CAPÍTULO 5 - EM ALGUM LUGAR DO PASSADO (ALEX)
Cauã e eu saímos escondidos de um dos alojamentos do Instituto de Pesquisa Fluvial e Ecologia Amazônica. Mesmo se estivesse acordada, Alana não se importaria com o fato de nosso filho de onze anos estar se aventurando em um passeio de canoa na região em volta do que era conhecido como a área protegida do Parque do Rio Negro.
Na verdade, Alana também se aventuraria. Isso fazia o estilo dela! Quando a vi pela primeira vez, detectei seu espírito aventureiro. Ela estava dando uma pequena demonstração do seu amor pela profissão. Um grupo de biólogos — sendo Alana a única mulher — arrastava cuidadosamente um pesado e grande peixe-boi para fora de uma canoa.
Ele estava visivelmente debilitado e com vários ferimentos cortantes. O grupo parecia esperar pelas ordens de Alana, que era rápida, firme e decisiva. O animal tinha sido libertado de uma rede de pesca, e a garota parecia determinada a salvar a sua vida. Eu tinha acabado de chegar ao Instituto para algum tipo de "Amostra ambiental" — até hoje não sei o que fui fazer naquele lugar! Estava de folga das aulas de mergulho. Um oceanógrafo a serviço da Marinha, aprendendo a mergulhar em ecossistemas aquáticos amazônicos!
Vindo eu de um típico bodozal *num bairro pobre da capital amazonense, parecia impossível alcançar essa meta. O que passa na cabeça de um curumim amazonense ao sentir o intenso desejo de explorar oceanos, sendo que mora num lugar cercado por rios? São peculiaridades que me tornavam alvo de muita zombaria na minha gigante família.
Minha vida inteira tem sido realçada com o que eu chamo de "misturas peculiares". Dentre os componentes dessa massa de vida, o soldado indomável e solitário foi o que chamou a atenção de Alana.
Sem hesitar, eu me atirei no lago e incluí meus braços no conjunto de forças que tentavam levantar o pesado animal. Enquanto me posicionava ao lado de Alana, ela direcionou rapidamente seus olhos esverdeados para os meus ombros — a parte de mim que sua vista alcançava. Minha expressão facial não era diferente das demais. Parecia que cada um estava carregando o animal sozinho. Mesmo assim, abri um largo sorriso para Alana.
Eu parecia mais um bobão que viu a garota mais linda do mundo. Alana levantou levemente a aba de seu chapéu de passeio cor de creme. Mesmo com a sombra do chapéu, era possível notar o brilho de seus olhos. Ela tirou o chapéu, desviou o olhar, prendeu rapidamente seu cabelo castanho-claro em um rabo de cavalo improvisado e se afastou para apanhar os restos da rede de pesca e uma caixa térmica na canoa.
Sua camisa cardigã bege estava aberta, exibindo a camiseta verde clara. Alana se deu ao luxo de encolher sua calça comprida e escura até os joelhos. Quando a olhei de longe, um pequeno sinal marrom no canto da boca pareceu realçar um leve sorriso seu.
Alana injetou alguma coisa na região próxima à nadadeira esquerda do peixe-boi e pediu extremo cuidado no processo de locomoção. Está aí! A primeira página de nossas aventuras. Nosso casamento, em uma praia banhada pelo escuro Rio Negro, foi marcado pelo estilo rústico/amazônico. Ele rodearia nossas vidas, incluindo a de Cauã, nascido um ano e meio depois.
Os pais de Alana foram decisivamente contrários à nossa decisão de criarmos Cauã em meio ao nosso ambiente de trabalho. Já meus pais adoravam passar os fins de semana no Instituto, na companhia do neto. Eles cresceram em meio rural. Cauã adorava ouvir as histórias da vovó, sobre como ela havia escapado de ataques de sucuris e sobre os saltos no rio a partir do giral do casebre de madeira na época da cheia.
Nossa casa foi construída no mesmo terreno dos pais de Alana, mas, sinceramente, não era o que eu queria. Fizemos isso para dar aos avós maternos de Cauã um alívio momentâneo. O Instituto de pesquisa à beira de um grande lago, com firmes plataformas estendendo-se sobre a superfície das águas, formando tanques de água natural, foi praticamente deixado como herança para Alana pelo doutor-chefe Jaime Onill, que ergueu o lugar no meio da selva amazônica, com recursos próprios. Aos poucos, as instalações foram ampliadas e reformadas graças ao apoio de patrocinadores.
Antes de deixar a região amazônica — o lugar que ele tanto amava — para tratar do câncer, Onill fez Alana prometer que não abandonaria a instituição. Ele garantiu a ela que não haveria disputas pelo domínio do Instituto, já que ele deixaria documentos registrados e assinados, atestando o direito de sua pupila dirigir o lugar.
Onill também usava, há alguns anos, as alas do complexo flutuante para ações filantrópicas. Por alguma razão, dizia que Alana era a única pessoa no mundo que não transformaria o Instituto em uma organização com fins lucrativos.
O lugar, então, virou nosso lar. Foi nesse meio que nosso filho cresceu. Um grupo de jovens estudantes de mestrado da Irlanda o apelidou carinhosamente de Tarzan boy, por causa da sua íntima e até assustadora relação com a natureza. Aos oito anos, Cauã mergulhava com botos que investigavam as redondezas do Instituto em busca de comida e acabaram se familiarizando com as pessoas que visitavam o lugar.
Mesmo com o intenso cuidado de Alana, ele era queimado de sol. Sua pele clara era realçada com tons de vermelho. Eu acreditava fortemente que, por ter herdado a cor castanho-escuro dos meus olhos, Cauã não precisava de tanta proteção para os olhos. Eu estava errado, claro!
