Capítulo 8
|| BLAIR STONE ||
Quando cheguei ao meu apartamento, a primeira coisa que fiz foi ligar para minha mãe e anunciar, sem rodeios, que passaria as minhas férias com eles, no rancho. Como eu já havia imaginado, a ideia não foi bem recebida de início. Eles argumentaram contra a minha escolha, tentando me convencer a permanecer na cidade ou a viajar para algum outro lugar.
Mas, mesmo assim, não negociei o que já havia decidido. Minha voz firme deixou claro que não mudaria de ideia. Eu sentia falta da minha casa e de tudo que ligava ao meu lar. Antes de ir dormir já havia deixado a mala pronta para partir no dia seguinte, então assim que despertei apenas me preocupei em arrumar-me e deixei para comer alguma coisa no aeroporto.
O voo até City Sunset Meadows foi tranquilo. Ao descer do avião, senti uma onda de emoção ao vê-los novamente. Meus pais me esperavam com uma plaquinha, um sorriso largo no rosto e os braços abertos para me receber.
— Seja bem-vinda, filha. — meu pai diz enquanto me abraçava.
Após a recepção calorosa, nos dirigimos para fora do aeroporto, em direção ao carro.
Quando chegamos ao carro, não pude deixar de sorrir ao ver que ainda era a caminhonete listrada do meu pai. Aquela caminhonete era quase uma extensão da nossa família, e a queridinha do meu pai. Na parte de trás da caminhonete, a minha bagagem foi depositada, ao lado da caixa de ferramentas. Durante o trajeto, as lembranças da infância começaram a invadir minha mente — os passeios em família, os piqueniques no parque e as festas de aniversário. A cada curva, cada estrada familiar que passávamos, eu me sentia mais conectada à minha história e ao lugar onde cresci.
Eu estava feliz por estar de volta. Aquele sentimento de pertencimento pulsava forte no meu peito.
O verde vibrante das árvores se destacava sob a luz do sol, criando um manto natural que envolvia a estrada. O cheiro da terra fresca e das folhas revigoradas pelo vento preenchia o ar.
Os campos se estendiam em direções opostas, pontilhados por cavalos que pastavam tranquilamente, com seus movimentos suaves e elegantes. Às vezes, um deles levantava a cabeça, observando nossa passagem com curiosidade. Boizinhos também podiam ser vistos ao longe, se movendo devagar ou ruminando a comida. A luz do sol começava a se aproximar do horizonte, criando um espetáculo de cores quentes que iluminava a paisagem e deixava tudo ainda mais fascinante.
Eu não conseguiria descrever City Sunset Meadows da forma como merecia ser descrita. As palavras pareciam pequenas diante da grandiosidade do lugar. Cada canto exibia uma beleza singular, desde as árvores majestosas que se erguiam como guardiãs do tempo até os campos vastos. As paisagens eram um mosaico de cores, com flores silvestres brotando em meio ao capim e o farfalhar das folhas e o canto dos pássaros, trazia vida àquele lugar.
Mesmo com toda essa beleza que absorvia ainda era difícil capturar a sua essência em palavras. Era de fato inigualável.
*
A entrada do rancho, com sua porteira de madeira desgastada pelo tempo, era um testemunho silencioso das décadas que passaram. O caminho de cascalho serpenteava em meio à paisagem. As árvores que flanqueavam o caminho cresceram, seus troncos robustos e copas frondosas oferecendo uma sombra protetora. O cheiro de flores que minha mãe cultivava preenchia o ar, trazendo uma explosão de cores e vida ao redor da entrada. À medida que seguíamos pelo caminho, a casa se revelava em toda a sua beleza rústica. As paredes de madeira clara e telhado de cerâmica vermelha, mantinha o charme rústico. A varanda, com cadeiras de balanço e flores coloridas em vasos, era um convite para passar horas apreciando o pôr do sol ou à vista à nossa frente.
Enquanto o carro parava, senti meu coração acelerar. Foi inevitável não lembrar do que me fez ir embora e do que precisei enfrentar na casa da minha tia em Nova York, longe dos meus pais e sozinha. Respirei fundo afastando os pensamentos e me concentrando no presente, no agora.
