「𝐷𝑒𝑠𝑡𝑖𝑛𝑜」
"setembro de 2023, três meses antes"
Num suspiro pesado o jovem Wayne se levantou da cama em meio as cobertas úmidas, novamente tivera aquele maldito pesadelo que o perseguia a anos, cada vez mais real. Caminhou até o banheiro tomando uma longa ducha na esperança de que a água gelada lhe acordasse por completo.
Desceu as escadas encontrando seu irmão na porta a vestir o casaco e ir para o escritório trabalhar em mais alguma pesquisa da qual o jovem com certeza não possuía interesse, lhe deu um breve aceno e partiu em direção a cozinha. Não era novidade para ninguém que o rapaz se mudara faziam alguns meses para a casa de seu irmão após mais uma briga intensa com o pai.
Apesar de serem de mães diferentes, Sebastian se dava mais do que bem com Michael. Michael por sua vez adorava o irmão mais novo e fazia o possível para mima-lo, sabia que Sebastian não era uma criança comum, porém isto não o impediu de ama-lo.
E com incomum, me refiro aos intermitentes acessos de raiva que o rapaz herdara do pai, junto as suas crises explosivas. Apesar de nunca ter machucado alguém que não merecesse, o coração de Michael se partia todas as vezes que precisavam mudar o psicólogo, ou pior, a escola em que o jovem estudava.
Sebastian se olhou no espelho do corredor uma ultima vez antes de sair de casa, seus cabelos loiro escuro estavam despenteados e ainda molhados, porém toda a atenção ainda iam em direção aos seus olhos castanho alaranjados incomuns, traço que ele jurava ter herdado de sua mãe apesar de jamais tê-la conhecido.
Ele sabia que iria ver Rafael mais cedo que do pensava, mas a surpresa de vê-lo na porta de sua casa meia hora antes do horário escolar era presente. O irmão do garoto o convidou a entrar e tomar café junto a eles, porém o rapaz insistia em levar o namorado para tomar café em uma cafeteria próxima a escola para comemorar sua volta.
Sebastian relutou inicialmente subindo ao seu quarto com o pretexto de colocar mais um casaco, afinal estava frio do lado de fora da casa. Após colocar sua jaqueta de camurça preta com o casaco xadrez vermelho de flanela, vestiu seu tênis de cano longo, tentando demorar o máximo possível, a fim de passar menos tempo com Rafael.
Levantou-se apressado ao ouvir passos em direção a escada junto de chamadas ao seu nome. Olhou em direção a escrivaninha procurando sua bolsa e reparou no pequeno objeto que reluzia entre os lápis e canetas, um pequeno objeto feito de plástico com uma lâmina em seu interior, o estilete.
De maneira apressada o agarrou e colocou dentro de sua meia, talvez precisasse dele mais tarde, mesmo esperando que não. Tratou de pegar sua mochila e pôs se a ir em direção a escada a descendo, vendo seu namorado esperando-a encostado ao batente da cozinha, por alguns instantes flashes da noite do ataque vieram em sua mente fazendo com que ele balançasse a cabeça a fim de afasta-los.
- Tchau mano! – Disse ao sair de casa em direção a minivan do namorado.
- Você contou algo a ele? Sobre aquela noite? – Seus olhos se mantinham na estrada fixos no caminho que devia seguir.
- Não. – Limitou-se a ser direto.
- Sebby não precisa ficar desta maneira. – Sua mão repousou sobre a coxa do outro a apertando. – Ambos sabemos que não era minha intenção, eu estava apenas alterado naquela noite, e quero realmente mudar as coisas entre nós.
- Não vejo diferença alguma de você sóbrio para chapado. – Retirou de maneira brusca a mão do menino, sendo advertido com um aperto forte em seu pulso.
- Você poderia simplesmente esquecer tudo, mas não. Prefere ficar com essa magoa atoa, lamento em te dizer que o mundo não é um sonho queridinho, e eu posso não ser um príncipe, mas você vai ter de aprender a conviver com isso!
