Vinhos e Vodkas
Pov' Brunna
- Gonçalves, meça a temperatura corporal da paciente Yolanda Martínez, no quarto 713, e faça os protocolos iniciais. - escutei o médico regente me pedir e me levantei fechando os últimos botões do meu jaleco.
- Qual o quadro da paciente? - questionei ao pegar a prancheta com os dados da idosa de setenta e um anos.
- Ontem pela noite a paciente chegou com falta de ar e muita dor no peito. Fizemos os exames e descartamos infarto, mas percebi que o coração está maior que o comum. - se sentou na sua mesa.
- Cardiomegalia. - falei com a sobrancelha levantada e ele concordou com a cabeça.
- A pior consequências da doença de Chagas. - suspirou - No último mês ela teve uma viagem para o México, é bem provável que tenha adquirido por lá. - suspeitou - Coloquei seu nome e dados na fila de espera por um coração, mas pela idade, creio que será complicado.
- Com certeza. - pendurei o estetoscópio em meu pescoço - Vou lá fazer o que você pediu.
Edmunds é o melhor hospital do Reino Unido e desde que comecei a faculdade em Londres recebi o convite da Senhora Evans, a minha querida professora de anatomia, para fazer parte do corpo técnico do hospital, mesmo que ainda estagiando. Não pensei duas vezes para aceitar e começar a trabalhar. Durante esses seis anos por aqui, tive a oportunidade de aprimorar os meus conhecimentos e ter muito mais experiência do que em qualquer outro lugar, e serei eternamente grata a Sr Evans.
Caminhei pelo corredor frio e vazio daquele lugar, me deparando apenas com familiares de pacientes em estado terminal, chorando pela dor da perda. Cheguei ao quarto 713 e dei três batidas na porta, escutando um "entre", em inglês. Empurrei a porta de leve e observei a senhora deitada sobre a cama e uma única mulher ao seu lado, limpando a baba que escorria de sua boca. Abri um dos pacotes de luvas descartáveis que eu havia levado e as coloquei em minha mão, para só então me aproximar da paciente.
- Bom dia, Senhora Martínez. - a cumprimentei mesmo sabendo que não haveria uma resposta - Como a senhora está hoje?
- Ainda na mesma. - a mulher que julguei ser sua filha me respondeu - Tentei dar um pouco de água para ela, mas não consegui.
- Quando for assim, você precisa chamar uma enfermeira. Poderia ter agravado o caso dela. - falei séria - Um engasgo é o suficiente para comprometer um infarto ou até mesmo uma parada cardíaca.
- Tem razão. - ela abaixou a cabeça.
- Irei medir a temperatura dela e verificar os batimentos cardíacos. - tirei um termômetro do bolso do meu jaleco - Algo de anormal aconteceu durante a noite? - perguntei.
- Não, ela apenas dormiu. - contou - A senhora sabe quando ela irá ter alta? Esse ambiente não está contribuindo para a melhora dela.
- Não será em breve. - falei sincera - Mas nós estamos fazendo o possível para achar uma boa solução para o caso da sua mãe.
Fiz tudo que me foi pedido para fazer naquele quarto e solicitei mais um cilindro de oxigênio para a mulher que estava com a temperatura baixa e os batimentos lentos. Antes que eu voltasse pra minha sala, chegou um paciente, vítima de um acidente automobilístico e o acompanhei junto com o Doutor Jackye. Foi feito uma cirurgia que demorou cerca de cinco horas, acompanhei todo o procedimento e só então retirei o jaleco que estava grudado em meu corpo, devido a sequência de "exercícios" feitos por mim.
Chegando na sala de descanso, encarei o relógio pendurando na parede e só então me dei conta, de que meu plantão já deveria ter acabado a duas horas atrás. Guardei todas as minhas coisas dentro da pequena mala e fui até a recepção, avisar que estava de saída. Ajeitei meus cabelos para fora da blusa que estou usando e caminhei até meu carro, que está estacionado ao outro lado da rua do hospital. Só depois de sentar no banco do motorista, tirei meu celular da bolsa de mão e o liguei. Vendo mais de cinco ligações da mesma pessoa. Retornei as chamas e o homem atendeu no primeiro toque.
📱
- Hey, Bubu. Pensei que você tinha sumido.
- Boa noite para você também, Philips. - falei divertida com o homem ao outro lado da linha - Bem que eu queria ter sumido, mas só estava trabalhando mesmo.
- Eu deveria ter pensado nisso. - ele gargalhou - Mas fiquei tão animado ao ver que a nossa faculdade cancelou as aulas de hoje, que mal me lembrei desse detalhe.
- Como assim a faculdade cancelou as aulas? - questionei curiosa.
- Pelo visto você ainda não viu as mensagens que foram enviadas no email. - escutei ele sorrir - A avó do diretor veio a falecer hoje a tarde. Então as aulas foram canceladas em respeito a isso.
- Que triste. - suspirei - Se você não tivesse me contado, eu já estaria indo pra lá.
- Pensa pelo lado bom, você não terá aula de anestesia. - brincou ao saber que eu odeio essa matéria - E não irá ver a Rosa.