— Do jeito que lembrava. Nada mudou. — comentei enquanto olhava tudo ao meu redor.
— A não ser pelo celeiro e estábulo, o resto está igual. — disse minha mãe.
Subimos as escadas juntas enquanto meu pai vinha atrás trazendo a minha mala, ao abrir a porta tomo um susto quando nossos familiares gritam surpresa e a luz acende. Um grande cartaz está pendurado com a frase “ Seja bem-vinda, Blair”. Sorrio emocionada com a recepção calorosa que se estendem a abraços e lembrancinhas.
— Você chegou no melhor dia — disse minha prima, com os olhos brilhando de entusiasmo. — Dia do festival de luzes e cores. Agora tenho com quem ir…
— Eu mal posso esperar! — respondi, imaginando a música, as cores vibrantes e as luzes cintilantes que iriam transformar a cidade em um espetáculo mágico.
— Você ainda não pediu aos seus pais, Flora.
— Mãe… — lamentou.
— As coisas são como são. — deu de ombros e sorriu divertida.
Flora olhou de lado para mim e sussurrou:
— Passo aqui para te buscar, as 19:00 horas. — assenti prendendo o riso.
Minha prima era determinada quando queria algo e se ela queria sair, ela conseguiria. Porque era muito fácil dobrar o seu pai, a dificuldade maior dela seria convencer a sua mãe. Mas acredito piamente que a sua cabecinha já estava trabalhando nas estratégias mirabolantes para convencer a sua mãe. Conversei um pouco com cada pessoa que estava ali, as crianças estavam espalhadas correndo ou brincando em algum canto da casa. Depois do almoço os parentes foram embora, restando apenas eu e meus pais.
Olhei para os meus pais, que estavam organizando as coisas na mesa.
— O festival ainda é tão especial quanto eu me lembro? — perguntei, tentando puxar conversa.
Minha mãe sorriu, os olhos brilhando com a lembrança.
— Talvez até mais. Eles têm feito coisas novas nos últimos anos, mas a essência é a mesma. Música, cores, pessoas reunidas... É impossível não se sentir contagiado.
— É verdade — meu pai completou. — A praça fica lotada, e aquele show de luzes…
— A Flora quer que eu vá com ela. — comentei, escolhendo as palavras com cuidado. — Acho que será bom lembrar como é as coisas por aqui.
— Blair, é claro que entendemos a sua vontade. Mas... você acabou de chegar. Foi um dia cansativo, cheio de emoções. Não acha melhor descansar um pouco antes de se lançar em algo tão movimentado? — A voz dela era gentil, mas cheia de cautela.
— Eu entendo, mãe, e realmente estou cansada. Mas... estar aqui, voltar para tudo isso, me faz querer aproveitar cada momento.
Meu pai cruzou os braços, o semblante pensativo.
— Não é que não confiemos em você, Blair. Só nos preocupamos. Você esteve longe por tanto tempo…
Assenti devagar, compreendendo o que eles sentiam.
— Eu sei que vocês se preocupam, e eu agradeço por isso. Mas prometo que vou ficar bem. Vou com a Flora, ficaremos juntas o tempo todo.
Ela olhou para meu pai, que apenas deu de ombros, deixando a decisão para ela.
— Está bem — disse ela, por fim. — Desde que você descanse antes de ir, e volte assim que terminar o festival.
— Obrigada, mãe. Obrigada, pai. Prometo que serei responsável. — disse animada e beijando e abraçando eles.
Minha mãe me encarou com firmeza, mas havia um pequeno sorriso em seus lábios.
— Ok, Ok… — disse minha mãe divertida — Blair, só me prometa que não chegará perto da área reservada para prefeitura.
— Eu prometo, mãe. Não tem nada lá que me interesse. — respondi mesmo sem entender o seu pedido.
Minutos depois, segui para o andar de cima, meu quarto estava do jeito que me lembrava. Apenas a colcha demostrava ter sido trocada para minha hospedagem.
Deitei-me na cama, sentindo o conforto do colchão. Fechei os olhos por um instante, permitindo que o cansaço do dia finalmente me alcançasse.
*
Acordei com Flora no meu quarto, me chamando baixinho para não me assustar. Quando olhei para a janela, me deparei com a noite lá fora, silenciosa e repleta de estrelas que brilhavam como pequenos diamantes no céu. A luz da lua filtrava-se através das cortinas, iluminando suavemente o quarto.