O cabelo preto dele disputava com algumas mechas queimadas. "Meu deus, olha a cara desse menino!", repetia minha mãe toda vez que vinha para o Instituto. Então, ela encharcava o garoto de protetor solar.
Cauã estudava em uma escola na capital, há quilômetros do Instituto. Demorou um pouco mais do que o normal até decidirmos que ele estudaria na cidade grande. Alana o ensinou muitas coisas desde pequeno. No seu primeiro dia de aula, ele já sabia ler, escrever e realizar operações matemáticas.
A escrita entrou na vida dele não apenas como um aprendizado comum. O garoto tinha habilidade com as palavras e as transformava em versos concisos. Aos nove anos, ganhou um concurso da redação na escola, o que o motivou a completar seu primeiro livro de poemas com cento e trinta páginas. O livro foi concebido sobre momentos de raiva.
Não pude deixar de notar as ocasiões em que o curumim entrava emburrado no seu quarto após um sermão de Alana, que tentava controlar o lado aventureiro do filho, principalmente quando o primo de mesma idade vinha passar uns dias no Instituto. Claramente, o lado de mãe protetora falava mais alto. Mas quem podia culpá-lo, sendo ele filho de uma bióloga e um mergulhador?
Às vezes, eu ia sorrateiramente até o seu quarto para flagrá-lo exercendo seu dom, mas ele era rápido e fazia de tudo para que ninguém o visse escrevendo. No íntimo, eu torcia para que Cauã não fizesse da escrita uma profissão, mas sempre o encorajei para que nunca tivesse vergonha de um dom adquirido. Alana — a maior incentivadora — o havia logrado algumas vezes, a fim de ler uma de suas criações. Cauã tentava disfarçar o sorriso de satisfação a cada elogio e incentivo nosso.
Seus recados poéticos deixados em lugares visíveis do Instituto me arrancavam risos. Uma poesia misteriosa camuflando um pedido para ir à capital encontrar seu primo desmiolado — isso sempre amolecia Alana.
Como aquele garoto é esperto (seja qual for a carreira que meu filho escolher, eu vou apoiá-lo. Alana e eu vamos estar presentes em todos os lançamentos, feiras e semanas literárias da faculdade. Vou ser seu maior apoiador. Eu vou subir alguns degraus do palco, entregar o canudo e fazer uma pose legal na sua foto de formatura. Vou esperar ansiosamente os resultados de todos os concursos literários dos quais ele participar. Esperar por essas realizações realça uma certeza: meu filho está vivo em algum lugar).
Pausa para suspiros e lágrimas.
Cauã se adaptou rapidamente aos recursos tecnológicos que já estavam disponíveis na sua geração. Esses avanços chegaram de forma lenta e sutil. As paisagens, porém, ganhavam um tom cinza: florestas diminuindo em espaço e cidades se aglomerando sobre caos e fumaça.
Minha mãe surtou quando compramos o "Floot S" da nova geração de hidronytes flutuantes, cuja estrutura metálica se resumia em uma grossa chapa de metal em forma de S e uma base acoplada na curva da estrutura, onde ficava o piloto. Duas barras móveis arredondadas pairavam magneticamente nas laterais da cabeça do S, onde se apoiariam as mãos.
O modelo que compramos para Cauã era anfíbio e podia realizar uma viagem de oitocentos quilômetros em cinco horas, normalmente feita em três dias por barcos de ferro, ou em vinte e quatro horas por lanchas rápidas. No entanto, as hidronytes de passeio não foram projetadas para viagens longas.
Minha mãe chamava o objeto de robô e afirmava que aquilo não combinava com o ambiente que nos cercava. Mesmo assim, Cauã realizava saltos por cima das águas com o seu brinquedo, com sua avó olhando espantada, sentada na varanda da recepção do Instituto. Isso não era nada em comparação com o robozinho sinistro doado ao instituto pela Gwender Auto SA.
A fábrica de automóveis criou o macro robô em homenagem à floresta amazônica e o chamou de peixe-boi, visto que ele imitava quase perfeitamente a estrutura do mamífero aquático. Ele foi projetado para pesquisas em ambientes amazônicos. Dentre várias instituições de pesquisas pré-selecionadas para receber o equipamento, fomos escolhidos.
Na parte frontal do robô, havia uma espécie de lente arredondada que nos permitia enxergar com nitidez enquanto estivéssemos submersos. Lembro-me do susto que passamos durante um dos mergulhos a bordo do peixe-boi metálico e rígido: estávamos nos preparando para voltar à superfície após recolhermos algumas amostras do solo arenoso em uma parte calma do rio Solimões.
Alana estava, pela primeira vez, no controle do robô. Ela tremia muito! Vagarosamente, minha esposa iniciou o processo de subida, e eu reclamei, pois ela poderia subir mais rápido. Ainda bem que Alana não me escutou, pois, através do teto envidraçado, podíamos ver algo passando por cima de nós. O objeto estava longe, próximo à superfície, mas já podíamos visualizar o seu tamanho. Ele tinha o comprimento de um barco de grande porte usado em viagens com passageiros. Tratava-se de um animal com nadadeiras.
Aquilo era uma aberração; poderia ser qualquer coisa, um alienígena, talvez, menos um peixe! Ficamos todos paralisados por um tempo. O robô passou, alguns segundos depois, por onde a criatura nadava tranquilamente. O peixe não nos viu, mas o estudante universitário que nos acompanhava jurou que jamais mergulharia em qualquer rio novamente.
Continua...
_________________________________________________
* Bodozal - Gíria amazonense, referindo-se a determinadas áreas alagadas ,abrigando comunidades de palafitas. Termo é uma referência pejorativa ao Bodó, espécie de Bagre capaz de sobreviver na lama.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro