MALUM
"A maldade ( MALUM) lhe comerá as entranhas, quando ela perceber que encontrou em você, seu parceiro ideal."
Roquete Phobes
O sol na palestina estava a pino. O calor desgraçado que subia do chão, fazia a imagem do homem que andava com sua corda, pelas escaldantes areias, parecer uma imagem ainda mais medonha.
Seus olhos, mostravam um total desapego com a vida. Porém, aquele olhar ainda trazia resquícios de uma maldade intrínseca, refletida nos seus atos mais recentes.
Ele não a vê... mas ela está ali.
Uma mulher vestida de vermelho, com os corvos sobrevoando acima de si, e que encontra-se parada a poucos metros do maldito moribundo.
— VÁ EMBORA! — Grita o homem magro e de feições perturbada. — SUMA DA MINHA FRENTE! — As pessoas que estão perto dele, não entendem nada, julgam ser mais um bêbado que reclama para o vento.
— Eu quero sumir. Eu quero sumir. — O homem segue falando e remoendo sua torpe condição. — Uma árvore... eu preciso de uma árvore. — Com os pés tropeçando nas poeiras levantadas pelo vento, ele apressa suas passadas.
Olhando para trás, percebe a mulher mover-se... flutuando pelo calor. O sorriso dela, demonstra sua total satisfação por vê-lo naquela condição. Os olhos amarelos da criatura, destoam dos trinta pares dos olhos que estão em volta dela.
Os corvos não param de voar em sua volta. Mas, somente ele quem a vê. Somente ele, vê os olhos amarelos.
O gralhar, cantado por eles é único. O som unitário que sai de dentro deles, parece dizer o nome do ser maldito, que leva uma corda em baixo do braço.
Com um pique destrambelhado, o homem corre na direção do seu escape... a árvore que fica no alto do penhasco.
Infelizmente, ele não percebe os dentes podres, sorrindo por baixo do manto fedido e desgastado. Um manto vermelho... mas tão vermelho, que parece ter sido tecido com fios de sangue.
Sem demora, ele ajeita a corda fazendo um laço. Depois, joga a corda em volta do galho, laçando-o e fazendo força para baixo, verificando se não vai quebrar com seu peso.
O penhasco está diante dele. A mulher, agora encontra-se ao seu lado. Sobre o corpo da mulher, repousam alguns dos corvos... talvez cinco ou seis.
—SAIM DE PERTO DE MIM! — Os corvos voam até o homem e começam a bica-lo, arrancando pedaços dele. O sangue começa a brotar com mais intensidade. Ele, agoniado pela moléstia de está sendo devorado vivo, laça o pescoço e se joga penhasco a baixo.
Um uivo. Uivo? Sim... se o galo cantou três vezes antes do amanhecer, um uivo é escutado em pleno meio dia... um uivo não... três uivos.
Como um pêndulo de um relógio britânico, o criador dos três demônios, voa pelo precipício... sons de tambores vindos não sei da onde, rufam. O vendedor do Messias, pêndula para frente e volta para trás.
Malum eleva-se.
Judas presencia Malum vindo ao seu encontro. Seus olhos queimam. Seus pulmões ardem. Sua respiração está se esvaindo. Com dois beijos na face dele, ela sela seu destino.
Um corvo, que estava voando na parte mais alta, desce... e com vontade bica-lhe o olho, tirando-o fora.
Judas quer gritar. Inútil. Os pulmões estão quase sem ar, parecendo que vão explodir.
Os corvos alçam um voo sincronizado para o alto, circulam sobre a vítima, como aviões que estão taxiando para descer... e eles descem. Todos eles. Sincronizados. Um atrás do outro.
Uma cena linda, se não fosse medonha.
O homem chacoalha, tentando afastar seus algozes da sua carne fresca, mas a morte é certa e sufocante, tornando-se dilacerante. Judas, escuta sua respiração nasal, acelerada e entrecortada:
"Hunfim. Hunfim. Hunfim."
Um corvo bica-lhe o lábio superior. Outro, força entrada na sua boca caçando-lhe a língua. Um terceiro, entra ouvido a dentro. Mais um bica-lhe o peito, arrancando pedaço fora.
O infeliz, na sua agrura, lutando para não ser comido vivo, consegue, de tanto se mexer, quebrar o tronco que o pendurava.
Para seu azar ser maior, ou talvez tenha sido sorte, quem vai saber? O troco acerta-lhe a têmpora, arrancando metade do seu rosto, o levando a perda da consciência.
Uma rocha pontuda... grande, o despedaça ao meio, quando seu corpo choca-se nela.
Os fatos são jogados ao chão. Suas tripas, se esbanjam ao ar livre. E os corvos... os traiçoeiros corvos, infesta-lhe o corpo, iguais as formigas em cima do mel.
Jezabel caminha sozinha pelas ruas da sua cidade, uma pequena e pacata cidade arborizada, do interior do estado de Pernambuco.
A menina de 10 anos, está indo para a escola estadual Tadeu Ferraz.
Tudo em sua volta, toda felicidade que cerca aquela cidade, é anômala. Estranha. Mentirosa.
As pessoas se escondem por trás de uma maldade velada. A linda cidade chamada Carrapicho, colorida pelo verde bandeira das árvores, que tremulam suas folhas pelo vento quente e seco, de uma linda manhã sem brilho, esconde um coisa ruim... algo que provoca a maldade, e que mata anonimamente as pessoas.
A muito tempo, as pessoas deram sinal verde para Malum, fazer de Carrapicho sua cidade favorita.
— Jezabel, você novamente atrasada. — Alerta Marta, uma das professoras de matemática da escola, que se encontra parada, logo após o portão da entrada. — Todo o dia menina! Não há um dia da semana que você não chegue atrasada!
A menina segue para sala de aula.
— Vamos Bel! — Fala a outra professora, chamada Constanza — Apressa os passos, se não vai perder a prova de ciências. — A menina que caminha como se estivesse carregando um peso absurdo, sinaliza com seu olhar triste, que entendeu e que já começou a andar mais rápida.
Jezabel entra na sala de aula e segue para sua carteira. Ela olha para o fundo da classe, e ver as suas algozes sentadas. As três meninas que infernizam diariamente sua vida.
E é por isso que Jezabel detesta tanto sua vida, a escola, os amigos, as pessoas... ela detesta os professores que nada fazem para defende-la de Laura, Clara e Rafaela (11, 11 e 13 anos respectivamente). Todos os dias, Jezabel passa pelas mesmas coisas... como se vivesse num constante inferno de repetições.
Porém, nesse passeio pelo ódio introspectivo, ela lembra-se de "Coquinho". Sua animal de estimação. Jezabel, ama Coquinho, uma vira-lata, que de tão gordinha e pequena, lembra um coco seco. Jesabel quando olha para Coquinho, todos os seus momentos de tristeza profundas, raivas e iras vão embora. Desaparecem. Somem.
A prova vai se arrastando. Jezabel, não tocou na prova pensando como será a hora do recreio. Sim, a hora que sempre lhe traz mais agonia e dores. Percebeu? Dores. Plural.
A sirene toca, todos se levantam. Jezabel, continua sentada, olhando para a prova intacta.
— Laura! Não faça isso de novo! —A professora Laila, grita com a menina que deu um tapa na cabeça de Jezabel, que fez a cabeça dela pendular, igual um sino que badala.
—Não fui eu fessora! Foi a minha mão! — As três gargalham.
— Se fizerem isso novamente, eu vou ligar para o pai de vocês! — Jezabel, com as mãos ainda na cabeça, sentindo a dor do tapa, olha com desesperança para as meninas... e uma delas diz:
— 34390000. Esse é o telefone da minha mãe, pode ligar. Ela está em casa. — Rafaela fala com um desdém gritante na voz — E aproveita para dizer para ela, que a senhora anda dando pro meu pai.
— Rafaela! — Grita a professora Laila, horrorizada — Eu já estou farta das suas mentiras e das suas brincadeiras maldosas!
—A senhora pode até estar cheia das mentiras — Clara faz o sinal de aspas com as mãos, quando diz "cheia" —, mas, com certeza não está cheia de dar para o pai dela! — As meninas dão as palmas das mãos para comemorarem a reposta dada pela Clara.
— Bel... nós vamos estar te esperando lá fora. — A voz de Laura, juntando com os olhares maldosos das três, faz com que Jezebel se encolha não carteira. — E hoje, alguém vai beber água da privada.
O medo é tão feroz, que Jezabel faz xixi quase que instantaneamente. As três meninas começam a gritar "fez xixi nas calças! Fez xixi nas calças!".
Laila tenta colocar as meninas para fora da sala, mas é tarde demais. As outras crianças, que estavam passando pelo corredor, juntam-se as três, formando um coro de maldade, onde repetem e repetem o ato inconsciente, provocado pelo medo... Jezabel, encontra no braço da carteira, seu único amigo para se esconder.