Seus olhos se moveram ao garoto lhe assustando ao ver o estado em que o mesmo se encontrava, cabelos desgrenhados, pele pálida e a barba rala indicava que ele já não se cuidava a um tempo, talvez apenas tomasse seu banho diário e se embriagava como de costume.
Isso o assombrava, ver como ele se destruía por dentro e por fora sem piedade de si mesmo, como um fardo que carregava sem dó e nem piedade, seus fantasmas eram bem mais dolorosos que os dele e por consequência de não saber lidar com toda a estrutura de seus pensamentos ele explodia com uma bomba, mas não como uma pequena granada, mas sim como um czar.
- Rafa você está me machucando! – Disse ao ver a vermelhidão do pulso que o mesmo segurava.
- Desculpa. Não era o que eu pretendia, foi um deslize. – Disse ao estacionar o carro e descer em direção a porta dele abrindo-a. – Sente-se eu iriei pedir algo para você.
- Tudo bem... – Se moveu há um banco próximo a janela onde poderia ser visto pelas outras pessoas, o que lhe trazia segurança.
Rafael sabia como usar sua lábia para conseguir o que queria, usando seu charme conseguiu que a garçonete colocasse mais chantilly no achocolatado que pedira. Com a bandeja se dirigiu a mesa.
Entregou o donut e a bebida quente o menino que estava a sua frente, quando o mesmo esticou seu braço para pegar o lanche, pôde reparar a mancha roxa que começava a ficar evidente em seu braço fazendo seu sangue gelar, novamente estava machucando-o, mas não podia evitar.
Para o mais velho tudo no pequeno Wayne lhe excitava de maneira carnal e violenta, até mesmo sua inocência fazia com que o garoto fosse a loucura rapidamente, perdendo seus sentidos, iniciando a insanidade.
Olhar em seus olhos lhe lembrava um pequeno cordeiro, com medo, assustado, como se já soubesse que o abate estava por vir, tentando fugir do inevitável. Se sentir como um predador era quase inevitável, ser o maior e mais forte, exercer influência sobre alguém, manter seu poder sem muito esforço era uma espécie de sonho para ele que sempre fora esquecido quando criança, finalmente tinha a influência que julgava merecer.
Mas o custo disso valia mesmo a pena? Machucar alguém pelo prazer de se sentir superior? Ele questionava seus próprios valores, porém a resposta era sempre a mesma.
Desceu seu olhar para o pescoço perdendo por uma fração de segundos sua racionalidade, imaginando-se com as mãos envolta do mesmo, exercendo sua força, o ouvindo tentar gritar por socorro, recobrou a consciência se arrependendo por tais pensamentos, não seria capaz de mata-lo, o garoto que amava, amava?
Ouviu o som do liquido passar pelo canudinho e moveu o olhar novamente para o rosto rubro do moreno a sua frente, suas bochechas coradas por causa do frio dava-lhe um ar infantil que junto ao seu cachecol vermelho fazia com que sua beleza fosse ressaltada.
Sebastian não era um qualquer, pelo menos não para ele.
Optou por passar em uma farmácia e comprar alguma bandagem para esconder as marcas de seu pulso, não queria que as pessoas começassem a suspeitar de seu relacionamento. Chegando na escola seguiu o menino até a diretoria para que pegasse seus horários e o deixou lá para não se atrasar em sua aula que era no prédio oposto, precisava se afastar um pouco e recobrar seus sentidos.
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Lucas havia dirigido até a casa de Sebastian na expectativa de lhe dar uma carona antes de seu namorado para evitar que algo acontecesse no curto período de tempo até a escola, mas havia se frustrado ao saber que ele já havia ido com o mesmo, se dirigiu até a escola a fim de procurar o menino.
