III
Prometo proteger...
- Ela o quê?!
Afastou o celular da orelha e fez uma careta para o aparelho após o grito estridente de Charlotte ecoar em sua cabeça. Piper o encarou confusa do outro lado da cozinha, abriu um sorriso tranquilizador para ela e praticamente correu para a varanda, fechando a porta de vidro para que sua irmã fofoqueira não escutasse a conversa.
- Agradeceria se você não gritasse no meu ouvido. - resmungou inconformado.
Charlotte fez um som seco do outro lado da linha, falando em seguida em um tom sarcástico:
- E eu agradeceria se você parasse de omitir certas informações para mim.
- Foram apenas dois dias, Char.
- Eu poderia ter feito muito em dois dias e você sabe disso.
Ele sabia que sim, mas não conseguiu encontrar uma vantagem em dizer antes para ela e acabar destruindo um pouco de seu sossego. Ficou feliz em não ter feito isso, principalmente quando ela lhe enviou uma foto com Bysh em alguma praia na Austrália. Contava com a Bilsky para distrair um pouco a mente de Charlotte, ela sempre conseguia tirá-la da zona de conforto e fazê-la ver um pouco da diversão na vida. Claro que sempre dentro da lei. Charlotte Page-Bolton apenas quebrava as próprias regras... e mais algumas quando estava inspirada.
- Eu só queria ter certeza antes de entrar em contato com você. - afirmou, suavizando a voz. - E agora tenho.
Apesar do murmúrio descontente do outro lado, ele sabia que Charlotte estava se acalmando.
- O que você vai fazer?
Franziu a testa, observando a vista da cidade que escurecia aos poucos. Era fim de tarde e o sol descia lentamente, pintando céu em uma aquarela em tons de rosa e laranja. Soltou o ar pelo nariz, se perdendo nas nuances das cores, o lembrando de um jardim florido que visitou durante seus anos de acampamento. Foi há tanto tempo, um momento na vida em que sua preocupação se resumia a não ter seu disfarce revelado e a conquistar uma nova namorada. Apoiou o queixo sobre a palma da mão, apoiando o cotovelo no apoio de ferro que fazia parte da sacada. O contato com o metal gelado provocou arrepios em sua pele, o fazendo estremecer levemente. Continuou a conversa em um tom calmo:
- Procurar ela, o que já estou fazendo, mas agora não sei por onde começar.
- Caramba, estou indo. - Charlotte declarou apressada, o som de papéis sendo remexidos e de algum zíper sendo fechado o puxou de volta ao presente.
- Hum?
- Estou indo. - repetiu pausadamente, começando a digitar algo em um teclado. - Vou tirar uns dias de recesso e vou ajudá-lo enquanto isso.
- Piper está aqui.
- E? - perguntou confusa.
Henry sorriu de forma maliciosa, apesar de ela não vê-lo, iria identificar a nota de provocação em sua voz a milhas de distância.
- Você consegue agir normalmente durante esse tempo? Não vai querer pular no meu pescoço em algum momento? E não estou falando de maneira agressiva. - riu alto quando a escutou ofegar do outro lado.
- Quem você pensa que é, Henry Hart?
- A pessoa de quem você sente mais falta nesse momento.
- Ah, faça um favor a si mesmo e coloque os pés no chão.
Henry não conseguiu controlar a gargalhada que chacoalhou seu corpo, principalmente após conseguir escutar as risadinhas de Charlotte do outro lado. Porém, se conteve para não apontar que ela estava fazendo um péssimo trabalho em tentar disfarçar seus sentimentos, então resolveu mudar de assunto, parcialmente.
- Minha querida irmã irá ficar um mês comigo.
- O que aconteceu? Ela não me disse isso. - perguntou preocupada.
- O apartamento dela inundou após um cano de esgoto ter estourado e ela não queria ficar na mesma cidade que o ex. - respondeu, torcendo o nariz ao lembrar do ex inconveniente de Piper.
Assim que ela chegou teve uma conversa séria com sua irmãzinha, a qual foi prontamente esquecida ou arquivada em algum lugar da mente de Piper Penélope Hart que nunca seria acessado novamente.
- O padeiro ou o cantor? - Charlotte indagou com uma nota de riso em sua voz.
- O cantor padeiro. - respondeu, o sorriso de diversão nunca saindo de seu rosto.
- O daquela música estranha?
- Piper, meu pão, te amo de montão.
Charlotte gargalhou alto quando ele cantarolou, o que fez o coração de Henry esquentar em carinho. Ele amava o som da risada dela, mas a quem estava tentando enganar? Ele amava ser o motivo dos sorrisos de Charlotte Page.
Cara, eu 'tô tão ferrado. Pensou incrédulo, passando a mão pelo rosto em derrota.
- Entendo ela ter fugido. - a risada ainda estava presente na voz dela.
- Você precisa ver o clipe. - garantiu, retirando o celular da orelha e o colocando no viva-voz. - Vou te enviar.
- Vou ver depois. - declarou, logo retornando a voz séria. - Agora foco, Hen.
- Você é quem está desviando.
- Quem está puxando assuntos aletatios não sou eu, meu bem.
Sentiu suas bochechas esquentarem, se dando um tapa mental por estar corando como se tivesse dezessete anos novamente. Decidiu manter o clima leve para que ela não desconfiasse da sua vergonha.
- Há, claro que eu sou o culpado pela sua distração. Isso acontece muito, esposa?
- Shiu! Não fale essa palavra em voz alta!
Olhou para trás, notando que Piper cantava baixinho enquanto mexia em uma panela no fogão. Estremeceu por saber que daqui a alguns minutos iria ser cobaia novamente dos testes de sua irmã. Mas ao menos ela estava ocupada de mais para prestar atenção em sua conversa.
- Está tudo bem. - garantiu, mas desligando o viva-voz para ter certeza. - Bom, quando você chega?
- Comprei uma passagem para daqui a três horas. - o som da digitação frenética parou abruptamente. - Hum, chego a noite.
- Vou lhe buscar.
A mulher bufou do outro lado da linha, um som que o ofendeu parcialmente.
- Não precisa, eu pego um táxi.
Henry tombou a cabeça para trás em frustração. Como ela poderia ser tão teimosa?
- Charlotteeee.
- Heeeenry. - o imitou, soltando uma risada leve. - Não seja um bebê, posso muito bem voltar sozinha.
- Com a demônia a solta? De jeito nenhum. Proteção, lembra? Estava nos votos. - não precisava ver para saber o quanto Charlotte estava revirando os olhos naquele momento.
- Tudo bem.
O resmungo irritado era o máximo que ele conseguiria e quem era ele para recusar? Apenas sorriu e desejou um "até logo" após o qual a ligação foi encerrada com um último aviso para ele tomar cuidado. Observou o celular com um sorriso no rosto, o coração aquecido e a respiração presa. Se fosse ficar naquele estado toda vez que conversasse com Charlotte, seria melhor para todos se procurasse logo um médico. Aquilo não era normal. Virou a cabeça quando escutou a porta de vidro ser aberta, encontrou Piper com o avental completamente destruído, mas com uma caneca nas mãos. Sorriu da ironia quando leu a frase, "Levando a vida de acordo com as regras", fora um presente de Kevin e nas mãos de sua irmã se tornava apenas obsoleto. Piper Hart fazia suas próprias regras, talvez fosse esse um dos motivos dela e Charlotte serem melhores amigas.
- Quem era? - perguntou curiosa, sentando em uma das cadeiras da varanda e bebericando o que fosse que estivesse dentro da caneca.
Puxou a outra cadeira para sentar ao lado dela, esticando as pernas para apoiar os pés na grade de segurança.
- Char, ela vem passar uns dias aqui.
- Hum.