A tia Laila pede socorro da porta da sala, às outras professoras, um pedido de socorro, que logo é atendido e as crianças repatriadas para suas salas, de castigo.
A menina Jezabel sabe que sua situação ainda vai ficar pior. Agora, não serão somente as três meninas, mas, todos que gritavam na porta da sala, ficarão com raiva dela, por causa do castigo.
A direção da escola, permite que Jezabel vá para casa, antes das aulas acabarem. Com um fardo duplamente maior, ela vai carregando e andando seus medos sobre seus ombros, pelas ruas da cidade verde.
As pessoas passam pela menina, algumas falam com ela, mas sua cabeça baixa, só tem olhos para as pedras das calçadas.
Quando Jezabel chega em casa, sobe direto para seu quarto. Não quer falar com ninguém. Sua mãe para de lavar os pratos. Olha a menina envergada pela dor interior, subindo as escadas. Depois a batida na porta, encerra qualquer possibilidade de comunicação entre as duas.
O pior cego, é aquele que não quer ver.
Jezabel escuta um arranhado na porta. Ela não sai da cama. Novamente acontece o arranhado. Mais outro na porta... e mais um seguido por um grunhido, como quem está pedido para entrar.
A menina, vencida pelo cansaço, abre a porta e a cachorrinha entra fazendo festa em suas pernas. Coquinho consegue trazer um sorriso, ao sofrido rosto de Jezabel.
As duas brincam rolando pelo chão. Coquinho, late bem fino. Quase como se fosse um engasgo. Jezabel, prende o focinho dela, que range os dentes para a menina, e logo em seguida mete a pata na mão de Jezabel, partindo para cima dela, brincando. Jezabel, não se contém e sorri alto.
A mãe de Jezabel, olha da porta do quarto da menina. Suspira ao ver a felicidade da filha. Ela sabe que deveria perguntar o porquê da menina ter chegado tão cedo em casa, mas, por algum motivo, uma muralha foi criada entre as duas.
Uma muralha, que Lucina não sabe quando foi erguida. Com os olhos pesaroso, fecha a porta do quarto e desce.
Depois do almoço, Jezabel pega a Coquinho para brincarem fora da casa. Elas saem correndo pelo meio dos pés de caju, acerola e carambola.
Coquinho segue latindo atrás de Jezabel, que procura se esconder em vão. A cachorra sempre a encontra. O que deixa a menina numa felicidade brilhante.
Jezabel corre para dentro da casa, e pega uma bola rosa, que tem a foto de uma Barbie qualquer. Ela chuta e Coquinho vai atrás, numa felicidade única.
Coquinho consegue trazer sorrisos de monte para os lábios e alma da menina. As duas sentam nos degraus da entrada da casa, e cada uma bebendo água nos seus respectivos recipientes, observam os alunos da escola Tadeu Ferraz, passarem pelo outro lado da rua.
A noite chega, bem como o cansaço e a hora de dormir. Jezabel, escuta do seu quarto, seu pai chegando e passando direto para o banheiro. Depois, as vozes dos adultos conversando sobre o dia, bem como sua mãe dizendo para seu pai, que ela urinou mais uma vez na sala de aula.
O pai, abre a porta do quarto de Jezabel, que faz de conta que está dormindo. Ele se aproxima da menina e mexe em seus cachos dourados, para depois sair do quarto. Ela não queria conversar, nem escutar mais um sermão qualquer... Jezabel não queria ser julgada pela sua dor. Parecia que ninguém estava nem aí para o que acontecia com ela.
Pela manhã, quando Jezabel desce do quarto, ainda com o pijama rosa, escuta sua mãe na cozinha lembrar que o café dela está pronto. A menina vê o pai sentado lendo o jornal.
Procurando seu sapato, ela arrodeia a casa, seguindo para o fundo do quintal.
— Coquinho! — Grita Jezabel pela cachorrinha. — Mãe! A senhora viu a Coquinho?
— Não está no seu quarto? Seu pai a viu dormindo com você! — Responde a mãe da cozinha.
A menina acha o sapato. Ela abaixa-se para pegar, quando sente um cheiro acre de ferrugem fresco. Jezabel leva sua mão direita até a boca e grita! Ela grita e grita o mais alto que podem seus pulmões.
Jezabel sente a dor, maior do que todas as outras dores, que já sentiu até esse momento.