Ele nunca fora de se preocupar tanto com isso, mas após o acontecimento de alguns meses, se sentia na obrigação de proteger o melhor amigo que era quase um irmão. O viu sair da diretoria e instantaneamente varreu seu olhar sobre seu corpo, passou por seus cabelos loiros que caiam como um véu por seus olhos, depois pela sua jaqueta preta que escondia o fundo xadrez vermelho e o cachecol, por seus jeans e seu all-star e constatou que não tinha o que se preocupar. Porém toda a sua certeza se diluiu ao ver o pulso enfaixado.
- Qual a mentira da vez? – Indagou meio irritado.
- Bati em algo.... Mas parece mais que torci. – Disse ao levantar o pulso enquanto lia o itinerário de aulas.
-Dói? – Passou a mão pela bandagem.
- Só quando tento fechar a mão, mas logo passará. – Levantou a cabeça em sua direção. - Sabe onde é a sala de história do primeiro ano?
- Eu te levo lá. – Se pôs a andar guiando o caminho.
- Eu não entendo... você costuma não deixar ninguém te irritar, na primeira vez que nos conhecemos você me fez usar um gesso na mão por dois meses. Então por que, por que você não expulsa esse idiota de perto de você?
- Não é tão simples. Quando conheci Rafael ele era apenas um garoto assustado enquanto eu era apenas uma criança carente, com o tempo ambos desenvolvemos uma dependência emocional forte. - Comentou caminhando ao lado do amigo. - Da ultima vez que terminamos ele tentou se matar. Eu não posso viver com essa culpa.
- Mas pode viver com ele te machucando como uma boneca que cansou de brincar? - Indagou frustrado.
A relação entre Sebastian Wayne e Lucas Klein parecia transcender qualquer padrão que o colégio North, um lugar reservado para adolescentes em reabilitação, estivesse acostumado a observar. Sebastian, o típico lobo solitário, era conhecido por seu comportamento explosivo e por se manter à distância de todos ao seu redor. Mas havia algo em Lucas—um jovem de família rica, com uma personalidade extrovertida e acolhedora — que fazia Sebastian baixar a guarda, mesmo que apenas por um instante.
A lembrança de seu primeiro encontro permanecia vívida na mente de Sebastian, como uma ferida que nunca cicatrizaria completamente. Era uma aula de carpintaria no sexto ano, em um momento de raiva descontrolada ele cravara uma plaina na mão de Lucas após algumas importunações vindas do menino. Para sua surpresa, em vez de se afastar ou criar um clima hostil o loiro havia reagido de maneira inesperada.
Com um sorriso maroto, Lucas dissera apenas "Acho que você precisa de uma aula de controle da raiva!" Sua natureza gentil ou a falta de senso de humor não apenas quebraram a barreira que Sebastian havia erguido, mas também iniciaram uma amizade improvável, florescendo apesar das diferenças gritantes entre eles.
Agora, no colégio North, a conexão deles se tornara quase indissolúvel. Sebastian sabia que devia muito a Lucas, mesmo que o amigo não precisasse estar ali; ele escolhera acompanhá-lo. Essa amizade era baseada em uma lealdade que transcendia os rótulos de "infrator" ou "reabilitado", algo que ele valorizava mais do que estava disposto a admitir.
Os corredores do segundo prédio se transformavam em labirintos tortuosos na mente do Wayne, cada passo uma batalha contra a dor que ainda latejava em seu corpo - uma lembrança do por que fora transferido para um novo colégio. Ao avistar a placa indicando as aulas de história, ele suspirou aliviado, agradecendo por finalmente chegar ao destino. A última surra ainda pesava sobre ele, tendo que parar algumas vezes no caminho para recuperar o fôlego.
Hesitou diante da porta da sala, sentindo a pressão de chegar atrasado em seu primeiro dia e desta vez seu amigo não estaria com ele, pois haviam pego turmas diferentes. A ansiedade o envolvia como uma névoa densa, esperava que seu porte magro e desajeitado não fosse motivo de zombarias. Após alguns segundos, a porta se abriu, revelando uma mulher de meia-idade, vestindo um jaleco empoeirado.
Então, havia a Sra. Roosevelt, a nova professora de história, a terceira que conhecera naquele ano, era um mistério envolto em serenidade. Com um brilho peculiar nos olhos, ela parecia ser a antítese de qualquer caos que a escola poderia apresentar. Como alguém poderia ser tão calmo e alegre lecionando para adolescentes problemáticos? A presença dela era quase desafiadora, provocando uma inquietação inexplicável dentro de Sebastian.
— Suponho que seja o Sr. Wayne? — perguntou, sua voz suave e acolhedora. Sebastian assentiu com a cabeça, sentindo-se um tanto perdido. — Sente-se no lugar vago ao lado da Abigail Daves ou Cassiel Baldrick. Já havíamos iniciado a aula, espero que não se importe. — A professora sorriu com um toque de compreensão.
— Sim, senhora — murmurou, sua voz mal audível.
— Ótimo, pegue seu caderno e voltaremos à aula — ela fez um gesto para que ele entrasse, enquanto voltava a escrever na lousa os títulos dos livros que estudariam ao longo do semestre.
Os olhos dele foram sem hesitação para o ultimo assento ao lado da janela, o garoto de seus sonhos estava ali, parado a observar as folhas caírem das árvores pelo lado de fora do vidro. O rapaz o olhou confuso como se algo em si o intriga-se, o que ele tinha certeza de que era apenas um pré-julgamento. Em passos curtos se pôs a andar em direção ao lugar vazio de sua escolha, vendo as pessoas a acompanhar com seus olhos curiosos.
Ao adentrar a sala, localizou o lugar vazio e encontrou uma jovem de pele pálida e olhar triste. Sentou-se à beira da carteira, evitando contato visual, preocupado que qualquer um espalhasse boatos sobre sua nova parceira de história, não era nenhuma novidade para ele os boatos que corriam sobre sua transferência repentina.
Alguns comentários soaram baixo quando o garoto finalmente sentou, o impacto de sua decisão estava mais sobre os outros da sala, do que sobre ee..
Abigail ciente de que sua aparência poderia intimidar, percebeu que seu novo colega se esforçava para permanecer distante. O comportamento dele intrigava-a. Os pensamentos de Sebastian pareciam vagos, e muitas vezes, inexistentes enquanto ele fixava o olhar na lousa, como se o mundo ao redor tivesse desaparecido.
Uma pontada de interesse despertou em Abigail ao notar a maneira como ele se isolava, como se o espaço da sala fosse pequeno demais para comportar sua presença. Observando seus rabiscos em uma letra cursiva inclinada, ela tentava decifrar pequenos fragmentos de palavras desconexas. O que ele pensava ao ignorá-la? O que ele escondia?
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— Alunos, teremos uma atividade este mês que consiste em algumas perguntas sobre o passado de suas duplas — anunciou a professora, quebrando o silêncio tenso. — Agrupei vocês com pessoas que não são amigas ou conhecidas. O objetivo é que se conheçam melhor e aprendam sobre o contexto histórico de suas famílias. Vou distribuir um questionário que deve ser entregue em forma de redação daqui a um mês, quanto a você Cassiel já que esta sozinho se reúna a dupla de Sebastian e Abigail e façam um trio.
A menção de uma atividade que os forçaria a se conhecer despertou uma inquietude em Sebastian. Ao perceber a agitação quase imperceptível de Abigail ao seu lado, ele instintivamente se recolheu ainda mais em seu assento, como se a simples ideia de interação o fizesse se sentir exposto.
