Capítulo 1 - Desejo...
Já fazia quinze dias que aquela jovem de cabelos cacheados e pele escura havia entrado de férias. Após dormir tanto quanto achou que devia, encontrou-se em profundo tédio. Se manter entretida sem algum dinheiro era mais difícil do que ela esperava.
— Talvez eu não devesse ter comprado aquele notebook — suspirou enquanto deitada de cabeça para baixo em seu sofá, encarando o teto.
Ela finalmente conseguiu comprar um bom notebook e uma mesa digitalizadora, ela finalmente poderia retornar ao seu antigo passatempo. Desenhar, modelar e escrever. Quando se lembrava do quanto se dedicou a suas criações artísticas, acabava por questionar o caminho pelo qual trilhou.
O curso que havia escolhido não tinha relação alguma com arte, uma das coisas que, de longe, mais gostava de fazer. Tais coisas só emparelhavam com o quanto praticou de artes marciais, algo que já quis tomar como profissão, mas foi obrigada a abandonar devido a problemas pessoais.
Há mais de dez anos ela havia conhecido uma coisa chamada RPG. No agora eram apenas boas memórias de seu pontapé inicial.
Seu interesse foi despertado com sucesso pela experiência que viveu naqueles tempos e anos mais tarde conheceu Maou, uma plataforma que permite seus usuários "vivenciarem" o RPG de mesa através de suas ferramentas de criação. Só Deus sabe quanto tempo ela passou desenvolvendo materiais de campanha para postar naquilo.
Enquanto pensava na vida o interfone tocou. A jovem não estava esperando visitas, ou melhor, apenas uma, porém acreditava que ela ainda levaria alguns dias. "Quer dizer, talvez...", pensou melhor e tratou logo de achar seu celular.
Ao desbloquear o aparelho viu uma notificação que a fez abrir um largo sorriso de orelha a orelha: — Não creio!
O seu produto já saiu para a entrega, era o que estava escrito no e-mail recém-notificado.
— Nem fodendo! — ela gritou animada, pulando em círculos, girando em seu próprio eixo sem saber muito bem como expressar toda a felicidade que preencheu seu peito.
Haviam memórias demais naquele joguinho. "Como será que as coisas estavam? Como tudo ficou após tanto tempo?" Seu coração palpitava ante a ânsia que sentia para descobrir.
Sem muitas considerações extras ela correu até o interfone e viu, através da pequena câmera na porta, um senhor de idade trajando um uniforme amarelo e azul com duas grandes caixas de papelão em suas mãos. Imediatamente ela abriu.
— Essa é a casa da senhorita Sophia Lopes Silva? — o entregador, surpreso com a velocidade e brusquidão com a qual a porta foi aberta, questionou.
— Sim. — Ela mal podia conter sua alegria, mas tentou ao máximo se controlar.
Quando recebeu seus tão sonhados pacotes em mãos fechou a porta e correu para a mesa da cozinha. Deixando seu corpo deslizar sobre a cadeira de madeira que fazia parte do conjunto de jantar, quase como se estivesse derretendo de alegria, enfim abriu o pacote.
Ao ver seu notebook quase esqueceu de todos os meses que ainda teria de trabalhar para pagá-lo. Sophia tinha a mentalidade de: "Dinheiro é pra se gastar mesmo", mas volta e meia se arrependia das suas escolhas impulsivas.
Após ter aberto as caixas, cheirou ambos os produtos: — Nada como o cheiro de algo recém-adquirido — sorriu.
No momento em que ligou seu notebook, com toda a expectativa possível e impossível pulsando em seu peito, descobriu algo que a fez esbravejar descontente e a colocar de novo com os pés no chão. Era claro que havia um empecilho, sempre havia um empecilho.
— Linux?! — reclamou — É sério isso?!
Com raiva brilhando em seus olhos catou logo seu celular e dedilhou a tela até chegar em seu e-mail. Ela nem se preocupou com os cinco por cento de bateria que restava.
Após alguns segundos chegou no anúncio e de fato estava lá, aquele aparelho realmente vinha com Linux.
