Capítulo 40 - Hacker 2ª parte
Mal troquei de roupa e ele chegou. Ainda tentei mudar o acordo e encontrá-lo no restaurante, mas ele lançou a carta da poluição e insistiu que não haveria necessidade de dois carros sujando o ar. Além disso, o restaurante ficava a poucas quadras da minha casa. Cumprimentei-o com um aperto de mão e partimos.
A steak house tinha aquele cheiro incrível de assado recém preparado e barulho de talheres e muita gente falando. Era quase como estar no Brasil.
— Nem perguntei se você curte esse tipo de restaurante. Deve estar acostumada a esses contemporâneos frequentados pelos famosos.
— Até gosto dos contemporâneos, mas não dispenso um bom grelhado. Já tinha vindo aqui com Jay e as crianças.
— Que bom. Vocês parecem ter uma relação muito civilizada para um casal recém separado. - pigarreei.
— Não vejo motivos para ser diferente. E nem para falarmos disso. Estamos aqui para conversar sobre a ONG e a entrevista.
— Desculpa. Eu não quis ser indiscreto. É que te acho interessante, é difícil não querer saber mais.
— Certo. Conta sobre essa blogueira, como ela te contatou, o que pretende mostrar a ela...
— Ela nos encontrou pelo insta da ONG. É uma influencer que passa do milhão de seguidores. Muita gente famosa segue e reposta, pode ser uma grande oportunidade, a melhor até agora. Talvez maior que a cobertura da TV, marcada para o dia do evento.
— Ela convidou outros professores?
— Não. Você tem o que interessa a ela, além de ser o assunto mais interessante. Ninguém liga muito para quem ensina marcenaria. - franzi involuntariamente a testa.
— Acho que todos fazemos diferença do trabalho. Mas, não se preocupe, sei bem o que interessa em mim. Vou falar do trabalho como o público gosta, inclusive as perguntas pessoais, desde que eu as aprove antes. Tudo pelo bem das crianças, não é mesmo?
— Essa é a ideia da coisa toda. Acha que pode falar que temos grandes talentos em potencial na turma? - pensei em Ana, mas deixei morrer antes de chegar à boca.
— Acho que isso seria forçar um pouco a barra. Mas vou pensar em algo a dizer. Então é isso? A ideia é dizer que temos gente talentosa que seria perdida sem o trabalho?
— Não deixa de ser verdade, não é? Muitos garotos se perdem na falta de oportunidade. Vemos essa verdade todo dia, tanto no Brasil quanto aqui.
— Por falar em Brasil, conta como foi vir de lá, como veio parar na "terra da liberdade e lar dos bravos". - ele soltou um tipo de suspiro e tomou um longo gole na coca cola.
— Minha história não é muito diferente da maioria dos nossos alunos. Era muito jovem, vi a chance de melhorar de vida. Vim para cá com um amigo, que logo se envolveu com drogas e acabou morrendo. Fiquei sozinho e fui abrindo meu próprio caminho. Sobrevivi e não faria nada diferente.
— Como era no Brasil? Por que saiu de lá?
— Acho que nem lembro direito de como era lá. Lembro mais da sensação de desesperança. Aquela impressão de que nunca teria chance nenhuma de ser alguém. Aqui também não sou muita coisa, mas sou ninguém com conforto e ainda consigo ajudar quem acabou de chegar. Afinal, nem todo mundo chega aqui tendo contrato assinado com Hollywood e casando com estrela de cinema. - só eu percebi o recalque?
— Não conheço ninguém assim. Eu mesma, vim com a cara e a coragem, poucos dólares no bolso e dois meninos dependendo de mim para tudo. Levou um tempo para as coisas se acertarem. E mesmo que fosse, não existe uma história igual à outra. Não é justo comparar.
— Verdade. Não é justo comparar. Imigrante é imigrante, a gente precisa se unir. - quando foi que eu dei liberdade pra esse cara colocar a mão em cima da minha? O toque do celular o salvou do esporro. Atendi no banheiro.
— Tá sozinha? - Josué me perguntava alarmado.
— Sim. O que houve?
— Os dados do computador começaram a chegar. Aurélia, tem um inventário completo com os bens e investimentos do Jay, fotos, endereços, dados da família toda. Vocês estão sendo vigiados há meses. O conteúdo do computador dele, inclusive conversas online, tá tudo aqui. O esquema é sério.