— Está tudo bem? — cochichou Sebastian, ao encarar pela primeira vez os olhos azulados e com um brilho acinzentado dela, sendo capaz de ver seu próprio reflexo. A frase havia sido mais uma afirmação a si mesmo do que uma pergunta, a jovem por sua que se limitou a arrumar a postura e olhar em direção ao quadro negro, desviando dos olhos verdes escuros de Sebastian, deixando-o sem resposta. — Rude.
— Espera, o que?! — Abigail exclamou, e um olhar de advertência da professora a fez se encolher na cadeira. Logo, começou a sussurrar para Sebastian. — Você está tremendo igual um fantasma ao meu lado!
— Seu perfume é muito forte. Que cheiro é esse? Sândalo? — ele respondeu, coçando o nariz, tentando conter uma careta.
Abigail sentiu uma onda de alívio inesperado ao ouvir a resposta dele, algo que não conseguia explicar. Mesmo incomodada com a reação do rapaz, havia algo em sua presença que a fazia sentir-se estranhamente mais leve, como se, por um breve momento, a tristeza que a acompanhava nos últimos meses se dissipasse.
Era como se a presença dele oferecesse uma trégua ao peso que ela carregava diariamente.
Quando o sinal tocou, uma sensação inexplicável a impulsionou a segui-lo. Sem entender o motivo, mas atraída por um mistério que emanava dele, levantou-se rapidamente e o seguiu pelos corredores em direção ao refeitório vendo o menino fugir de Cassiel que andava até sua mesa, mantendo uma distância segura para não chamar atenção.
Ao chegarem ao refeitório, Abigail escolheu uma cadeira da mesa ao lado de Sebastian, que parecia desconfortável com a súbita companhia. Ele mexia distraidamente em seu lanche, como se tentasse ignorá-la.
— Então, Sebastian, de onde você é? — perguntou Abigail, tentando soar casual, sua voz levemente trêmula.
— Não importa — respondeu ele rapidamente, sem desviar os olhos da comida.
— Ok... você sempre foi assim? Tão recluso? — Ela o encarou, buscando uma reação.
— Não é da sua conta — ele rebateu, sua voz seca e cortante.
Abigail não desistiu, ignorando o desconforto de Sebastian, decidida a descobrir mais sobre ele.
— Você tem família aqui? Ou está sozinho na cidade? — perguntou, quase sussurrando, como se tentasse abrir uma brecha para uma conexão.
Sebastian suspirou, frustrado com a insistência dela. Olhou ao redor, como se procurasse uma saída, antes de finalmente responder, sua voz quase inaudível:
— Já disse, não importa. Não gosto de falar sobre isso.
Ela percebeu que cada tentativa de se aproximar era bloqueada por uma barreira invisível que ele erguia. O mistério em torno de seu novo parceiro de história só crescia, mas, ao mesmo tempo, a distância que ele mantinha a fazia querer entender o que ele tanto escondia.
— Você é bem difícil, sabia? — Abigail comentou, cruzando os braços e observando-o com um meio sorriso, tentando criar uma conexão.
— Talvez eu só não queira ninguém se intrometendo na minha vida, nem mesmo por um trabalho escolar. — Sebastian respondeu, firme, desviando o olhar e reforçando seu isolamento.
O silêncio pairou sobre a mesa, Abigail percebeu que por mais perguntas que fizesse, o loiro não revelaria nada sobre quem realmente era.
Sebastian estava claramente desconfortável com a presença dela. Seu cabelo loiro escuro estava bagunçado, seu rosto pálido exibia uma expressão introspectiva que parecia ser parte de sua essência. Seus olhos evitavam contato, enquanto seus dedos longos brincavam nervosamente com a bandeja de comida.
O estereótipo da rebelde solitária que ela encarnava se tornava ainda mais evidente em sua postura retraída, quase como se desejasse atenção. Abigail, sentada ao lado dele, era uma presença radiante e fúnebre ao mesmo tempo, como se fossem dois polos opostos. Com seus cabelos castanho-avermelhados presos em um coque desajeitado e olhos castanhos brilhantes, ela parecia determinada a quebrar o gelo.
Sua pele clara e traços delicados ofereciam uma aura de curiosidade e energia, contrastando com o ambiente monótono do refeitório. Havia uma suavidade em seu jeito de falar, como se tentasse se aproximar sem invadir o espaço pessoal de Sebastian.
De repente, Lucas entrou no refeitório, seus olhos brilhando ao avistar Sebastian. Ele se aproximou rapidamente, como um raio de sol que iluminava o ambiente. O sorriso que carregava era contagiante, e Sebastian não pôde evitar um pequeno sorriso em resposta.
— E aí, amigo! Como foi a primeira aula? — Lucas perguntou, ignorando a presença de Abigail.
O pequeno Wayne sentiu uma onda de alívio ao ver Lucas, como se uma parte de seu peso se dissipasse. Era o amigo que sempre o apoiava, que conhecia suas lutas e ainda assim permanecia ao seu lado.
— Foi... interessante — Sebastian respondeu, olhando para Lucas.
Abigail observou a interação com um misto de admiração e frustração. Lucas tinha uma habilidade única de iluminar qualquer ambiente, enquanto Sebastian parecia sempre emaranhado em seus próprios pensamentos.
— Você deveria se juntar a nós! — Lucas exclamou, dirigindo-se a Abigail com um sorriso acolhedor oferecendo um pouco de seus chips. — A aula foi legal, mas não posso dizer o mesmo da comida!
— Não, obrigado — respondeu Abigail, sorrindo de volta, embora seu olhar permanecesse fixo no outro rapaz, que parecia perdido em seus próprios pensamentos novamente.
— O que está rolando aqui? — disse Lucas, jogando-se na cadeira ao lado do amigo, dando uma olhada rápida para Abigail.
— Só estava tentando descobrir mais sobre o seu amigo aqui, mas ele não quer falar nada — disse ela, soltando uma risada leve para tentar desanuviar a tensão.
— Ah, então você está interessada no meu lobinho, é isso? —Disse com um sorriso malicioso, sem perceber o desconforto que suas palavras causavam. — Bom, ele não é do tipo que se abre fácil, mas eu posso te ajudar com isso. — Ele piscou para a castanha, enquanto Sebastian revirava os olhos, claramente exasperado.
— Lucas, sério? — Interrompeu, a frustração visível em seu rosto enquanto ele lançava um olhar duro para o amigo.
— Tá bom, tá bom — respondeu o loiro, erguendo as mãos em um gesto de rendição, mas ainda com um sorriso. — O que você quer saber sobre ele, Abigail? — Ele a olhou diretamente, com aqueles olhos azuis intensos, mas sua expressão continuava leve. — Eu posso contar tudo! Ele é um cara legal, só meio fechado. Vai ver ele está com vergonha porque está interessado também.
Lucas deu um empurrãozinho no ombro de Sebastian, que se afastou imediatamente, sua expressão se tornando ainda mais fechada.
— Não é nada disso — explicou Abigail, rindo um pouco com um ar mais leve. — A professora de história nos colocou como dupla para um trabalho sobre o passado das nossas famílias. Só estou tentando fazer meu trabalho, mas parece que o Sebastian prefere manter tudo em segredo.
Lucas ergueu as sobrancelhas e soltou uma risada.
— Ahhh, entendi! O grande trabalho de história, eu soube que todos temos que fazer, acho que ela deve me passar isso amanhã quando tiver a aula dela! — Ele olhou para Sebastian, que continuava com os olhos fixos na bandeja, cada vez mais irritado. — Vai cara, ajuda ela. Não custa nada.
Sebastian ficou em silêncio por um momento, antes de se levantar bruscamente, jogando a mochila sobre o ombro.
— Eu não sou obrigado a contar nada — disse ele, com os olhos verdes brilhando de frustração. — Se quer fazer o trabalho, descubra você mesma. — Ele deu um último olhar para Abigail, que o observava surpresa, e saiu do refeitório sem mais palavras.
Lucas suspirou, encolhendo os ombros como se estivesse acostumado com as reações explosivas de Sebastian.
— Ele é assim mesmo, meio complicado. Boa sorte com o trabalho! — Lucas deu um sorriso despreocupado para Abigail, antes de voltar sua atenção para o s chips, como se nada demais tivesse acontecido.
Abigail observou a figura de Sebastian desaparecer pelo corredor, sentindo que, apesar da barreira que ele havia erguido, havia algo a mais por trás de todo aquele mistério.
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Para sua sorte, não havia visto Rafael no intervalo, então o seu dia estava um pouco melhor a cada segundo que passava. Mas isto é claro, ignorando o fato de que teria educação física em seguida. O ar frio e a névoa fina envolviam o campo, quase refletindo o que ele sentia por dentro: uma mistura de cansaço e solidão, algo que ele mascarava bem com sua fachada de indiferença.
Ele segurava a bandeira como se estivesse agarrado à última chance de escapar de tudo aquilo, odiava jogos esportivos e detestava ainda mais ter sido arrastado para aquela posição ridícula por culpa do professor de educação física não ter gostado do costume irritante do garoto de revirar os olhos constantemente.
Apesar do desprezo pelo que estava fazendo, ele era rápido e isso o mantinha à frente. Seu corpo magro, mas ágil, desviava das tentativas frustradas dos garotos que tentavam pegá-lo. Ele sabia planejar seus movimentos, traçando uma rota clara pelo campo, deixando os outros para trás como se fossem obstáculos insignificantes.
Ele estava focado, determinado a cruzar a linha com a bandeira.
Foi então que tudo saiu do controle. O impacto de outro corpo contra o seu o fez perder o equilíbrio, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, ambos caíram no chão rolando. O mundo ao redor deles parecia ter desaparecido, deixando apenas o toque da terra úmida, o cheiro de grama molhada e o som abafado de suas respirações rápidas.
Por um momento que pareceu suspenso no tempo, ele sentiu os braços do outro garoto ao redor de sua cintura, segurando-o com firmeza, mas sem brutalidade. Quando pararam de rolar, o chão frio estabilizando sob seus corpos, ele finalmente olhou para o rosto que estava tão próximo ao seu. E o que viu fez seu coração disparar, de um jeito que ele não esperava.
Os olhos à sua frente eram de um negro profundo, fixos nos dele com uma intensidade quase hipnótica. Por um segundo, ele se esqueceu de onde estava, de quem era, do que estava fazendo. Havia algo naquele olhar que o desarmava completamente, uma mistura de curiosidade e desafio, como se o garoto à sua frente estivesse tentando decifrá-lo, penetrando sua fachada com aqueles olhos enigmáticos.
Eles ficaram ali, imóveis, apenas respirando, os corpos ainda entrelaçados no chão. O frio que subia por suas costas parecia contrastar com o calor inexplicável que subia de sua barriga, um calor que não vinha apenas do esforço físico, mas de algo muito mais profundo, algo que ele não queria reconhecer. Ele sentiu o coração pulsar em seus ouvidos, o peso do outro garoto era estranhamente confortável. Por um breve momento, ele não soube o que fazer.
Então, como se o encanto tivesse se quebrado se afastaram bruscamente, levantando-se de maneira quase desesperada, como se precisasse fugir daquele contato, daquela sensação estranha que o tomara de assalto. Correu sem olhar para trás, sem pensar duas vezes, indo direto para a base do time. O barulho da bandeira caindo no chão e o grito de vitória de seus colegas pareciam distantes, abafados pela confusão que turbilhonava em sua mente.
Ele não olhou de volta para o garoto que ainda estava no chão, observando-o com uma expressão indecifrável. Mas, enquanto se afastava, podia sentir que algo dentro dele havia mudado. Havia uma sensação nova, incômoda, crescendo em seu peito, algo que ele tentava desesperadamente reprimir.
— Você está bem? — A voz distante o fez perceber que seus amigos estavam perto, mas ele mal processava o que diziam.
— Ele esta bem? — murmurou, ainda perdido nos próprios pensamentos.
— Cassiel? Bom, parece que ele ainda esta processando que você conseguiu escapar e ganhar o jogo.
Ele assentiu, distraído.
- Porra Sebby! Tu ganhou essa! - Lucas correu até ele o tirando do campo em direção as arquibancadas.
Cassiel permitiu que o nome do garoto ecoasse em sua mente enquanto ele tentava se recompor. Quando finalmente se preparava para sair do campo, algo brilhou entre as folhas de grama molhada, de imediato se abaixou e encontrou um cordão de ouro branco com um pingente em forma de ampulheta. Um detalhe tão pequeno, como se tivesse sido deixado ali de propósito, ele olhou para o objeto em suas mãos, girando-o entre os dedos, sentindo o metal frio contra a pele.
Sem saber exatamente por que, envolveu o cordão em torno de seu pulso, como se fosse um lembrete silencioso daquele momento, e então se afastou do campo, com o coração ainda disparado, sentindo que algo maior estava prestes a acontecer.
Antes que pudesse ver o outro desaparecer entre os gritos eufóricos de seus colegas de time, Cassiel sentiu algo estranho em sua mão. Olhou para o próprio dedo, com o coração acelerado, viu surgir um fino fio vermelho quase imperceptível ligando-o ao garoto que corria para longe. A sensação era sutil, mas intensa e invisível aos olhos humanos, algo que estava conectando-os de uma maneira que nunca poderia ter previsto.
O fio brilhava de leve, pulsando com uma energia antiga e misteriosa. Cassiel sabia o que aquilo significava, a revelação o atingiu com o peso de séculos. Ele não era como os outros — nunca fora. Por trás de sua aparência comum, havia algo extraordinário, algo que ele sempre tentou manter oculto, uma verdade que ele carregava desde o início de sua existência: ele fora expulso dos céus a pouco tempo por contestar a lei da humanidade.
Seu nome, esquecido pelos mortais, carregava a antiga responsabilidade de os observar e proteger durante eras, havia vagado pelo mundo pelos últimos vinte anos fada a ser um demônio, oculto, invisível, guiado por destinos que jamais poderiam ser seus. Ele havia testemunhado incontáveis vidas se entrelaçarem e se desfazerem, mas nunca esperara que o destino fosse amarrar um fio vermelho ao seu próprio dedo.
Agora, seu caminho estava conectado ao daquele garoto de olhos intensos. Sebastian. Algo no garoto havia despertado essa ligação, o fio, esse laço invisível que entrelaçava almas predestinadas, selava o vínculo entre eles. O anjo caído não sabia o que isso significava ao certo, mas uma coisa era clara: seu papel como observador havia mudado. Ele estava envolvido de maneira irreversível no destino do outro.
O peso de suas asas invisíveis pressionava suas costas enquanto ele se levantava lentamente do campo. Ele conhecia bem o que significava esse fio, destinos como aquele não eram formados por acaso; havia algo mais profundo e inevitável entre eles. Cassiel não tinha escolha agora.
O laço não poderia ser quebrado.
Enquanto ele o via ir, Cassiel tocou o fio com hesitação, sentindo a leve vibração que percorria o laço entre eles. Uma antiga melancolia tomou conta de seu ser. Ele havia vivido tanto tempo à margem da humanidade, sem se permitir envolver e agora o destino o puxava para mais perto, ligando sua existência à de um garoto que ele mal conhecia.
Cassiel fechou os olhos por um momento, desafiando silenciosamente a nova jornada que se desenrolava diante dele.
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