— Droga! — esbravejou com vontade de arremessar seu celular na parede, porém, sem coragem de fazê-lo. Ela sabia muito bem quanto o mesmo custou.
Perceber que foi enganada pelo anúncio desanimou Sophia. "Bola pra frente", pensou. Ela tinha uma versão pirata de um certo sistema operacional com logo de janela escondido em algum lugar.
— De todos os males o menor. — Aceitou que ainda precisaria esperar mais um pouco para jogar o tão esperado.
Infelizmente Maou é incompatível com linux. E lá se foi algum tempo trocando o sistema operacional e instalando os pacotes essenciais. No último processo de instalação, um dos mais demorados, se deitou cama para esperar um pouco, contudo, acabou dormindo. Sem o combo inesperado de chuva caindo, gato miando e sua barriga roncando, provavelmente nem teria acordado naquele mesmo dia.
— Que horas são? — questionou a si mesma e com seus olhos teimando em pesarem demais.
Sem pensar muito, quase como se realizando uma ação automática pré-programada, tateou a superfície da sua cama em busca do seu celular. Ela não estava muito preocupada com a chuva caindo, a mesma se lembrava de ter fechado todas as janelas. Por isso se permitiu ser preguiçosa em caçar o aparelho, mas quando o encontrou e viu as horas, quase caiu da cama.
— Dez horas?!
Percebeu que tinha dormido bastante.
Os miados do seu gato continuavam a se acumular, tornando-os mais e mais irritantes. Bem como desesperados e esganiçados. — Calma Blasph, eu também tô com fome... — Ela bocejou e esfregou seus olhos enquanto se levantava.
O bichano ficou bem aliviado ao perceber que conseguiu.
Sem demoras foi até a cozinha, catou o saco de ração do animal e colocou um pouco de seu conteúdo no chão. Quando o mesmo se acalmou, ela o acariciou por alguns segundos.
Agora era hora de pensar na sua própria comida, porém Sophia não estava com muita vontade de cozinhar tão tarde da noite e decidiu pedir em vez de fazer.
Esse mal habito ainda lhe mataria. A essa altura já faria mais ou menos uns cinco anos que estava vivendo quase que só de comida enlatada, instantânea e fast food. As vezes sentia seu coração palpitar de uma forma esquisita, um pouco de mal-estar, porém, nunca tomava vergonha.
O problema é que sua família tem histórico de pressão alta, alguns morreram de AVC além de outras doenças do coração, e ela sabe disso, só que mesmo assim não criou vergonha e provavelmente nem criaria tão cedo.
Enquanto esperava sua comida chegar tomou um banho, vestiu seu pijama e foi tentada pela palavrinha Maou piscando na tela do seu notebook. Ela até pensou em começar no dia seguinte, mas a tela de login estava clamando por sua presença.
"Só logar na minha conta não vai fazer mal, né? Amanhã eu jogo de verdade", pensou, se enganando.
Logo sua campainha tornava a tocar, a chuva lá fora estiou e com isso o entregador conseguiu chegar. Ela pegou seu lanche e voltou para Maou.
Os hambúrgueres estavam gostosos, meio gordurosos, mas nada fora do padrão dela. Refrigerante, batata frita e duas lapas de carne artesanais com muito queijo. Molho? A rodo. Depois, de volta para a cama com seu notebook. O que sobrou foram apenas as embalagens, nada mais fora perdoado.
Apesar de sua saúde destruída a mesma não colaborava.
Enfim, olhando para a tela de seu note viu que ainda estava tudo lá.
ID: 00000000
Nome: O Mais Antigo
Descrição: O mais antigo dentre os Antigos
Ao ver essas informações, sorriu. Aquele perfil era uma piada com o seu número bizarro de identificação, mas ela gostava da sagacidade que teve naqueles tempos. Sophia foi uma das primeiras pessoas a ter contato com aquele jogo, uma dentre os cinco mil primeiros testers públicos.
Felizmente, durante o período de testes, aquele jogo não tinha um sistema de ID tão bom quanto os atuais e por isso os mesmos ficaram com números sequencias como identificação.
