CAPÍTULO 23
Na primeira área interna do palácio, uma larga ponte detém o grande lago esverdeado. Árvores e plantas trepadeiras enfeitam as laterais do compartimento. Escadas laterais brilhosas ligam passagens entre os cinco andares. Arcos e túneis parcialmente submersos permitem a navegação turística para os visitantes do palácio.
A cada passo meu, a cor do ambiente muda para o verde — preferência pessoal questionada pela Família Dourada. "Assim foi escolhido, e verde será", foram as palavras finais da "Fúria". Diverti-me muito vendo a cara de decepção deles.
Impondo sua majestade, a torre-domo abre sua base para minha entrada. Mais um elevador. Ela não é minha preferida, pois há lugares mais altos na Província, mas impõe certo destaque ao palácio.
O quarto imperial é o maior. Sento na cama grande demais até para o maior dos imperadores. Luzes acendem, indicando a ativação da inteligência artificial. O nome "Fúria" não me pareceu muito convidativo. Por isso, tirei "Alana" dos meus frequentes e perturbadores sonhos.
— Procura algo além do que pode compreender de novo? — pergunta Alana. Antes da grande muralha, o mundo se encontra em ruínas devido ao avanço das históricas pragas. Após a barreira, os jogadores sobreviventes tentam conquistar, de forma justa, um lugar na Província.
O meu sorriso sarcástico não pode ser descrito por ela agora. Sentado na cama e ajustando meu chip de pulso, tento ignorar a mecânica explicação.
— Você sempre esquece uma parte — digo. — Nem tudo é perfeito, não é? Até mesmo algo milimetricamente programado.
— A zona morta não é uma falha de programação, e sim um erro humano.
— Ah, certo, obrigado pela parte que me toca.
— Seu império é o mais justo e equilibrado de todos imperador. Cada cidadão desta Província está aqui por sua causa.
— E os jogadores do outro lado?
— Estão em busca de merecimento.
— Num jogo impossível que eu mesmo criei.
— Eu acho perfeito.
— O que dizer dos que se arriscam na zona morta, Alana? Gente do meu império, que está sob meus cuidados.
— Os que não merecem. Uma antiga expressão dizia...
— Não se cospe no prato em que se come. Eu sei; mas cuspir nele talvez seja um sinal para identificar que não se deve comer mais.
Alana se cala diante da minha postura encurvada e expressão inquieta.
— Você não tem nada a dizer? — pergunto.
— Acabo de ver algo que vai animá-lo, imperador. Ela está no saguão.
Alana sabe como e onde me golpear. Nem precisa mencionar o nome para saber de quem se trata. A simples frase me faz pular da cama e correr em direção ao quarto de vestimentas.
Uma camisa social verde-claro de meia manga, calça social preta e sapatos lustrados sempre causam boa impressão. Gel no cabelo e essência de Aniba. Primeiro botão da camisa solto, é claro.
— Não há produção parecida quando o encontro é comigo — reclama Alana.
— Você está com ciúmes?
— O que ela tem que eu não tenho?
A pergunta me faz gargalhar e, antes de abrir a porta, viro só para ver uma expressão de tristeza feminina na tela holográfica.
— Ela não é um robô, Alana. Mas eu também te amo.
Do último degrau, observo a silhueta alta. Sua pele morena parece se mesclar com a jaqueta militar provinciana cinza de botões dourados. A camisa preta por baixo, com gola até o pescoço, acentua o porte elegante da mulher. Botas pretas não lhe caem muito bem. O rabo de cavalo amarrado próximo à nuca não consegue diminuir o grande volume de seu cabelo.
Ela se apoia na sacada do saguão.
Ina.
— O outro lado do paraíso parece não causar efeito algum em você.
Ina ri e se olha dos pés à cabeça.
— Eu estou a caminho da patrulha. Resolvi dar uma passada aqui antes.
Ela caminha e me envolve em seus braços. O toque me faz ter muitas sensações. Sinto-me em paz e seguro. Tenho valor e sou amado. Quem dera essas sensações fossem recíprocas. Até o cheiro do seu doce perfume me hipnotiza. Ela não me vê fechando os olhos enquanto desejo que esse momento não acabe. Há pouca diferença entre nossas alturas. É idiotice imaginar árvores se encurvando em forma de coração ao fundo?
Enxergo apenas um lugar escuro e sem vida quando você está distante. Quando você chega, há oásis no espaço sombrio. Quando estou ao seu lado, há montanhas e riachos. Não há miragens nem ilusões quando você está perto. Quando o sol se põe e não te vejo mais, entendo o que está bem diante dos meus olhos, pois vejo que o deserto é apenas deserto.
Quando ela me devolve ao estado normal, tento não parecer cambaleante.
— Há sempre um lugar para você aqui — digo com voz suave. — Quase não me afasto da capital, e tem...