Os pais saem correndo atrás da menina. Eles a encontram caída no chão, olhando para a Coquinho, que está pendurada pelas quatro patas, entre duas árvores, aberta ao meio, e sem a cabeça, que se encontra no chão... abaixo do corpo da pobre cachorra.
Jezabel não para de gritar. Os pais abraçam a menina, que esperneia numa loucura descontrolada.
A menina, bate os calcanhares no chão, como se acompanhasse o ritmo de tambores surdos. Uivos... sim, ela começa a uivar, dada a tamanha loucura que se abate sobre ela.
Coquinho, era o lado cem por cento feliz de Jezabel.
Lucina e Damião, levam Jezabel desmaiada para o quarto. Depois, alucinado, o pai sai de casa direto para a delegacia. Porém, de nada adianta... o delegado da cidade só faz anotar o ocorrido e mais nada.
Enquanto isso, a menina sonha com uma mulher. Uma mulher vestida com sangue, e que vem sendo acompanhada por corvos. Os olhos amarelos da mulher, chamam atenção de Jezabel. A menina não sabe se a mulher é real, ou se é um pesadelo... porém, pouco importa saber a resposta, haja vista a mulher de hálito podre, sentou ao seu lado, na cama.
— Minha criança adorada... conte-me o que aconteceu. — Jezabel fica relutante em responder, mas o carinho na voz daquela mulher vestida de vermelho e dentes podres é paupável. Sincero. Pelo menos é o que Jezabel acha.
— Qual o seu nome?
— Malum, Jezabel. Eu me chamo Malum.
— O que você quer comigo?
— Apenas conversar... saber o que aconteceu. Como você está? — A menina começa a contar tudo para Malum. E quanto mais a menina conta, mais os olhos de Malum ficam amarelos.
Jezabel conta tudo que vem acontecendo. Todas as coisas que ela passa na escola. Malum levanta-se. Cochicha algo no ouvido da menina e de dentro da suas vestes tira uma corda, e do seu bolso esquerdo, uma tesoura.
Jezabel olha para os dois objetos. E quando do vai escolher um, ela se acorda do sonho... porém, para surpresa dela, no chão, a corda e a tesoura repousam sobre o assoalho do seu quarto.
Foi aí que Jezabel percebeu que o dia amanheceu, e com ele um novo dia, uma nova manhã. Ela levanta-se, toma banho, e já desce vestida com a farda da escola.
A menina toma café. A mãe acha estranho a menina amanhecer tão falante. Tão alegre. Mas, como sempre faz, fica calada. Não pede para a menina repousar mais.
No caminho, ela ver a mulher dos corvos. Sim... ela estava parada num precipício... em frente uma árvore. Jezabel, dar tchau para a figura medonha, que responde com um sorriso maligno. Os olhos de Malum, dizem o caminho que Jezabel deve seguir.
Jezabel, não sabe se de fato está vendo Malum ali... o que ela sabe, é que a árvore e a corda, dentro da sua bolsa são reais... e como são reais.
As tias, que ficam na entrada do portão da escola, saúdam Jezabel, e percebem como a menina está bem. Embora achem estranho a menina já estar de volta à escola... um dia, após ela ter encontrado sua animal de estimação estripada e degolada..., porém, nada dizem.
A aula de religião começa. Jezabel, procura o caderno para começar a fazer suas anotações, quando ver a corda, e faz um afago como se fosse em Coquinho.
— A Coquinho é tão linda. — Fala Laura para Jezabel, quase como um sussurro. Jezabel fecha os olhos. Flashbacks de Coquinho aparecem como se montados sobre uma luz vermelha e amarela. Pedaços da sua felicidade em sangue, pirateia diante da menina — Você escutou o que disse? Coquinho nem latiu quando a pegamos.
Foi no rosto. Na verdade foi na bochecha, onde a primeira tesourada entrou.
Jezabel, gargalha e com os olhos arregalados, disfere novos golpes de tesoura e grita:
— MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! — A tia Isaura correu para tentar impedir a oitava tesourada no corpo da Laura, mas foi inútil. Jezabel se apegou ao corpo de Laura, como um cachorro que se apega ao osso — MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! — O nome era dito em meio às gargalhadas — MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! RAFAELA! MALUM!MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM!CLARA! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM!MALUM! MALUM! MALUM! MALUM! MALUM!
FIM
"A OMISSÃO, LEVARÁ PARA O COLO DA MALDADE, A VIDA DOS INOCENTES DESAMPARADOS PELO OFÍCIO DE SER OMISSO."
Patrido Gomez
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