Sophia e seus companheiros de lore gostavam de ter a informação de que foram as primeiras pessoas a jogar Maou gravada em seus perfis. Toda uma lore pessoal dos próprios jogadores foi criada ao redor disso. Os Antigos eram essa raça suprema que foi a primeira a existir.
Sendo o perfil dela o perfil zero, era como se ela fosse a mais antiga dentre os demais. Mesmo isso não sendo verdade, pois esses ID's foram distribuídos aleatoriamente.
Só que independente da sorte que teve ela tentou fazer seu papel: "O Mais Antigo, o(a) verdadeiro(a) Deus(a), o(a) ancestral do universo e artesão(ã) de múltiplos mundos".
Foi assim que ela se descreveu na época, foi essa linha que colocou na bio de seu perfil. A princípio teve medo de parecer presunçosa, mas uma galera comprou a ideia. Como o jogo pode traduzir mensagens automaticamente conforme a língua padrão de seu usuário, essa mensagem reverberou mais do que Sophia acreditava que poderia.
A verdade é que Sophia nunca soube de toda a lenda que envolveu seu nome e seu perfil, ela sabia que fez parte disso e que isso existiu, mas sequer teve ideia da extensão e muito menos de que foi parte essencial da criação desse universo pessoal compartilhado pelos diversos jogadores, pois, infelizmente, um dia ela teve de partir.
Para ela foi uma ação corriqueira. Sophia mudou de cidade no intuito de trabalhar em uma grande empresa e agora não tinha mais tempo, porém, no jogo, as coisas foram um pouco diferentes.
Sem rosto, voz, sexo, nacionalidade ou qualquer outra informação diferente de seus feitos, narrativas postadas e desenhos, modelos e outras coisas que havia criado, O Mais Antigo simplesmente sumiu. Parece bobo, mas para as pessoas que viviam ali, para as pessoas que respiravam aquele jogo com funcionalidades e ferramentas complexas destinadas à criação, além de suas características de rede social, foi um evento a parte.
Algumas vezes jogador, sempre em silêncio, sempre à espreita, por vezes parte de algum grupo aleatório no intuito de realizar alguma aventura, mas jamais esteve em uma guilda e na maior parte do tempo se aventurava sozinha.
Mestre por nenhuma vez, ao menos não registrada, entretanto, sempre um criador. Sempre postando desenhos e modelos, criando narrativas, ganchos de aventura, mundos, monstros, personagens, magias e sistemas de jogo... apenas criando e compartilhando. Tudo isso havia colaborado para a mística que permeava o seu curioso nome de perfil.
Um ano após sua partida um mestre que usava muitos de seus materiais marcou-a em uma publicação. Naquele dia nasceu uma das mensagens mais notórias e mais curtidas da história de Maou, o trecho que ficou conhecido popularmente como rito de saudação ao Mais Antigo:
"Aquele que é o conceito personificado do começo e do fim, tão velho quanto o próprio tempo e espaço, nunca há de partir. Esperamos ansiosos o renascimento do único e verdadeiro Deus, saudamos o Mais Antigo."
Agora, quase cinco anos depois, ela conseguiu ler a mensagem. Muita coisa voltou de uma vez e sem ter muita certeza do motivo, Sophia chorou.
Aquele jogo acompanhou um momento difícil de sua vida, um no qual queria mais curtir sua solidão do que necessariamente jogar algo. Foi por isso que nunca se esforçou para interagir.
Os amigos que fez ali só eram seus "amigos" por estarem em sua lista de amigos, mas não os conheceu de verdade. O que ela queria era só extravasar um pouco de suas ânsias e frustrações através do hobby que tanto amava. Tudo o que fez foi criar coisas até se sentir melhor.
— Será que eu deveria ter seguido essa linha? — se questionou em voz baixa.
Design, escrita, ilustração, todos eram mais interessantes do que o curso que fez e o caminho que escolheu. Quando pensou em sua carreira, tudo que gostava de fazer nem sequer parecia uma opção válida. Ela esteve confusa demais naquela época.
Criar coisas era ótimo para manter sua mente ocupada, ótimo para evitar algumas besteiras e bizarrices que, por vezes, acometiam sua mente.
Ela ficou muito feliz por seus materiais terem sido abraçados por aquela comunidade. Ela ficou feliz por ELA ter sido abraçada, de alguma forma, por aquela comunidade.
— Talvez ainda não seja tarde — pensou, dizendo em voz alta na esperança de conseguir acreditar em suas próprias palavras.
Ela já odiava seu trabalho, era um começo, mas logo a realidade bateu e ela lembrou que ainda precisava pagar aquele notebook. Muitos questionamentos atingiram sua mente enquanto passeava por seu perfil em Maou.
Gradualmente o tempo passou sem que Sophia percebesse. Ela se embrenhou na madrugada enquanto revisitava seus materiais, sentindo vergonha de alguns e orgulho de outros.
Maou foi um jogo especial. Mais que um jogo, mais que uma plataforma de criações, mais que um modelador de partidas de RPG que prometia ser o futuro do gênero; ele, de certa forma, foi parte de sua família. Alguns perfis que conhecia e conversou já haviam sumido, sua lista de amigos estava quase vazia e os poucos que restavam eram contas inativas.
— Eu gostaria de, pelo menos, ter batido mais um papo com alguns de vocês... — Sorriu melancólica.
Por mais que aqueles tenham sido tempos difíceis, ao menos dentro daquele mundinho foi divertido.
Quando sua mãe morreu e ela teve que mudar de cidade com seu pai, ficou muito irritada, mas foi necessário. Seu pai não tinha dinheiro para manter o estilo de vida que gozavam sozinho e por esse motivo tomou aquela decisão, e só agora ela entendia. Seu pai apenas estava fazendo o que podia, e só agora ela estava agradecida, entretanto, era tarde demais. Infelizmente seu velho também partiu.
Foi justamente por não conseguir lidar com a morte de sua mãe que ela se interessou por Maou. Na plataforma ela reencontrou velhos amigos e fez alguns novos, porém aquela lista capenga indicava que essa parte da sua vida também foi perdida.
Quer dizer, nada daquilo de fato sumiu. A experiência, a diversão, as brigas, as discussões, o acolhimento. Tudo aquilo permanecia guardado em suas memórias.
Parecia ter sido ontem que o Guz derramou um copo de suco em cima de seu teclado e ficou andando para a esquerda infinitamente. Que a Rebirth disse estar doente para faltar uma partida apenas por ficar com muito medo de perder seu personagem em uma Dungeon com permadeath. Ou quando ela mesma, Sophia, quase desmaiou depois de quase doze horas jogando sem parar para nada.
Parece ter sido ontem que o barulho de salgadinho escapava pelos microfones, parece ter sido ontem que todos eles ainda sorriam juntos... parece ter sido ontem que ela mesma sorria, sorria enquanto criava e planejava em meio a longas e escuras madrugadas. Apesar de sempre ter sido a parte mais silenciosa de qualquer grupo, sempre se comunicando por texto, sentiu que fez parte de tudo aquilo.
Eram boas memórias.
Sua visão ficou embaçada e ela sentiu sono. Seu corpo formigou um pouco e ela imaginou que fosse devido a suas pernas terem ficado cruzadas por muito tempo.
Ela tentou levar a mão até seus olhos para esfregá-los, pois sentiu que os mesmos pulsando, mas seu braço mal respondeu. Por fim sentiu tontura e viu o mundo girar ao seu redor.
Preocupada com a anormalidade da situação Sophia quis pedir ajuda. Se esforçando, se arrastando pela cama, tentou alcançar seu celular. O aparelho estava logo ao lado. Estava em cima da cadeira de plástico que, por vezes, usava como cômoda. Ela podia vê-lo, o mesmo estava dentro do seu campo de visão. Incrivelmente perto e assustadoramente longe.
Infelizmente seu corpo negou a se mover diante de seus comandos e isso serviu para deixá-la assustada. O desespero em seus olhos era nítido. Com medo pulsando em seu peito ela lutou contra a sonolência e se esforçando ao máximo, enfim conseguiu alcançar seu objetivo. Só que ao tocar sua digital no leitor biométrico, o aparelho não desbloqueou.