Estreitou os olhos para o tom na voz de Piper, a encontrando tentando esconder um sorriso e falhando miseravelmente.
- Não comece, Penélope.
Em segundos seu rosto assumiu um tom assassino.
- Já disse pra não me chamar assim! - se inclinou para belisca-lo, conseguindo torcer a pele de seu braço de maneira dolorosa.
- Ai! - recuou pela dor, levantando-se para ficar longe dela. - Não precisava disso.
- Então pare de provocar, Prudence.
Gargalhou do rosto vermelho e irritado de sua irmã, a jogando um punhado de pedrinhas coloridas de um vaso de plantas ao lado e correndo para dentro da casa quando ela levantou em um salto e correu para tentar acertá-lo com o que encontrava pelo caminho.
°°°°°
Charlotte arrumou a alça de sua mochila e puxou a mala de rodinhas em direção ao estacionamento do aeroporto. Seus olhos estavam doloridos das horas passadas em frente à uma tela de computador, teve que apressar seus relatórios para conseguir tirar aquelas semanas de folga, porém, quando voltasse iria dar de frente com inúmeras reuniões e madrugadas passadas no laboratório. Levou uma mão à boca para esconder o bocejo, seu corpo amolecendo e suas pálpebras pesando, precisava chegar logo em casa, bom, na casa de Henry, e tirar um merecido descanso. Provavelmente dormiria na sala já que Piper estava com o quarto de hóspedes, não expulsaria nenhum de seus amigos do quarto apenas para evitar as dores no corpo que a iriam transformar em um Grinch quando acordasse no outro dia.
- Boa noite, luz do sol!
Franziu o nariz para o tom alegre de seu melhor amigo, ignorando seus braços estendidos em um convite e passando direto em direção ao seu carro. Escutou a risada de Henry a acompanhar antes dele retirar a mala de sua mão e abrir a porta para ela. Charlotte adentrou o carro e soltou um suspiro de contentamento quando sentou-se no banco do passageiro. Suas pernas agradeciam o descanso e seu corpo relaxou automaticamente contra o assento, seus olhos já se fechavam lentamente quando escutou a porta ao seu lado abrir e sentir o peso do corpo de Henry ocupar o banco do motorista.
- Chegaremos logo, amor.
Sorriu para o apelido carinhoso, apenas murmurando em reposta e se aconchegando ao girar o corpo para ficar de frente para ele. Cantarolou feliz quando o banco foi reclinado para trás e logo se perdeu em meio à névoa do sono, assimilando pouco do que aconteceu nos próximos minutos. Em algum momento sentiu seu corpo ser pousado sobre uma superfície quente e macia, estendeu o braço à esmo, sentindo uma mão envolver a sua. Puxou o corpo de encontro ao seu, sabia muito bem a quem pertencia e somente suspirou quando escutou o arquejo de surpresa. Se aproximou ainda mais, estava tão cansada e só queria um abraço, os abraços de Henry eram os melhores e não tardou a recebê-lo. Se aconchegou contra o corpo dele, se sentindo ser moldada para ficar naquela posição, parecia certo e Charlotte estava cansada de mais para negar aquele agrado a si mesma.
Horas depois acordou com os raios de sol em seu rosto, tentou rolar para o outro lado, mas algo a prendia pela cintura. Abriu os olhos para encontrar a metade inferior de um rosto, levantou o olhar e viu Henry dormindo pacificamente. Ele a prendia contra seu peito, escondendo o rosto na curva de seu pescoço quando ela tentou desvencilhar-se novamente. Uma risada surpresa escapou por seus lábios quando sentiu as cócegas em seu pescoço, isso pareceu acordar Henry e no instante seguinte se via gargalhando quando ele começou a esfregar o rosto contra sua pele. Tentou afastá-lo, porém, se viu derretendo contra ele após o Hart parar o ataque.
- Bom dia, esposa. - desejou com um enorme sorriso no rosto quando ela o encarou.