— Blair, você está acordada? — sussurrou Flora.
— Agora estou — respondi, tentando espreguiçar-me enquanto a sonolência ainda pairava sobre mim.
Ela estava animada, seus olhos estavam cintilando com a empolgação da noite que se desenrolava lá fora.
— Vamos, o festival logo começará! — exclamou, mal conseguindo conter a alegria. — Não quero perder nada!
Balancei a cabeça concordando com ela e me arrastei para o banheiro para tomar um banho rápido. Assim que terminei, enxuguei-me rapidamente e vesti o vestido branco que havia escolhido para a ocasião. O vestido branco tinha o comprimento até o joelho, as alças dobradas remetiam ao estilo grego, feito de um tecido leve e diáfano que cria a uma ilusão de nuvens em movimento. A saia fluida é composta por camadas finíssimas de tecido que se sobrepõem suavemente, formando curvas delicadas que flutuam ao redor do corpo, como se fossem moldadas pelo vento. A sandália baixa cruzava o tornozelo, modelo simples para que o vestido ficasse em destaque.
— Estou pronta. — disse após escovar meus cabelos.
— Ah, não mesmo. — disse balançando a cabeça. — Vamos, sentem-se. Irei cuidar de você agora.
Suas mãos começaram a mexer no meu cabelo. Flora começou a trançar algumas mechas do meu cabelo, criando um penteado que combinava perfeitamente com o vestido leve e esvoaçante. Ela fez duas tranças delicadas nas laterais, puxando os fios com sutileza e deixando algumas mechas soltas emoldurando meu rosto.
No centro da cabeça, as tranças se encontraram e foram unidas em um coque baixo. Nos olhos, escolheu sombras em tons suaves de lavanda e pêssego, que faziam o verde das minhas íris se destacar ainda mais. Para finalizar, aplicou um batom nude que realçava a naturalidade do visual.
— Perfeito — disse, encantada com o resultado. — Você está parecendo uma deusa, como se tivesse saído de um livro de fantasia.
— Não exagera, Flora — respondi, com um sorriso tímido. — Mas obrigada.
— Sério, você está linda!
— Você também está deslumbrante. — respondi.
Flora usava um vestido branco tomara que caia com decote em forma de cochas, chegando até o meio das coxas. Ajustado no corpo mas com ondas suaves na saia. Assim que desci as escadas meus pais estavam na sala e ao nos ver, elogiou e desejou-nos um bom festival.
— Hoje vamos dormir fora. — avisou enquanto descíamos as escadas.
— O que? — estanquei no lugar.
— Fale baixinho. — disse ao virar pra mim e olhar para trás de mim. Temendo que meus pais tivesse escutado. — Já conversei com seus pais, falei que vamos dormir na casa de uma amiga minha devido o horário que o festival termina.
— Flora, o que você pensa em fazer? — questionei enquanto seguia seus passos até o seu carro.
— Me divertir. — respondeu simplesmente. — Hoje vamos nos divertir, Blair.
*
Meus olhos brilharam ao avistar o local todo decorado. A praça, uma mistura de cores vibrantes e luzes cintilantes, parecia ter sido transformada em um sonho. As luzes penduradas nas árvores dançavam suavemente com a brisa da noite, criando um efeito quase etéreo, como se estrelas tivessem descido à Terra para nos acompanhar. As mesas, elegantemente adornadas com toalhas de tecidos coloridos e arranjos florais, traziam à tona a essência da celebração, prometendo um banquete de sabores e aromas irresistíveis. O cheiro das iguarias locais invadia meus sentidos, fazendo meu estômago roncar de expectativa.
Flora começou a andar em direção a uma área VIP, e eu a segui, prometendo a mim mesma que voltaria assim que possível para provar das iguarias que exalavam aromas irresistíveis. Enquanto caminhávamos, mal podia esperar pela abertura oficial do evento. Assim que as luzes se apagassem momentaneamente, uma chuva de cores cairia do céu, preenchendo o ar com uma explosão de pigmentos que dançariam ao som da música que começaria a tocar.
