rapidamente. Não achou que valeria a pena ir por esse caminho.
– Ana, eu não devia ter falado...
– Mas é isso. – Ela o interrompeu, cansada de tentar gerir as próprias vontades. Precisava se livrar dele antes que não pudesse mais. – Não tem importância e você estava certo. Eu não espero nada de você, fica tranquilo. Você pode continuar fazendo seu trabalho, ou aproveitando suas férias, ou o que quer que esteja fazendo aqui. Você não me deve nada, está bem?
Lucas percebeu que ela facilitou em muito a sua missão de colocar distância entre ambos. Devia estar agradecido, mas ao invés disso estava irritadíssimo. Não conseguiu responder de pronto, apenas a encarou, aborrecido e desejoso como se ela fosse um doce numa vitrine.
Era o mais prudente a fazer.
Era o certo.
Então por que era tão difícil?
– Está certo. Me desculpa pela forma como falei há pouco. Só posso te agradecer... – ele gostaria de dizer muitas coisas, mas mudou a frase no meio – por ter me ensinado a surfar e por ter sido tão legal comigo.
Ana virou as costas para ele e, sem mais palavras, continuou seu caminho rumo à pousada. Ele não a seguiu mais. Quando ela desapareceu por trás de um quiosque, ele se sentiu vazio e abandonado, então falou para si mesmo o que não teve coragem de dizer a ela:
– Obrigado por me dar momentos tão divertidos; por me ajudar a realizar uma vontade antiga; por ter me dado o melhor sexo em muito tempo; por me fazer acreditar que talvez eu não seja tão fodido assim; e principalmente, por me fazer sorrir outra vez.
≈
Quando estava a uma distância segura, Ana soltou o ar e, ainda que estivesse com vontade de chorar, engoliu o bolo na garganta e se repreendeu por ser tão emotiva. Seria mais cuidadosa a partir de agora. Nada de encontros furtivos, papo furado no bar, beijos roubados e... nada de nada!
Ela chegou na pousada e foi direto para o chuveiro. Permaneceu no banho por mais tempo do que o habitual, como se pudesse fazer descer pelo ralo todo vestígio do toque dele. A tentativa de desembaraçar os cabelos cheios de sal a deixou ainda mais frustrada, tanto que ela chegou a considerar cortá-los com uma tesoura em um impulso de raiva.
Ana sabia que não era culpa do cabelo, nem mesmo de Lucas. A culpa era toda dela. A falta de objetivos, de propósito e de iniciativa jogaram ela numa constante de ação e reação sem sentido, e agora, o fruto colhido das escolhas displicentes não passava de fumaça. Ela precisava tomar medidas urgentes para mudar o rumo das coisas.
Decidida, se trocou com um capricho maior, aplicou uma maquiagem e prendeu os cabelos num coque alto. Observou o próprio reflexo no espelho e quase aprovou o que viu. Os olhos ainda pareciam tristes, não convenciam o suficiente, mas já era um começo.
Ao passar pela recepção, seu pai a abordou, surpreso.
– Está bonita hoje! Vai sair?
– Tenho uns documentos para organizar. Volto logo. — Ela pegou o notebook, colocou numa bolsa de praia e seguiu em direção a uma cafeteria localizada na mesma rua da pousada.
Ana sentia que precisava se afastar do ambiente familiar para tomar algumas decisões. A primeira delas tinha a ver com sua independência. Já havia passado da hora de pedir um quarto só para si na pousada, e ela o faria assim que retornasse.
A segunda decisão tinha a ver com sua carreira. Acomodada em uma das mesas do local, pediu um café duplo e abriu o e-mail. Há algum tempo, apenas por curiosidade, ela enviara currículos para algumas empresas, e várias respostas aguardavam em sua caixa de entrada.
Não entendia muito bem por que protelara em abrir as mensagens. Talvez fosse medo de se decepcionar ou se sentir compelida a algo para o qual ainda não se sentia pronta, mas agora ela avaliava cada uma delas, até que uma das propostas chamou sua atenção. Decidida, ela fez a ligação, e uma voz jovial a cumprimentou do outro lado da linha.
– Construtora Donatore, bom dia!
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