- Eu até que gosto da Rosa, você sabe disso, Philips. - dei de ombros - Mas enfim, irei aproveitar que não tenho aula pra descansar, hoje o dia foi terrível. Já era pra mim estar no alojamento a horas atrás.
- Essa é a vida de médico. Por isso eu prefiro engenharia civil. - falou orgulhoso - A minha única preocupação é não deixar uma casa cair.
- Gostei do raciocínio. - sorri - Me ligou apenas pra isso?
- Não. - suspirou - Queria te chamar pra beber uma cerveja. Mas como disse que está cansada, quer vir aqui em casa tomar um vinho?
- Não sei. - fiz uma careta - Daquela última vez o vinho não fez muito bem. - me recordo da noite em que eu e ele ultrapassamos os limites da amizade.
- Foi um deslize, não vai se repetir. - disse depois de um tempo - Vai quer vir ou não?
- Irei, mas primeiro vou para casa, preciso de um banho. - encarei o relógio do carro, que está marcando oito horas da noite - Talvez as nove eu chegue aí.
- Tudo bem, estarei de esperando. Até daqui a pouco, Bubu.
- Até daqui a pouco, Phi.
📱
Desligo a ligação e deixo o celular sobre o banco do passageiro, enquanto solto uma alta risada, me lembrando de como Philips consegue ser brega, engraçado, romântico e descolado. O conheci em uma aula de inglês, ele era assistente do professor, bem quando cheguei em Londres. Ele foi rápido em fazer amizade comigo e desde então nunca mais nos separamos. Obviamente ele não é igual o Mário Jorge, meu amigo de infância que deixei no Brasil, mas consegue ser tão especial quanto. Nós tentamos ter algo além de amizade, logo após uma noite de vinhos em sua casa, mas não passou de dois meses, além de eu não o amar, percebemos que somos bem melhor como amigos do que como namorados. E assim a amizade apenas se fortaleceu. Hoje em dia ele faz Engenharia Civil, na mesma faculdade que eu.
Diriji tranquilamente até o alojamento que divido com Rosa e deixo o carro parado na rua, sabendo que daqui breves minutos irei usá-lo novamente. Por sorte a mulher não está em casa, isso me poupa muito tempo e não precisarei contar tudo o que aconteceu em meu dia. Apenas tomo um banho quente e visto sempre as mesmas roupas de frio. O homem não mora muito longe de mim, mas é o suficiente para que eu fique quase trinta minutos dirigindo. Quando chegando em sua porta, ele já está me esperando, usando apenas uma regata branca e um par de luvas de tricô. Ele já está tão acostumado com todo esse frio, que para ele está fazendo calor hoje. Sai do carro e caminhei em dia direção o abraçando apertado.
- Chegou antes que o combinado. É tudo saudades? - brincou abrindo a porta para que eu entrasse a sua frente.
- Nem olhei o relógio antes de sair. - tirei o cachecol que estou usando e deixei sobre o sofá da sala - Como você está?
- Muito bem. - sorriu - Na próxima semana irei para uma conferência em Paris. Estou cheio de expectativas. - contou e eu sorri.
- Você está muito chique. - apertei sua bochecha - Estou vendo você de formar e ser um dos melhores engenheiros dessa Europa.
- Ah, Bubu. - ele suspirou e se jogou no sofá, me puxando para fazer o mesmo - Eu quero ser muito reconhecido, sabe? - concordei com a cabeça - Você também vai ser uma das melhores médicas dessa Europa.
- Você sabe que ao fim desse semestre eu estarei indo embora para o Brasil, não é? - o questionei, e o vi ficar triste - Não continuarei por aqui.
- Deixara o Edmunds por saudades do Brasil? - questionou desanimado - É muita coragem.
- Não diga isso. - suspirei - Eu vim aqui só para fazer a faculdade. E como isso irá acabar no fim desse semestre, voltarei pra minha casa, pra minha família e pro meu lar.
- Por mim, você ficaria aqui para sempre, Bubu. - beijou minha mão - Mas já que não posso fazer isso, vamos tomar um vinho e tentar esquecer que daqui quatro meses, estaremos a milhas de distância.
Ele caminho até a adega e tirou uma garrafa de vinho tinto. Pegou duas taças e nós serviu com elas pela metade. Ele também fez questão de pegar alguns petiscos para a gente comer, enquanto assistia uma série sobre sobrevivência na mata. Passamos a noite por ali, e só nos demos conta disso quando o sol começou a nascer. Me despedi dele com um abraço apertado e um rápido beijo, e voltei para o meu alojamento. Dessa vez encontrando Rose por ali, mas já dormindo em sua cama de solteiro, ao lado do banheiro. Arrumei a minha, que fica debaixo da janela, e adormeci.
Pov' Ludmilla
- Vira mais uma, vira mais uma. - falei para Patrícia, uma das minhas melhores amigas, que estava virando uma dose de vodka.
- Sai fora, Lud. Vira você, que até agora está sóbria. - me entregou o pequeno copo com o líquido amargo. Virei de uma só vez, fazendo uma careta ao sentir aquilo arder a minha garganta.