Na área VIP, Flora foi ao encontro de um rapaz que a esperava. Assim que o avistou, seu rosto se iluminou com um sorriso contagiante. Ela se aproximou e o abraçou calorosamente, e ele retribuiu o gesto com um carinho dobrado, envolvendo-a em seus braços como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Fiquei ali por um instante, observando os dois, antes de decidir me afastar um pouco. Enquanto tentava achar a saída digitei uma mensagem para minha prima, avisando que se precisasse de mim era só mandar uma mensagem. Algo esbarra em minhas pernas fazendo-me desequilibrar e quase cair.
— Aí… — resmungou massageando a cabeça.
A miniatura olha pra mim e seus olhos se arregalam.
— Você é uma fada. — diz encantada.
— Talvez. — respondi, e sorri encantada com seu comentário. — Você está bem? — perguntei me abaixando para ajudá-la a se levantar.
— Te encontrei, sua petulante. Eu já lhe disse que você tem que me obedecer, Ellen. — ela disse, a voz firme e autoritária, como se estivesse acostumada a ter o controle total da situação.
A garotinha, no entanto, manteve a cabeça erguida, seu olhar determinado.
— Eu quero o meu pai! — ela respondeu, a voz tremendo um pouco, mas cheia de bravura.
O clima ficou tenso, e eu me vi em um dilema. Deveria intervir ou deixar que a situação se resolvesse sozinha? Respirei fundo, sendo intrometida e entrando em história alheia.
— Olha, talvez você devesse considerar a forma como está falando com ela — tentei aconselhar, tomando coragem para enfrentar a mulher. — Ela só quer ver o pai.
A mulher virou-se para mim com uma expressão de desdém, como se eu fosse irrelevante.
— E quem você pensa que é para me dizer como lidar com minha filha? — ela cortou, a voz carregada de desprezo. — Você não sabe nada sobre nós.
Senti um frio na barriga, mas não deixei que isso me impedisse de continuar.
— Eu entendo que você esteja preocupada, mas gritar não vai ajudar.
— Você não tem ideia do que está acontecendo aqui! — ela retrucou, a frustração transparecendo em seu tom. — Então, melhor se manter fora disso. Antes que eu grite e espalhe que você estava tentando sequestrar a minha filha.
Aquelas palavras me deixaram sem reação. Eu só queria ajudar, mas percebi que aquela mulher não estava disposta a ouvir.
— Vamos, Ellen — disse a mulher, puxando a menina para longe. Sua voz era firme e autoritária, sem espaço para contestação. Eu não pude deixar de sentir um aperto no coração ao ver a expressão assustada da criança.
— Mas eu só quero ficar com ele! — ela insistiu, a voz embargada.
A mulher puxou Ellen com mais força, ignorando completamente o desespero da filha.
— Não é hora para isso. Vamos logo! — ela ordenou, o tom cortante de sua voz ecoando no ar.
Eu apenas assisti, sentindo o coração apertar ao ver a cena se desenrolar. Enquanto a mãe de Ellen se afastava, não consegui evitar o sentimento de impotência que se apossava de mim. Como alguém poderia ser tão insensível, especialmente para com uma criança, sua própria filha?
Depois do que vi e ouvi o ânimo para o festival diminuiu drasticamente. Sai da área vip e andei em direção às mesas de comidas típicas e enquanto montava um pratinho, senti que estava sendo observada. Olhei à minha volta mas não encontrei nada estranho.
Balancei a cabeça, tentando afastar a inquietação.
— Blair! — Ouvi meu nome ser chamado por uma voz familiar. Me virei um pouco, espiando por cima do ombro, e um sorriso nasceu automaticamente no meu rosto ao ver Ruan vindo em minha direção. — Quanto tempo! — ele exclamou, os braços já se abrindo para me envolver em um abraço.
— Você por aqui? — eu disse, ainda sorrindo. — Achei que já tivesse ido embora há anos.
— E fui, mas acabei voltando e tudo foi acontecendo — Ele riu, se afastando só o suficiente para me olhar. — Mas e você? Achei que nunca mais te veria por aqui.
— Pois é... Decidi passar minhas férias por aqui. Estava com saudades de casa. — comentei, sem entrar em detalhes. — E você? O que anda aprontando, sr delegado?— perguntei ao ver seu distintivo.