"Merda de digital", praguejou em sua mente.
Com dificuldade tentou apertar o botão lateral, mas a tela continuou escura. Imediatamente Sophia se lembrou de um detalhe importante.
"Minha bateria...", suspirou com desgosto.
Ela sentiu vontade de se estapear por não ter colocado o mesmo para carregar. Ela viu que o aparelho estava em modo de economia de energia e mesmo assim o ignorou. Sophia ficou animada demais com seu novo brinquedo e se perdeu em suas memórias.
Por fim só lhe restou gritar, porém faltou força. Ao tentar falar sua voz saiu abafada. Com o ato Sophia sentiu que seus lábios estavam sobrando de um lado, como se estivessem tortos.
Ela se esforçou mais um pouco, tentando se levantar, mas foi inútil. Aos poucos a vida esvaiu de seu corpo e a última coisa que viu foi seu gato. Aquela jovem não fazia ideia de quanto tempo o mesmo esteve ali, parado, observando-a partir. Encarando-a através da escuridão que cobria os cômodos daquele apartamento.
"Que merda..." Mesmo diante de tal situação desesperadora ela sentiu vontade de rir. Sophia queria rir de si mesma.
Desde que encontrou aquele animal na rua, sentindo-se ela mesma abandonada pelo mundo, prometeu que nunca o abandonaria. Ela prometeu que jamais iria deixá-lo para trás, pois eram companheiros.
De tudo que passou aquele animal foi a única memória que permaneceu ao seu lado. Era a memória de seus pais, amigos e companheiros de jogo, pois esteve ao seu lado em todos os momentos. Ele significava coisas demais.
"D-desculpa...", sussurrou em sua mente, já sem forças para sequer mover seus lábios.
Ela não tinha certeza se foram horas ou minutos, mas eventualmente seus olhos se fecharam.
Na frente do corpo de uma jovem foi encontrado um notebook aberto em um jogo. As notícias correram o mundo, vários jogadores retornaram a Maou e um usuário conseguiu ver o ID daquela conta através de algumas imagens embaçadas. Quando a notícia se espalhou, todos os antigos se reuniram para louvarem um companheiro caído.
"Aquele que é o conceito personificado do começo e do fim, tão velho quanto o próprio tempo e espaço, nunca há de partir, apenas recomeçar. Esperamos ansiosos o renascimento do único e verdadeiro Deus, saudamos O Mais Antigo".
Foi assim que ela morreu, debruçada sobre suas preciosas memórias e suas preciosas criações. Mas o que os Policiais chamados no local não descobriram foi que aquela jovem falou uma última palavra antes de morrer.
"Desejo..."
Em meio ao terror do vazio desconhecido, deitada sobre o mais profundo nada, ela respondeu a um chamado. Ninguém entrou naquele quarto enquanto ela desvanecia, só que mesmo assim a jovem respondeu a uma... coisa? Pessoa? Chamá-lo de "algo" talvez seja a melhor forma de descrevê-lo.
Algo que permaneceu adormecido ao seu lado até que ela precisasse do mesmo. Algo que sentiu sua presença, que se alimentou de seus sentimentos e ganhou vida através de seu próprio desespero. Algo que ela mesma moldou. Um ser estranho e sem precedentes.
A pergunta que ouviu enquanto se arrependia de ter cuidado tão mal de sua saúde, de não ter reencontrado seus velhos amigos e companheiros, de não ter, pelo menos, jogado uma última partida.
A pergunta que ouviu enquanto desejava ter feito algo que considerasse significativo para o mundo, foi:
— Mestra, a senhorita deseja viver?
E, após alguns segundos, ela o respondeu:
— Desejo...
Essa foi sua última palavra, sua maldita última palavra, pois em seguida pôde escutar o perturbador coro do silêncio absoluto. Estranhamente, naquele dia, o gato de estimação daquela moça, um amoroso animal apelidado carinhosamente de Blasph, desapareceu.
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