- Agora chega, primeira e última. - levantei as minhas mãos em rendição - Preciso estar bem pra trabalhar amanhã.
- Deixa ela que agora é responsável. - Bibiu gritou e todos gargalharam - Está falando isso só pra não beber, safada.
- Vamos fazer uma roda de perguntas, se não responder, vai ter que beber. - Daiane, minha melhor amiga sugeriu e eu neguei com a cabeça, mas foi em vão. Já que as quase cinquenta pessoas que estavam por ali concordaram - Vem logo, Ludmilla.
- Mas que caralho. - me sentei ao lado de Marcos, que estava bebendo uma única cerveja sem álcool, por toda a noite - Eu vou começar.
- Começa então, patroa. - Julio, um dos meus seguranças falou animado e eu segurei a risada.
- Vou perguntar pra você. - apontei pra uma mulher ruiva, que estava ao lado da Larissa, amiga de Bibiu - Uma pessoa da roda que você pegaria aqui agora.
- Ajoelhou tem que rezar. - Yris gritou animada e todos gargalharam.
- Não sei, talvez o Gabriel. - falou pro meu empresário que ficou envergonhado.
- Olha só, eu ajudei, agora é com vocês. - dei de ombros e pedi para continuar a brincadeira.
Desde que a festa começou, todos estavam bebendo, menos eu. Nunca gostei de dar pt na frente dos outros, ainda mais hoje que está cheio de pessoas da minha equipe. Seria um tanto quanto vergonhoso. Mas por culpa dessa brincadeira da Daiane já bebi cinco copos de vodka por me negar responder as perguntas que fizeram para mim. A última resposta foi de Marcos, que respondeu para a Luane, quando foi a última vez que ele ficou com o seu ex namorado. Os dois são um caso de amor de novela mexicana.
- Agora eu vou perguntar pra Ludmilla. - escutei o Dj Will falar e revirei os olhos.
- Porque sempre tem que ser eu? - perguntei fingindo estar brava e ele foi rápido em responder.
- Porque a gente quer te conhecer melhor, porra. - gargalhou - Posso falar?
- Tô até com medo. - falei sincera ao ver a cara de quem irá aprontar algo muito pior do que estou esperando - Fala logo. - pedi.
- Nós sabemos que sua vida é muito agitada e nesses últimos meses saiu uns boatos de que você teria ficado com uma pessoa do meio artístico. - fez uma pausa - Qual foi a última pessoa que você amou?
- Ih. - escutei Marcos pronunciar ao meu lado e suspirei pesado. Para todos essa pergunta foi icônica, mas para mim foi o suficiente para que minha noite acabasse por ali.
- Não lembro. - menti, mas respondi para não ter que beber.
- Fala a verdade! - escutei alguém gritar e me mantive firme.
- É sério, eu não lembro. Faz muito tempo.
- Realmente. - Daiane pronunciou baixos e eu me levantei de uma só vez.
- Eu preciso ir resolver uns negócios. - falei em voz alta - Podem continuar a brincadeira.
Não esperei com que eles perguntassem para onde eu iria, apenas adentrei a minha casa sendo acompanhada de Marcos que mantinha um olhar piedoso. O que me fez ficar ainda pior. Inventei uma desculpa para ele dizendo que apenas queria dormir e entrei no meu quarto, fechando a porta e a trancando. A primeira coisa que percebi, foi o porta retrato, na mesa de cabeceira. Uma foto em que está eu e Brunna, observando o por do sol, na rua em que eu morava. Ela tinha um sorriso contagiante e as bochechas coradas, pois eu tinha acabado de fazer um elogio. Senti meu coração se apertar e guardei a foto dentro da primeira gaveta que encontrei. Peguei um dos meus cadernos e analisei as músicas que eu havia composto para ela, bem depois que foi embora.
Como eu fui te amar demais?
Como eu me entreguei demais
Vivendo sem pensar no mais?
E agora ela
Vendo que eu sou incapaz
De viver sem ela
Coisas tão especiais
Que me lembram ela
Será que ela ainda está pensando em mim?
Aquela música me faz lembrar
Do tempo que ela ainda estava aqui, 'tava aqui
Sei lá, só queria você perto de mim
Sei que é difícil ter que aceitar
Essa saudade é muito ruim, muito ruim
Ela levou a paz e não volta mais
Ela levou a paz e não volta mais
Ela levou a paz e não volta mais
Todas as minhas músicas compostas serão lançadas no Hello Mundo, com excessão dessa, que me dói demais, a ponto de não ser conseguido gravar. A mesma dor de quando ela foi embora, me atinge todos os dias, mas depois dessa pergunta sobre a última pessoa que eu amei, eu percebi que mesmo tendo passado várias pessoas em minha vida. Ninguém nunca será igual ela foi. É como se uma garrafa de álcool fosse jogada sobre essa ferida aberta e o sangue não consegue mais ser estancado. Me deixando cada vez mais indefesa.
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Vocês estão gostando da fanfic?
Nos próximos capítulos teremos Brunna de volta ao Brasil, lançamento do Hello Mundo e reencontro brumilla.
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