— Ah, nada muito diferente. Só vivendo... e tentando entender como você continua igual depois de tanto tempo. Sério, Blair, é como se você nunca tivesse ido embora.
Soltei uma risada leve, sentindo-me estranhamente confortável na companhia dele.
— Não exagera, Ruan. Eu mudei bastante.
Flora surge no meu campo de visão com passos rápidos, interrompendo minha conversa com Ruan.
— Oi, Ruan. — cumprimentou-o, o mesmo apenas acenou para ela. — Imaginei que estaria aqui.
— Onde mais estaria? — perguntei o óbvio.
Ela revirou os olhos antes de sorrir.
— Já vai começar. — avisou.
— Eu conheço um bom lugar para assistir a abertura. — Ruan se pronunciou.
— Onde? — Indagamos juntas, ansiosa até demais.
— Me acompanhem.
Assenti, e juntos descartamos os pratinhos que seguramos no lixo próximo. Enquanto caminhávamos para a praça principal, o som das pessoas animadas e das músicas de fundo ia crescendo. A cidade estava parada devido o festival, era um momento que todos se misturavam e não havia diferenças. A grande praça central da cidade estava lotada, havia duas áreas reservadas que era destinada para a comitiva do prefeito e algumas autoridades locais. Estavamos indo em direção à segunda área destinada ao poder legislativo e sinto minha mente alertar ao entender que Flora havia indo para a área reservada ao prefeito.
Mas o que havia lá que minha mãe fez prometer para não pisar lá?
A música foi substituída por um boa noite animado, estanquei no lugar achando ter ouvido errado. Aquela voz era familiar demais.
— Blair, vamos. — Flora puxou a minha mão, arrastando-me com ela até o espaço privilegiado que as autoridades tinham.
Só o prefeito faz abertura dos festivais e…
— Flora, quem é o prefeito? — pergunto quando adentramos a área.
— É o Cassius Davenport. — diz no mesmo momento que meus olhos o veem no palco.
— Meninas fiquem à vontade. — Ruan diz e entrega a nós crachás que permitirá a nossa entrada. — Preciso sair, mas se precisar é só ligar para mim. — diz e deixa entrega seu cartão contato.
Assinto, sem tirar os olhos do palco e ainda em choque com a revelação. Ouço seu discurso, vejo sua alegria e sorrisos lançados para a população e esqueço como se respira.
— Eu achei que você sabia. — Flora diz baixinho.
— Eu não sabia. — digo, a constatação da realidade pesa sobre mim como uma nuvem densa. O que mais eu não sabia? O que mais Cassius havia se tornado sem que eu soubesse?
— Se desejar podemos ir embora. — disse preocupada.
— De maneira alguma. Eu vim aqui para me divertir. — falei.
Seu belo discurso sobre o festival chega ao fim, e logo atrás dele surge aquela miniatura loira acompanhada da mãe. Meu corpo todo sente o baque daquela revelação enquanto meus olhos testemunham a cena do palco. Ele pega a menina no colo e a beija na bochecha, sua expressão muda quando a mulher toca em seu ombro e beija o seu rosto. Uma expressão seria em resposta ao contato da esposa mas apesar disso aquela era a família dele.
Sinto o ar faltar nos meus pulmões, como se cada batida do meu coração estivesse ecoando em um abismo. Ele tinha voltado para minha vida, derrubado as minhas muralhas, e nesse tempo todo ele era casado. Ele possuía uma família
Busco força para manter-me de pé, quando sua voz surge novamente dessa vez agradecendo o apoio e a presença do legislativo. Quando seus olhos param em mim ele fica sem palavras, sem acreditar que de fato eu estava ali. Enquanto me afasto, ouço o estrondo dos fogos de artifício explodindo no alto do céu, cores vibrantes pintando a noite.
Além dos fogos, as tintas em pó foram lançadas, criando uma grande e densa nuvem de fumaça colorida. Uma banda já havia adentrado o palco, o som da música pulsando forte, e as pessoas pulavam e dançavam como se não houvesse amanhã. Eu tentava, inutilmente, passar pela grande massa de corpos agitados, meu coração ainda acelerado pela cena que acabara de presenciar. Flora vinha atrás de mim, ela chamou, mas sua voz parecia se perder na mistura de risos, gritos e a música alta que invadia nossos ouvidos. Senti sua mão buscar a minha, e com agilidade, ela me puxou em outra direção, mas eu mal conseguia seguir.