Charlotte franziu o nariz em falsa irritação, mas não conseguiu conter seu próprio sorriso.
- Por que você insiste em me chamar assim?
- Porque você é a minha esposa. - respondeu como se fosse a pergunta mais simples do mundo. - Estamos casados, Char.
Sentiu seu coração acelerar estupidamente e se viu perguntando se ele poderia sentir as batidas contra seu corpo. Tentou não se remexer diante do olhar dele. Os olhos de Henry estavam tão calorosos, a fitavam com uma ternura quase palpável. Charlotte soltou a respiração calmamente, se vendo forçar as palavras em meio a um fraco resmungo:
- Sim, mas não desse jeito.
Henry aproximou seus rostos, esfregando a ponta de seu nariz no dela em um carinho íntimo que quase tirou o ar dos pulmões de Charlotte Page-Bolton.
- Mas que pode ser mudado. - murmurou suavemente, sua respiração batendo nos lábios entreabertos de Charlotte.
Naquele instante ela nem se importou com o hálito matinal que tanto a irritava, apenas se viu novamente sem palavras enquanto piscava estupidamente para o sorriso crescente de seu melhor amigo... e esposo, sussurrou uma voz teimosa no fundo de sua mente.
- Hum?
- Você entendeu o que eu quis dizer. - declarou determinado, se afastando um pouco quando notou o quão perdida ela estava. - Agora vou tomar um banho antes de irmos para a delegacia.
- Mas, hum, fazer o quê?
- Vamos caçar alguns demônios, linda. - afirmou alegre, beijando a sua testa antes de pular da cama e ir em direção ao banheiro.
Charlotte ficou paralisada, não sabia o que fazer. Henry realmente queria levar aquele casamento a sério ou era apenas mais uma de suas brincadeiras? E se ele quisesse era por que sentia algo por ela ou apenas por obrigação já que estariam juntos para sempre? Tantos cenários se formaram em sua mente que mal escutou as batidas incessantes na porta do quarto até que a voz de Piper começou a soar alta e estridente.
- Você disse que ia fazer meu café da manhã! Que porcaria de férias são essas se eu não tenho um café pronto na mesa quando eu acordo?!
- Eu nunca disse que ia ser seu camareiro, Piper! - o Hart gritou de dentro do banheiro, recebendo uma resposta imediata.
- Você é meu irmão mais velho!
- Não seu mordomo!
Charlotte riu da réplica, apoiando as costas contra a parede lateral à cama enquanto puxava sua bolsa da mesa de canto à procura de um chiclete.
- Eu vou pedir pra Charlotte! Ela nunca vai me deixar passar fome como você, seu ingrato!
Teve que conter a gargalhada, tanto por Piper estar certa quanto para evitar que Henry a entregasse.
- Há! Boa sorte com isso! Ela vai dizer não, sua chata!
- Aposto cinquenta dólares que ela vai dizer sim, seu ignorante!
- Feito!
Pulou da cama ao som da aposta, resolvendo que não se importava de Piper saber que ela passara a noite ali.
- A refeição mais cara da história para você, Hart!
Charlotte abriu a porta, encontrando a Hart mais nova congelada por alguns segundos. Piper rapidamente se recuperou, colocando a cabeça para dentro do quarto e observando a cama desarrumada antes de encarar a amiga novamente.
- Vai querer explicar agora ou depois, senhorita Page?
Charlotte apenas balançou a cabeça e a empurrou para fora. Piper a obedeceu sem reclamações, mas logo começou a enchê-la de perguntas e comentários que a fizeram gargalhar alto. A guiou em direção à cozinha para preparar o café da manhã para os Hart, sendo bombardeada de perguntas atrás de perguntas oriundas de sua melhor amiga e as risadas audíveis de Henry vindas do quarto. Foi uma boa manhã, concluiu ao ignorar Piper enquanto comiam panquecas de mirtilo e se recostava contra seu melhor amigo... e marido, que ria descaradamente de sua irmã indignada.
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