— Ele tem as nossas conversas? - senti o banheiro girar.
— Tem. Inclusive você está de parabéns, mas duvido que queira aquelas fotos na rede.
— Ai, minha nossa senhora dos nudes.
— Querida, pelo que vi, te expor não é uma prioridade pra eles. O que a gente precisa é saber o que falta pra eles conseguirem o que querem. Alguma coisa me diz que era o que a Bela estava procurando no apartamento do Jay. Agora despacha o bandido bem intencionado que eu vou descer dois andares e tentar descobrir alguma coisa. Me encontre lá.
Voltei para a mesa controlando o tremor das mãos e o embrulho no estômago. Inventei uma desculpa qualquer e pedi um uber, que me deixou na porta do prédio 15 minutos depois.
A porta escancarada do apartamento deixava passar a luz azulada do computador na escuridão do ambiente. A silhueta na cadeira era significativamente menor que a figura alta e esguia do meu amigo. Antes de entrar, abri a bolsa e tirei o salto. Lucas notou a minha presença quando estava a três passos dele.
— O que está fazendo aqui? - continuei me aproximando a passos lentos. Ele me olhou indiferente e voltou a examinar a tela.
— Quer dizer que agora você é a ex maluca que invade o apartamento dele no meio da noite? - a voz de Bela saiu do corredor que dava para os quartos _ Confesso que esse papel combina com você.
— O que estão procurando? - pelo canto do olho, vi o garoto se mexer. Foi uma fração de segundo até ele me alcançar e ser lançado se debatendo no chão pela descarga do teaser, que eu torci para não ter sido forte demais. _ Não se aproxime mais! - gritei apontando o aparelho para Bela, que apontava um revólver de volta.
— Ou o que? Vai vomitar em mim? Esse treco vai levar um tempo antes de funcionar de novo.
— O que quer com a minha família? Cadê o Josué?
— Josué... não se preocupe, gosto dele. Seu amigo está bem e vai continuar assim se você se comportar. Odiaria ter que machucar alguém tão legal por sua causa. Só preciso que me diga onde está a senha.
— Senha?
— Sim, não se faça de idiota! A senha que dá acesso às contas e investimentos do seu queridinho. Você tirou o Lucas do caminho quando ele ia encontrar. Agora preciso terminar tudo essa noite e sair do país ou te matar no processo.
— Por que nós?
— Eu posso te dizer que vocês são particularmente burros. Essa mania de acolher e ajudar todo mundo. Jay, que adora uma donzela em perigo, e confia tanto na amiga mal sucedida, a ponto de dar a chave da casa e abrir o coração. Você, insegura, tão fácil de tirar do caminho, quase tive pena. Se eu não a odiasse tanto...
— Escuta, Bela. Eu te entendo. É difícil demais ver o tempo passar e nada dar certo, a gente se desespera. Mas você é uma menina talentosa, bonita, tem tudo para dar certo. Para de bobagem e desiste disso tudo. Eu não vou contar nada a ninguém. Desiste disso, vai embora, solta o Josué. - ela riu debochada.
— Acha mesmo que eu acredito em você? Me dá a droga da senha antes que eu te arrebente a cabeça! - respirei fundo engolindo o pânico e mantendo a voz o mais limpa possível, apesar dos tremores.
— Certo, Bela. Entregue o Josué que eu te dou a senha.
— A senha antes.
— Só me deixe vê-lo. Aí prometo que faço o que você quiser. - tentava ler a expressão dela no escuro.
Antes que respondesse, um barulho na cozinha chamou a atenção de nós duas, enquanto ela olhou, joguei meu corpo em cima dela, que deixou a arma cair, indo na direção da porta. Acertei um soco no queixo para deixá-la tonta e fui escorregando para estrangular e desacorda-la de vez, antes que Lucas terminasse de se recuperar. Ela me acertava com chutes débeis e estava quase desfalecendo quando uma sombra alta, parada à nossa frente, encheu o ambiente com a voz grave e o clique da arma sendo engatilhada.
— Ok, meninas, chega de palhaçada e vamos conversar como adultos. - Léo apontava a arma na nossa direção com cara de quem tinha ganho na loteria.
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