A verdade é que não sabia mais que caminho pegar, não conseguia ver com exatidão devido à fumaça de tinta que nos cercava. A fumaça de tinta tornava tudo ao meu redor indistinto, e minha mente, ainda atordoada pela revelação de Cassius, mal conseguia processar o que estava acontecendo.
Finalmente, Flora conseguiu me puxar para o lado, afastando-nos do tumulto. Meu vestido estava em um mosaico de cores intensas e quem visse não imaginaria que sua cor oficial era o branco.
As lágrimas brotaram, quentes e incontroláveis.
Eu confiei meu coração a ele novamente, fui tão idiota, ingênua e ele pisou mais uma vez. Respiro fundo e enxuguo meu rosto com o dorso da mão.
— Blair! — paraliso ao ouvir a sua voz carregada de medo e preocupação.
Não me viro para vê-lo mas pelo olhar da minha prima sei que ele está mais próximo de mim agora. Eu não queria que ele me visse desestabilizada, afetada e em pedaços.
— Precisamos conversar. Não é o que parece ser. — disse cauteloso.
Eu continuei de costas, as palavras presas na garganta.
— Blair, por favor — ele pediu, um toque de desespero em sua voz. — Apenas olhe para mim.
A voz dele era quase um comando, mas também uma súplica. Por fim, me virei lentamente. O olhar de Cassius era intenso, cheio de uma mistura de preocupação e anseio.
— Vamos para um lugar reservado. Poderemos conversar lá sem qualquer interrupção — sugeriu Cassius, mas sua proposta caiu em ouvidos surdos.
A dor e a traição ferviam dentro de mim, uma tempestade que precisava ser liberada. Sem pensar, avancei em sua direção, desferindo golpes, um atrás do outro.
— Como você se atreve a me procurar depois de tudo? — gritei, a frustração tomando conta de mim
Cassius permaneceu parado, não se afastou, ele deixou que eu extravasasse, permitindo que as lágrimas fluíssem como um rio indomável. Cada tapa e soco que eu lhe dava eram tentativas de me livrar do sofrimento que ele havia me causado.
Depois de alguns momentos de fúria, quando minha energia começou a se esgotar, Cassius finalmente se aproximou, segurando suavemente meus pulsos.
— Blair, escute. — disse brando. — Você precisa me ouvir.
— Te ouvir? Pra quê? Para ouvir mais mentiras?
— Não, para saber de fato quem eu sou! — disse firme. — Flora, sabe bem o que estou dizendo.
Olhei para minha prima confusa.
— Você precisa ouvi-lo, Blair. — disse e pela primeira vez não havia aquele semblante divertido do habitual.
— Até você? — indaguei chocada.
Como minha própria prima poderia apoiar isso? Casado. Mentiroso. Um safado!
— Tudo tem uma razão. — respondeu.
— Que se dane. Não ficarei aqui ouvido mais mentiras.
Girei os calcanhares e marchei para longe deles, mas não fui muito longe, logo senti meus pés perderem o contato com o chão e um braço forte se fechou ao redor da minha cintura.
— Cassius! — protestei, socando suas costas, me debatendo com toda a força.
— Você sempre teve esse gênio difícil — ele resmungou, segurando-me com firmeza.
— Me coloque no chão agora!
— Nem pensar. Você não me escutaria de outro jeito.
— Seu troglodita arrogante! — rosnei, tentando me contorcer, mas sua pegada era inabalável. — Me coloque no chão. — falei entre dentes, a raiva fervendo dentro de mim.
Ele continuou se fazendo de surdo aos meus protestos e por um momento parei de debater, logo ele me colocou dentro da SUV preta, tentei abrir a porta do outro lado, mas Cassius foi mais rápido. Antes que eu pudesse fugir, sua mão deslizou até minha cintura e me puxou de volta para perto de si.
Meu peito arfava de frustração.
Céus, que pesadelo era aquele em que me encontrava.
— Grrr…. — Grunhi irritada. — Você não pode simplesmente me sequestrar!
Ele riu, um som rouco e irritantemente charmoso.
— Sequestrar? — repetiu, lançando-me um olhar de lado. — Você já esqueceu que, quando eu te peguei nos braços, você se encaixou tão bem que até parou de resistir?
Meu rosto pegou fogo.
— Isso é um absurdo!
Ele sorriu de lado, mas não respondeu.
Avancei para o outro lado do banco, ficando longe dele. Abrir a porta era inútil pois estavam travadas e nem podia gritar por socorro por ninguém ouviria. A suv dirigiu para longe da praça e não sabia quanto tempo se passou, mas o silêncio dentro do carro fazia cada segundo parecer uma eternidade. Eu não queria olhar para Cassius, não queria sentir a presença dele ao meu lado, tão perto e, ao mesmo tempo, inalcançável.
Quando finalmente o veículo desacelerou, ergui os olhos e vi um prédio imponente surgir à minha frente. Discreto, mas claramente reforçado. Câmeras piscavam discretamente nas laterais, muros altos cercavam a área, e seguranças se posicionavam em pontos estratégicos.
Cada detalhe gritava sigilo e controle absoluto.
A SUV entrou no estacionamento subterrâneo e parou suavemente. O som das portas destravando me trouxe de volta ao presente. Cassius saiu primeiro, mas eu permaneci no banco, imóvel, com o peito pesado. Ele deu a volta e abriu a porta ao meu lado, a mão apoiada no teto do carro, me observando de cima.
— Blair, você precisa sair. — Sua voz era firme, mas não dura.
Cruzei os braços, fincando os pés no chão do carro.
— E se eu não quiser? — retruquei, cruzando os braços, decidida a manter minha posição.
É, eu sei, pareci uma menininha. Mas estava magoada e não queria ouvi-lo.
Cassius soltou um suspiro baixo e, sem qualquer hesitação, se inclinou, invadindo meu espaço. Seu perfume amadeirado envolveu o ar ao nosso redor, intoxicante e irritantemente cheiroso.
— Não é uma questão de querer. Você precisa sair.
Outro carro estacionou ao lado, e eu vi Flora descer apressada. Meu olhar encontrou o dela, e foi impossível ignorar a tensão estampada em seu rosto. Ao lado dela estava o mesmo homem que apareceu no início da noite.
Traição.
A palavra explodiu na minha mente, alimentando a fúria em meu peito.
— Blair, você pode confiar em mim — Flora se aproximou, o tom cuidadoso, como se eu fosse uma bomba prestes a explodir.
Eu ri, um som curto e amargo.
— Engraçado. Porque não parece que posso.
E eu não iria sair!
Cassius não me deu tempo para discutir. Num movimento rápido e calculado, me ergueu do banco, me jogando sobre seu ombro como se eu não passasse de um fardo leve.
— Cassius! — gritei, socando suas costas. — Me coloque no chão, agora!
Ele ignorou meus protestos, segurando firme minhas pernas para que eu não me debatesse tanto. Minha visão estava de cabeça para baixo, o mundo girando enquanto ele me carregava pelo estacionamento como se eu não passasse de um problema a ser contido.
— Isso é sequestro, seu lunático!
— Não. Isso é garantir que você me escute.
Senti seu corpo vibrar com a resposta, a voz grave e controlada.
— Flora! — tentei apelar para minha prima, esticando a mão em um pedido mudo de socorro.
— Sinto muito, prima — ela murmurou, sem sequer tentar disfarçar a culpa.
Bufei.
Ele me carregava em direção a um elevador de aço escovado, com um painel digital iluminado ao lado. Ao seu lado, Flora caminhava em silêncio, seu olhar pesado sobre nós.
— Você poderia pelo menos fingir que se importa, Flora! — disparei, ainda tentando me soltar.
Minha prima suspirou, pressionando o botão do segundo elevador ao lado.
— Eu me importo, Blair. Mas não posso te ajudar dessa vez.
As portas do elevador dela se abriram primeiro, e ela entrou sem me encarar. O estranho que a acompanhava seguiu logo atrás, e antes que eu pudesse gritar qualquer coisa, as portas se fecharam, separando-nos.
Meu coração martelava no peito quando percebi que agora estava sozinha com Cassius.