— O Maps, eu sei — interrompe Ina. — Mas eu venho sempre aqui. Você sabe por que não abro mão da patrulha naquelas zonas.
— O mais perto que pode chegar de suas lembranças.
Ela toca meu rosto num gesto de aprovação. Entendo seus objetivos e tento ser compreensível, apesar de querer ela sempre perto de mim.
— Isso poderia ser mais fácil — gaguejo numa nova tentativa.
— Você sabe que não, Cauã. — A simples menção ao meu verdadeiro nome, pronunciado de forma tão doce, tranca as defesas do meu coração. A luta é tão intensa quanto os sentimentos que me afligem na simples presença de Ina. — Você mesmo não está disposto a fazer isso.
A verdade dói, acusa e desmonta.
— Você não deve nada a eles — digo.
— A Família Dourada me quer longe daqui ou morta. Minha simples presença incomoda. Você não tem total autonomia. Nunca terá. Talvez nem a "Fúria" possa te proteger de um conflito como esse. É melhor assim.
— Eu tenho autonomia!
— Não tem. Esse poder é apenas uma ilusão. Você me concedeu, sob forte oposição, um treinamento e lugar na ORPA. Nunca vou esquecer o que fez por mim e pela minha família, mas uma garota que não nega nem esconde sua origem indígena jamais vai ser aceita nessa sociedade.
— Não é nada comparado ao que fez por mim.
Ela bagunça meu cabelo ao seu gosto — o jeito costumeiro de amenizar nossas conversas.
— Tudo vai ficar bem, deixando do jeito que sempre foi — conclui ela. — Preciso ir.
— Aonde vai?
— Ao Instituto.
— Os encontrados na zona morta?
— Sim.
— Você vai estar na abertura do Maps?
— Onde mais eu poderia estar?
Caminho apressadamente ao Tangara azul. Piloto a nave sozinho. Não posso chamar atenção para o que estou prestes a fazer antes do início do Maps.
Chego à Estação de Transportes Provincianos na maior cara de pau. Os últimos disfarces não deram muito certo. Fui reconhecido, o que gerou tumulto e investigação por parte da Família Dourada.
Patrulheiros da estação tomam a iniciativa de proteção sem entender o que está acontecendo. O imperador caminhando sozinho pela estação?
Muitos cumprimentos, acenos e gritos de apoio. Esforço-me para reagir a todos durante a caminhada. O subterrâneo me aguarda. Em Nova Manaus, não há aeroportos, rodoviárias, nem bases de drones. Só existe a estação central.
Elevadores levam passageiros à parte subterrânea, onde esperam os TGV'S. Ainda no subsolo, outra seção controla o fluxo dos passageiros que pagam mais caro nas hidronytes subaquáticas de grande porte para transporte de passageiros, as quais são popularmente conhecidas como peixes-boi.
Na seção portuária, entrego uma virtual autorização ao responsável pelas cargas transportadas em hidronytes de grande porte. Ele já não contesta mais, nem fiscaliza.
— As cargas estão chegando em segurança? — pergunto.
— O sistema mais seguro da Província, senhor. Não há espaço para falhas. O imperador mesmo criou.
— Eu sei. Apenas gosto de ouvir da boca de outros. Muito obrigado.
As cargas são ajudas clandestinas aos remanescentes do outro lado da muralha. Alana garante não haver sobreviventes, mas eu sei que existem. Os Tangaras, veículos terrestres e armas podem ajudar os prováveis sobreviventes a ultrapassar a barreira protetora.
Minhas lembranças vêm daquele lado. Alguns jogadores aparecem do nada em todas as edições. Sei que são sobreviventes. Este ano não será diferente. Aguardo ansiosamente o evento, em busca de respostas.
Enrolo o máximo possível o bilhete poético numa garrafa. Ele representa minhas lembranças raras e sonhos. As palavras enigmáticas dizem o que não consigo expressar: a falta de uma figura heroica me protegendo, a ausência de um rosto feminino apoiando todos os meus sonhos e conquistas e um destino escolhido por mim. As mensagens sempre são assinadas com as iniciais do meu pseudônimo: Tb
Essa carta destina-se a qualquer um que encontrá-la, de preferência aos personagens que fazem parte dela. Minhas escolhas não deixariam certa figura materna muito orgulhosa de mim. Uma opção me foi dada. Quebrei barreiras e ganhei o direito de construir a sociedade perfeita. O que me restou? Arrependimento e a sensação de que deixei algo muito importante para trás.
"Um sorriso lateral a fazia ceder. Uns minutos a mais na beira do rio, por favor! Meu coração estava completamente exposto àquele fim de tarde. Você nunca esteve tão feliz, pensava ela. O meu mundo não pertencia àquilo. Quanto eu sinto a sua falta! Meu mundo, meu escudo, minha origem. No fim das contas, era eu quem trocaria tudo para vê-la sorrir daquele jeito mais uma vez."
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