Ele finalmente me colocou no chão, mas antes que eu pudesse reagir, suas mãos grandes seguraram minha cintura, me impedindo de me afastar. O elevador atrás de nós se abriu silenciosamente.
— Para dentro, Blair. — Sua voz era baixa, mas cheia de autoridade.
— Você não pode me obrigar.
— Posso. Mas prefiro que entre por vontade própria.
Nossos olhares se prenderam, um duelo mudo acontecendo entre nós. Meu peito subia e descia, meus punhos ainda cerrados, o sangue fervendo nas veias.
Cassius esperou, sem soltar minha cintura, como se soubesse que eu cederia.
E eu cedi.
Bufei, arrancando seu toque de mim e entrando no elevador com passos firmes.
— Você é um desgraçado.
— E você é teimosa. Mas isso eu sempre amei em você. — Disse se aproximando muito, ao ponto de engolir o ar à nossa volta.
Eu queria afastá-lo. Queria gritar, socá-lo, quebrar essa barreira invisível que ele sempre conseguia criar ao meu redor. Mas ao invés disso, minha respiração ficou presa na garganta.
Cassius ergueu a mão devagar, como se esperasse que eu me afastasse. Mas não me mexi. Seus dedos roçaram a lateral do meu rosto, descendo até o contorno do meu queixo.
— Entre todas as tempestades que enfrento, você é meu porto seguro.
Fechei os olhos por um segundo, odiando o efeito que suas palavras tinham sobre mim. Odiando o modo como meu corpo ainda o reconhecia como lar, mesmo quando minha mente gritava para fugir.
O elevador parou com um leve tremor, e Cassius se afastou, antes que as portas se abrissem com um suave “ping”. Flora nos aguardava na plataforma, e a visão que se descortinava à minha frente era digna de um thriller de espionagem, algo que eu jamais imaginaria vivenciar.
Paineis de controle alinhavam-se em uma sinfonia de tecnologia avançada, com telas que piscavam informações em tempo real. O lugar estava pulsando com vida: pessoas uniformizadas moviam-se como engrenagens de uma máquina bem lubrificada, suas vozes eram sussurros urgentes enquanto digitavam rapidamente em computadores, cada um em sua própria dança frenética.
— Seja bem-vinda ao nosso centro operacional. — disse Flora.
O espaço era banhado por luzes frias, refletindo nas superfícies metálicas e criando um ambiente quase clínico. Mas a atmosfera estava longe de ser estéril; era eletricamente carregada, como se o ar estivesse repleto de segredos não revelados. A cada passo que eu dava para chegar na borda da plataforma, a adrenalina pulsava em minhas veias, e a tensão parecia me envolver como uma teia invisível.
— O que é isso? — perguntei, minha voz soando mais fraca do que eu pretendia, como se as palavras estivessem sendo arrancadas de mim.
— Estamos em uma unidade especial do governo. — Flora respondeu com uma naturalidade desconcertante, como se isso fosse algo comum, como ir ao supermercado.
Meu olhar vagueou, tentando processar a magnitude do que estava diante de mim. Ao passar pelas diversas estações de trabalho, pude sentir a tensão no ar. Assim que chegamos a uma sala de reuniões isolada, Cassius fechou a porta atrás de nós. A sala era pequena, com uma mesa retangular e algumas cadeiras, além de uma tela que exibia gráficos e mapas.
— Agora podemos falar. — ele disse, e a intensidade em seu olhar fez meu coração acelerar.
— O que você tem para me falar, Cassius?
Ele respirou fundo, como se estivesse se preparando para contar a verdade sobre um segredo obscuro, um fardo que pesava sobre seus ombros. Flora se acomodou em uma cadeira, seus olhos fixos em nós, enquanto busquei me sentar, sabendo que estava prestes a ser arrastada para um turbilhão de revelações.
— A verdade. Apenas a verdade. — ele disse, e cada palavra parecia um aviso, como se estivesse prestes a abrir a porta para um mundo que eu nunca soube que existia.
*
5261 palavras.... ❤️❤️
Vocês estão preparadaaaas para o ponto de vista de Cassius?
Preparaaaa o coração 💗💥💣
Até a próxima leitura <3
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